quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Mulher e Violência.

"Não tiro ninguém da minha vida
  Eu apenas reorganizo as posições e inverto as prioridades."
                                                             Cecília Meireles
                                                           

Tinha uns sete anos quando fomos à Blumenau, meus pais e eu, no meio da semana. Faltei à escola sem estar doente. Não me disseram o que íamos fazer lá e nem me interessava saber. Sentada atrás, eu escorregava de lá prá cá no banco todinho meu. Quem tem irmãos sabe o isso significa. Eu estava feliz da vida!

Chegamos perto do meio dia, passamos na casa da filha de um vizinho nosso e fomos todos almoçar na churrascaria da família. Ela tinha dois filhos pequenos, mais novos do que eu. O marido havia ido mais cedo. Nos recebeu bem e desculpou-se, brincando, que ele "não estava no horário de almoço."  Fazia pouco tempo que tinham comprado o restaurante e ele recebia a clientela. Ainda brincou que "o gado cresce com o olho do dono" e foi trabalhar.
Tenho viva lembrança das cadeiras com assento de palha e das mesas com toalhas brancas. Da luz do sol entrando pelas janelas altas de esquadria de madeira.
Lembro do guaraná que ganhei só pra mim. Eu estava me "achando". As duas crianças permaneciam caladas, olhar baixo. Terminada a refeição nos despedimos do proprietário e fomos embora.

Sentei na frente, entre os meus pais, naqueles bancos inteiros que tinham os carros daquele tempo. Acho que era um Oldsmobile, grandalhão e bege. A moça e as crianças acomodaram-se atrás. Não os deixamos em casa porém, seguiram conosco na volta. Ninguém falava muito. Estávamos no meio do trajeto quando desabou um toró que não nos permitiu continuar. Pernoitamos num hotel de uma cidadezinha perto da rodovia. Me ocorre agora que não tínhamos bagagem, nenhuma sacola com uma muda de roupa. Eram tempos de estrada estreita, sem asfalto e ladeando o rio. Ainda hoje é assim. Apesar de asfaltada, a BR 470 não é duplicada e exige muita atenção do motorista.
De manhã seguimos. Deixamos a moça e os filhos na casa dos pais e fomos para a nossa. Lembro bem do casal, escondendo lágrimas e agradecendo muito. Eram contidas e escondiam emoções as pessoas daquela época. Ainda se educava meninos dizendo que " homem não chora." Chora sim, e deve! Mas isso é tema para outra hora.

Conto isso porque o que fomos fazer em Blumenau foi, a pedido do nosso vizinho, buscar sua  filha e  netos porque ele não poderia ir.  O genro, dono do restaurante, marido da moça e pai dos filhos dela era um homem violento e batia nela porque achava que podia e pronto.
Meu pai era uma pessoa que não se metia na vida de ninguém mas, quando o amigo pediu, ele não teve dúvidas do que precisava fazer. O marido não podia desconfiar de nada, senão todos nós estaríamos em perigo. Andava armado o homem violento. Daí o plano de nos levar junto, minha mãe e eu.
Esta história tem mais de 50 anos e pouca coisa mudou, infelizmente. A mulher que sofre este tipo de abuso tem que se sentir amparada para ter coragem. Pelo Estado, pela família, pelos amigos, pelos vizinhos.
É, sim, assunto nosso, de toda a sociedade.
Existem situações em que, estando ao nosso alcance, precisamos "meter a colher em briga de marido e mulher".