domingo, 19 de março de 2017

Um Domingo Diferente

"As coisas me ampliaram para menos"
                               Manoel de Barros


Aceitei, com alegria, o convite para tomar o café da manhã no hotel onde trabalha um moço que vi crescer e que lembrou de mim para comemorar esta fase da vida em que as coisas começam a dar certo para ele. Apresentou-me a todos e me mostrou tudo. Conheci a cozinha e a despensa e a sala de convenções. Me pôs à par dos projetos dos proprietários para diversificar a oferta e aumentar, claro, a demanda. Conheci alguns apartamentos, já reformados, maiores do que a maioria dos Studios que as construtoras oferecem com espaço inversamente proporcional aos preços. Informou-me de que muitas pessoas residem no hotel o que me interessou imediatamente! Os apartamentos têm dois dormitórios, banheiro de bom tamanho, cozinha com frigobar, pia, bancada e micro-ondas, mesa para dois e aberta para a sala com sofá, TV e sacada, Ah sacadas! com vistas para a rua, e para rasgos de céus de luas cheias, de sóis e de nuvens que se movimentam e de vidas que circulam sem parar.
Decidi que, quando envelhecer (há controvérsias sobre este conceito) minha neta, por exemplo, me informa com a maior candura que eu não sou velha porque ainda não tenho cheiro de velha. Me arriscando muito perguntei a ela "que cheiro é esse" e ela, daqueles talcos antigos, vó, e de velhinhos que usam muitas vezes a mesma roupa sem lavar direito. Bom, pensei, não uso talco e, partir de agora redobro a atenção  que dou às minhas roupas. Por precaução, combinei com ela que me informe se perceber que entrei na categoria. Fico sossegada, porque nada é mais sincero do que o dizer de uma adolescente. Sincero e cruel, mas eu aguento!

Dia desses atendi o telefone e uma voz masculina maravilhosa me ofereceu, assim, sem nem dizer bom dia, um Plano Funeral que me deixaria tranquila por toda a eternidade. Confesso que ouvi o que o homem dizia fascinada com o timbre de voz que ele tem. Das sensualidades, sempre penso que a das vozes é sub apreciada. Homens com vozes assim devem usá-las para cantar em Coros que sempre têm demanda de tenores e barítonos, ser radialistas, apresentadores de TV e afins ou ganhar a vida dizendo coisas certas em horas incertas ao pé do ouvido de quem interessar possa. Mas nunca, jamais, anunciar planos de funerais. É um desperdício sem tamanho e uso indevido de um talento.

Das convicções que tenho, uma é a de que o meu funeral não é problema meu. Nada me convence do contrário. De modos que, se eu conseguir seguir meus planos e envelhecer com autonomia e independência, vou morar em um hotel destes que aceitam mensalistas. De dúvida, só tenho uma, não sei se na Rua da Flores - em Curitiba - ou na Alameda Lorena - em São Paulo.
Mas isso não é coisa para decidir agora.

                             

quarta-feira, 8 de março de 2017

Mulher

"Se a gente cresce com os golpes 
duros da vida, também podemos 
crescer com os toques suaves na alma."
                                      Cora Coralina 

A primeira mulher - na primeira história - foi criada a partir de uma costela do primeiro homem, feito à semelhança de Deus. Surgimos como um apêndice do homem, sem qualquer vestígio de individualidade e sem nenhuma condição de raciocínio. No entanto, nos foi atribuído o primeiro pecado quando o induzimos a comer do fruto proibido desobedecendo ao Senhor. Todos sabemos como a coisa acaba.  Ele é omitido da responsabilidade pelo que fez. Foi tentado, coitado!
Não me ocorre nada mais machista do que isso. A Bíblia foi escrita por homens.

Hoje, muitos séculos depois, em debates sobre comportamento em que se afirma - como um dogma -"homem é assim, mulher é assado"- eu sempre tenho a mesma dúvida:

Sentimentos têm gênero?
Somos gente e os sentimentos são neutros e de "domínio público". Sentimos amor, somos confiáveis, cultivamos amizades, nos comprometemos uns com os outros independentemente de sermos homem ou mulher.
Podemos trair, enganar, sentir raiva, inveja, o que for, sendo homem ou mulher.
O que seria útil fazer - e o Dia da Mulher - pode servir de ponto de partida é nos inteirarmos de nós. A mulher precisa se enxergar dentro de uma ótica feminina. Quantas vezes nos deparamos com histórias de mulheres que terminaram relacionamentos por justificadíssimos motivos, por exemplo: agressões físicas, traições reincidentes, indiferenças constantes, e ouvimos - de outra mulher  -comentários como:" Ruim com ele, pior sem ele. Sempre foi assim."
Se sempre foi assim, está mais do que na hora de mudar. Esta quebra de paradigma é uma conscientização de dentro para fora que a mulher deve ao ser feminino.
Ela não percebe que enxerga sob a mesma ótica machista que alguns homens se permitem ter para agir desta maneira. Pensando assim, ela chancela e justifica um comportamento que a prejudica. Mesma situação da mulher vítima de abuso sexual quando o que se discute é a roupa que ela vestia. Esta é mais uma das faces perversas do machismo e não é visível. A maioria dos homens não é assim e nem comportamentos abusivos são prerrogativas masculinas. O que é inaceitável é que mulheres sejam machistas sem perceber.  

Nos primórdios, a força física do homem foi fundamental para a sobrevivência da espécie.
Eles faziam o trabalho pesado e elas pariam para que a humanidade continuasse existindo. Ambos foram indispensáveis para que chegássemos até aqui. Cooperação eficiente. Não tivesse sido assim eu não teria escrito este texto e você não estaria lendo (espero).
Falo de parceria. De respeito. De igualdade de gênero. Em paz e com voz.







 








                                       


                                     









 















































 






sexta-feira, 3 de março de 2017

Mobilidade Urbana/ Primeiro Elo


Das unanimidades, a recomendação da prática de exercícios físicos regulares é - disparada - a primeira. Quanto mais vividos somos, mais os médicos nos recomendam caminhar com disciplina e constância. Faz bem pra tudo! Fortalece o coração, pernas e pulmões, espairece a alma, melhora o humor, enfim... sem falar do sol que precisamos apanhar para que o organismo metabolize a vitamina D. Tudo de bom e de graça! Precisamos das pernas e de um parque. Curitiba, cidade bem servida deles, pode se orgulhar de sempre ter um perto de você! Se a vida nos tratou com gentileza e nós mesmos nos usamos com moderação, levamos para a caminhada os anos que temos e, de bônus, esperamos agregar mais alguns.

Da cadeia veicular,  se podemos chamar assim, somos o elo mais fraco, a base da pirâmide. Vamos aos parques, somos Pedestres e dividimos espaço com os Ciclistas, o segundo elo.

Os Ciclistas, até pouco tempo, foram vítimas de frequentes acidentes de  trânsito e muitos morreram na disputa com o automóvel. Finalmente conseguiram se fazer notar e receber atenção de prefeituras e motoristas. Muitos lugares começaram a contar com Ciclovias. Iniciativa indispensável e que humaniza as cidades, é daquelas situações "de quanto mais, melhor". Os acidentes diminuíram e automóveis e bicicletas foram se adaptando uns aos outros. Sempre há o que melhorar, mas o caminho é este.

Parques e vias públicas receberam Ciclovias e nós, os pedestres? Cadê  as Pedestrevias?
Tanto não existem que nem nome tem. Aceito sugestões porque pedestrevias tá de amargar!
Nos parques, salvo honrosas exceções, ficamos espremidos entre a faixa do ciclista e a beirada da pista, adaptada para a dupla função. Não foram criadas faixas exclusivas para as bikes. 
O resultado é que os Pedestres  têm cada vez menos espaço para as caminhadas.

Nos trechos em que a pista não foi dividida, piora! Disputamos espaço com a bicicleta numa desproporção de forças tão grande que só nos resta sair do caminho para não ser atropelados por ela. Temos muito em comum, ambos somos movidos pela energia dispendida pela força das pernas, se bem que as nossas já não têm a agilidade necessária para sair correndo - de arrancada - ao ouvir o tilintar agudo da campainha da bike às nossas costas.

Acredito que as cidades são mais humanas na medida em que acolhem suas populações mais frágeis. Por interesse próprio, pretendo chamar a atenção desse olhar para a população dos mais velhos que estão aqui, agora, em todas a parte.
Curitiba foi e ainda é considerada uma cidade boa para se viver e conviver. Espero que continue sendo e que olhe o idoso com atenção e principalmente com ações inclusivas.