sábado, 22 de julho de 2023

Eis - me Aqui

O maio que já é um pontinho no retrovisor me trouxe aos setenta anos. Até agora costumava fazer um balanço da jornada. Porém, acredito que setenta exige uma avaliação seletiva e sucinta. Para chegar até aqui vencemos exaustivas corridas de obstáculos. Com sessenta anos virei a chave da minha vida e mudei o modo de me enxergar no mundo. Apesar da máxima de que só o que é permanente é a mudança, mudar é um processo lento e doloroso. Exige desapegos arraigados como ervas daninhas e muita coragem. De modo que o meu balancete se resume a esta década, recém vencida. Agora cada aniversário é uma etapa a menos. Ainda espero visualizar um bom punhado de maios pelo espelho. O quanto baste para não dar vexame.

Informo a minha idade com orgulho. Só não gosto quando me dizem que estou conservada. Pode ser que, às vezes, eu seja azeda, mas não sou pepino. Venho de uma família de seis pessoas onde quatro delas se foram muito cedo. Ficamos, meu irmão mais velho e eu, para confirmar a exceção que confirma a regra. Daí o meu respeito pela velhice.

Penso que envelhecer é um privilégio mas não acho, de jeito nenhum, que estou na melhor idade. Envelhecer dói. Acordar com alguma dor é prova de vida. Temos que administrar as encrencas que a idade traz com galhardia e cabeça erguida. É uma questão de escolher o efeito colateral menor. E fazer exercício e nos alimentar bem - aqui a coisa fica meio confusa - então, quando vou ao médico e ele me pergunta se me alimento bem já solto o pacote todo: Ah sim, doutor, como frutas, verduras, legumes, proteínas e não esqueço de beber água... Um me perguntou se eu bebia álcool, fiquei escandalizada. Imagina! Nunca bebi álcool na vida. Com aquele não deu liga. Não voltei mais. Tem a médica que pergunta se estou tomando leite. Respondo que tenho me esforçado bastante.

E tem as amigas! E tem as amigas! O amor mais fácil. A todas e a cada uma:

Quando a rotina e o preto e branco dos dias pesarem me chama que eu vou, na certeza de colorir os meus, na pretensão de colorir os seus.

E tem a família que ampara e, às vezes, incomoda, acolhe e socorre sempre, nos preocupa e nos enche de alegria e orgulho. É o nosso norte, sul, leste e oeste. É comprometimento e amor com todo o seu significado e dimensão. À ela, meu amor incondicional. Viver é bom.



 




segunda-feira, 27 de março de 2023

O Encontro dos Rio-Sulenses

Sábado aconteceu o Terceiro Encontro de Rio-Sulenses no Litoral, em um Beach Park, em Cabeçudas. A pandemia alongou o espaço entre o segundo e este. É o meu primeiro. Fui contaminada pelo entusiasmo da minha amiga Elci Dolores Fronza e confesso que estava temerosa. Saí de Rio do Sul há quase cinquenta anos e, enquanto as famílias viveram lá, voltávamos sempre que era possível. Com o tempo, as distâncias e, principalmente as perdas, fizeram com que a alegria de voltar se tornasse cada vez mais esparsa.

Chegamos quando a maior parte das pessoas já estava se apresentando umas às outras. Optei por me apresentar como filha. Acredito que citar os que se foram é a melhor forma de reverenciá-los. Existem, a cada vez em que falamos neles. Meu pai foi corretor de seguros e pela vida toda foi um apaixonado pelo Concórdia e minha mãe uma tricoteira criativa e talentosa. Eram pessoas conhecidas e queridas na cidade. Os mais velhos me reconheceram através desta referência e os mais novos lembravam de mim quando eu citava os meus irmãos. E contavam histórias sobre eles, sempre com saudade e emoção. Tenho uma amiga que diz que "não somos filhas de chocadeira," sabemos de onde viemos, o que nos permite achar o caminho de volta pra casa, o lugar de pertencimento.

O primeiro reconhecimento foi com  grupo na mesa ao lado. Começava o alvoroço! Em algumas situações a procura era recíproca e instantânea, o que gerava alegria e felicidade. Em outras, agíamos com a mesma cautela da pessoa que sabia que nos conhecia, e ambas precisávamos de mais informação para nos colocar num mesmo lugar do passado. Feita a liga, o contentamento  era imediato, o que me fez lembrar que o passado é um lugar, não um tempo.

Penso que em reuniões deste tipo é necessário um preparo emocional que nos capacite a enfrentar um carrossel de emoções e não ceder à melancolia por um tempo supostamente perdido. Trazemos em nós o vivido, está aqui, é parte do que somos. E falamos nos amigos que já partiram, com saudade e também alegria. A saudade funciona assim, seleciona só o que foi importante, provocou riso e nos deu repertório. 

A organização estava impecável, não houve carência de nada e nem excesso de coisa alguma. As bandas - sim - foram duas bandas maravilhosas que, incansáveis, elevaram o nível da festa. Era lugar aberto, num dia ensolarado e eu me diverti como há muito tempo não acontecia.

Estão de parabéns os envolvidos que tornaram o evento possível em um clima de amizade e simpatia. Em primeiro lugar cumprimento os organizadores, claro, mas também todos os participantes que foram com a intenção de confraternizar. E assim fizemos.

Foi uma Festa de Arromba!

   



                                              




quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Fevereiro.

Aparece num dia qualquer de janeiro, depois do balanço do ano anterior. De repente, está. Não me surpreende porque sei que é assim que ela funciona. Dou-lhe a minha mais completa atenção e a mais profunda compaixão. Relevo seus equívocos e enalteço os acertos. Esses nossos encontros são recentes, coisa de cinco, seis anos. Começaram quando passamos muito além do meio do caminho. Expomos o próprio inventário com cautela, respeitando as fragilidades uma da outra. Sentimos que é onde nossas paralelas convergem e se realimentam. A cada encontro nos perdoamos melhor.

Com o passar do tempo a energia dispendida é maior e as forças, recém recuperadas, se esgotam mais rapidamente. Ela acabou de me deixar, nesses últimos dias de fevereiro, senhora de mim, pronta para seguir. 

Este, porém, será um ano excepcional, fora da curva, prenhe de vida.

A neta, de dezoito anos, recebeu o primeiro salário do primeiro estágio e, num desses momentos nos quais a vida nos põe completas, convidou duas amigas, o namorado, e o filho da esposa do pai para jantar. Esclareceu que bancaria tudo. Informou que seriam sfihas, sem limitar quantidades, porém, sem chances de sair do cardápio. Esqueceu, por absoluta inexperiência em bancar custos, que os restaurantes, por mais baratos que sejam, tiram o lucro no custo das bebidas. Fez-se o impasse!

Decidiram comprar um refrigerante gigante no supermercado do outro lado da rua. A garrafa foi escondida embaixo da mesa e consumida no gargalo por todas as bocas. Acreditaram que  ninguém  percebeu. E riram muito, e contaram e repetiram  e se divertiram a cada vez em que narraram a história. O menino, de dez anos, foi o que mais curtiu, e ela, a irmã postiça, virou a heroína da vida dele. Quaisquer ciúmes  recíprocos que existiram se dissolveram naquele episódio.

Ontem nasceu o irmão de ambos. Dela, por parte de pai e dele, de mãe.

É meu segundo neto, com dezoito anos de diferença. Estamos, as famílias, envolvidos nesse momento de júbilo em que a vida, a que sabe das coisas, nos presenteia com o milagre, a alegria e todo o porvir que uma criança encerra em si. Pessoas que o destino juntou e que, ao dividirem alegria, multiplicam esperança.

Recém tinha me despedido do meu lado avesso, o que citei acima, mas sinto que esses encontros que mantenho comigo uma vez por ano precisam acontecer mais amiúde, serenamente, porque o caminho é largo quando os ciclos do viver se cumprem no tempo certo. 

Bem-vindo, menino bonito. Saúde e sorte. Que a vida seja generosa com você e o trate com delicadeza.

Salve, Jorge!   









sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Respiro

O hiato que separa o Natal do Ano Novo, a semana em que a ressaca de uma festa dura até a chegada da outra, serve para reorganizar a casa. Lavar, ajeitar, nem guardar, apenas separar o que será usado de novo. 
 
Cheguei ao Natal abastecida de ar. Sabia que o combustível que a data exige é consumido em respirações profundas, consumos exagerados e desperdícios, sempre desnecessários. Cheguei leve e alegre ao fim da festa e com o estoque de ar na reserva. Percebo que a cada ano que passa, o consumo de ar aumenta e a minha velocidade diminui. Tudo vai se tornando mais trabalhoso. A semana também serve para repor o estoque porque o tempo é curto e o consumo da segunda festa segue um roteiro mais solto, mas exige o mesmo gás. 

É tempo em que o bom senso aconselha as pessoas da mesma família a focarem no que as une, cuidando para não resvalar, nem de leve, em nada que possa descambar em política. Na minha pequena grande família não temos substanciais diferenças nesta seara, o que é alívio e paz. 
Não estamos todos juntos este ano. Minha filha mais velha e o meu genro moram fora, e não puderam vir, mas é na casa deles que comemoramos as nossas festas. Mesmo que não fosse, estão presentes em todos os momentos. Os ausentes, por distância ou destino, são sempre presença em reuniões de família. 

Nos une o bem querer de uns pelos outros, a torcida para que todos estejam bem, atenção e socorro sempre que a vida dá uns solavancos. Este é o arcabouço das famílias. É a estrutura, o principal. 
Todo o resto é picuinha.

A vida é caprichosa, segue um roteiro próprio, muda de rumo sem aviso prévio e nós, desavisados e distraídos, ao sentir o baque ficamos no acostamento, enquanto ela passa, acelerada. Com o tempo, com a idade, aprendemos a voltar para a pista, mas no nosso ritmo, cada vez mais lento. Andar devagar nos possibilita reavaliar as paisagens, redimensionar  as passagens, ajustar o próprio eixo.

Faltam dois dias para o fim deste ano  desfiador e conturbado e, ao dizer isso, lembro de meu pai, a cada vez que alguém falava  em crise. Ele dizia, "Ah! desde que me conheço por gente a crise da vez é a mais forte, a mais intensa."

Desejo a todas as pessoas um Ano Novo de amor, saúde e prosperidade. E que a Esperança, moça bonita que nos instiga e conduz, nunca nos falte, porque é ela que nos faz andar pra frente.












quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A inquilina

A sala comercial foi alugada por uma psicóloga. Esclareceu que dividiria espaço e custos com uma colega e que atenderiam crianças. Pagavam rigorosamente em dia. Quando a pandemia apertou e o atendimento presencial ficou impossível, acordaram em baixar o valor do aluguel. A condição era revista de três em três meses até que a situação normalizasse. Decisão acertada e que funcionou muito bem. 

Pandemia arrefecida, a inquilina responsável pelo contrato comunicou que iria encerrá-lo. Adquiriu uma sala no mesmo prédio. As pessoas voltavam às suas atividades, mas a economia ainda iria mais um tempo para reagir. Os aluguéis continuavam baixos. Ao mesmo tempo em que uma saía, a outra manifestava interesse em ficar. Propôs fazer um novo contrato - sem reajuste - e justificou dizendo que dali em diante iria arcar com o aluguel sozinha. Tinha o marido como fiador. Alguém comentou que marido não pode ser fiador de esposa. A proprietária comentou que ela tinha lastro, nunca, em mais de quatro anos, atrasou nenhuma parcela do aluguel. E assim foi feito. 

Enviava a cópia do depósito pontualmente, sempre acompanhada de palavras gentis. Muitas vezes  antecipava o pagamento e, surpreendentemente, justificava o motivo. Nunca soube de alguém que antecipa o pagamento de um compromisso e se explica.

Neste novembro o valor depositado foi maior. A proprietária perguntou o motivo. A moça disse que havia corrigido o aluguel de acordo com o índice acordado para o reajuste. Ela quis saber se a proprietária estava de acordo com os seus cálculos. A dona do imóvel não havia percebido que já tinha se passado um ano, apesar de que este aluguel era parte importante de sua renda.

Acrescentou que havia trocado toda a instalação elétrica da sala e colocado lâmpadas de LED. A proprietária ficou feliz, mas argumentou que custos de melhorias são do proprietário. A moça disse que quis fazer esta gentileza em sinal de agradecimento pelo modo como havia sido tratada. E acrescentou: Você foi uma pessoa que entrou na minha vida e que me fez muito bem. Venha tomar um café e ver como a sala está bonita.

Combinadíssimo! Assim que eu for aí, vamos nos encontrar. Será uma alegria conhecê-la pessoalmente.

Ficção? Sonho de uma noite de primavera?  Não! 

Aconteceu comigo.

 






segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Duas Historinhas Sobre Sorte

 

O Porquinho Cor de Rosa

Assino o Rascunho, jornal mensal que publica literatura de qualidade. Recebo o exemplar pelo correio. Guardo todos, desde que ganhei a assinatura de presente de uma amiga querida e continuei a assinar assim que aquela venceu. Gosto de degustá-lo, sentada na sacada do meu apê. Curto a capa e descubro o artista. Começo pelo fim, dando uma espiada no título do texto "Sujeito Oculto", coluna do editor, antecipando um deleite garantido. Leio, então, a coluna de Josué Castello, lá na página cinco. Depois folheio e releio e vou e volto, postergando o impacto de, finalmente, ler a coluna de Rogério Pereira. Nunca saio incólume de um texto dele, escritor das profundezas dos sentimentos. 

Por algum motivo o exemplar de junho ficou entre contas e propagandas sem ser lido. Dia desses dei de cara com ele e cumpri o rito. Ao ler o texto de J.C. "Um Sonho Alheio" em que ele conta que  encontrou um porco no box do banheiro de um hotel, me dei conta, de repente, de que, assim como seu motorista, eu também havia sonhado com um porco. O meu era rosado, risonho e alado e voava ao meu encontro. Achei que era - mais do que coincidência, um aviso - e decidi ir atrás de bilhetes de loteria. Descobri que as dezenas do porco são 69/70/71/72. A moça da lotérica me ofereceu quatro partes de um bilhete que me pareceu o nirvana dos porcos. 69769. Voltei pra casa imaginando o que iria fazer com a grana - garantidíssima - era só esperar o próximo sábado. O resultado, do primeiro ao quinto prêmio não chegou nem perto. Insisti e me empenhei na procura do porco. Acionei filha e genro para procurar o porquinho em Curitiba e nada. Ao cabo de uma semana ou duas, já havia gasto uma boa grana perseguindo um bicho que corria mais do que eu. Interrompi a caçada. Pior do que não ganhar é perder e era isto que eu estava fazendo. 



O Brinco de Pérola 

Saí pela portaria de manhã, deixei o lixo na lixeira do prédio e fui, à pé, buscar meu carro que estava na revisão. Enquanto o mecânico explicava o que haviam feito, uma tarraxa do meu brinco caiu sobre o balcão da recepção. Ficamos, os mecânicos e eu, a procurar o brinco que esteve preso à tarraxa, mas que não estava lá. Combinamos que, se o encontrassem, iriam me ligar. Paguei a conta e saí. Estacionei na garagem e fui pro meu apartamento.

Havia deixado o celular em casa e constatei que o grupo do condomínio estava numa intensa troca de mensagens. O motivo da indignação era porque o vaso grande que faz bonito na portaria tinha sido derrubado e o chão estava uma bagunça de terra espalhada. Quem foi o espírito de porco que virou o vaso e não limpou o chão? reclamavam indignados. Tenho que ir trabalhar senão eu limparia!  Então vai ficar essa sujeirada toda até segunda?" E por aí vai.

Achei estranho porque não fazia nem uma hora que eu tinha passado pela portaria e tudo estava em ordem. Inclusive notei que a planta tinha um broto novo e viçoso. Me ofereci para ir dar uma ajeitada na bagunça. Desci de vassoura e pazinha. Estava uma esbórnia. Na verdade, o vaso não tinha virado. O que aconteceu foi que o belo broto foi arrancado e com ele veio a touceira inteira, cheia de terra. A pessoa invisível que fez isto enfiou  parte da planta em um vaso pequeno, decorativo, e deixou a sujeira espalhada pelo chão. Me senti meio idiota limpando a bagunça toda. 
Às vezes damos pérolas aos porcos, pensava enquanto varria. 

Ao me abaixar para catar a terra com a pá vejo o meu brinco, no chão, quase na porta. Mais cedo, ao levar o lixo reciclável para o latão, o brinco deve ter caído e não percebi. Depois de tudo limpo subi feliz, com o meu brinco recuperado e pensei que os porcos são muito injustiçados. Neste caso a porcaria serviu para que eu encontrasse a pérola perdida. Não era o que eu pretendia, mas é correto afirmar que o porco me deu sorte.





quinta-feira, 14 de julho de 2022

A Professora e o Almirante

Professora de inglês com décadas de experiência, aposentada do serviço formal, plenamente realizada no ofício que escolheu, decide parar com as aulas particulares que, além de um bem vindo reforço no orçamento, lhe proporcionaram amizades valiosas com ex- alunos. Agora é tempo de parar. São mais de cinquenta  anos preparando pessoas para as mais variadas necessidades. 

Eis que recebe uma ligação de uma amiga da amiga de uma ex aluna perguntando se ela continua ensinando. Bons professores são assim, reverberam como a superfície de um lago quando neles jogamos uma  pedrinha. Responde que não. Parou, se aposentou. E a moça lastima e explica: Meu tio, com restrições de saúde, viúvo, procura o que o motive. Quer algo que o instigue. Resgata o fã fervoroso que foi, e é, de tudo o que os Beatles produziram e gostaria de se aprofundar na obra do quarteto. Soube de você e ficou entusiasmado.

Homem culto e viajado, domina a língua. Aprender a falar inglês não é o seu Leitmotiv.  Ele busca mais do que isso. Quer trocar sentires, emoções e alegrias que as músicas deixam em cada um.  Quer ouvir de novo, verter para o português o que o encantou na juventude. Quer reviver, quer partilhar, o Almirante.

A professora que existe dentro dela se ilumina, se empolga e declara: Ah! Se for assim, eu vou! 

Começa a pesquisar as inspirações que resultaram em  tantas canções que se transformaram em clássicos  na discografia dos Beatles e decide, para a primeira aula, a abordagem que fará.

Chegada à casa do novo aluno, apresentadas as respectivas credenciais ela, a professora tarimbada, pergunta a ele sobre as suas experiências de mar, de navios, de viagens. Ele conta dos países que conheceu, das funções que exerceu, do quanto gostava do ofício que escolheu e que o permitiram  conhecer outras culturas, viveres diferentes, do quanto que lhe expandiram os horizontes em todos os sentidos.

Ela  pegunta se ele tem, também, experiência com submarinos. Ele declara que sim, mas que não gostava de viagens submarinas. 

E ela: e se for um Yellow Submarine? Ele se empolga, imediatamente. Estava firmada a parceria.

Soube que as aulas vão de vento em popa! Consideram a possibilidade de fazer um pocket show mais adiante, uma apresentação para a família, coisa íntima, um pot - pourri  das melhores músicas do quarteto de Liverpool.   


   



terça-feira, 21 de junho de 2022

Demandas da Vida.

                                                                               I

Se amor é caminhada e paixão é um choque que explode, queima e se extingue, é preciso avaliar o quanto a perseverança resiste aos trechos em que um dos parceiros se entrega à combustões de ocasião, para depois voltar  - asas chamuscadas - ao traçado seguro do caminho compartido.   

Viver assim é como pisar num terreno movediço o tempo todo. Com a lida, com as desilusões e as recaídas, creio que tecemos uma alça de dentro pra fora, como aquelas que têm nos ônibus que, se não impedem o tranco, evitam a queda. Até que nos tornamos fortes o suficiente para caminhar sozinhos e nos sentir bem. Se mantivermos o foco e a alça que nos mantém de pé, construímos as rédeas que nos permitem a escolha de rumo. É só nesta hora que temos as ferramentas para enfrentar os embates da jornada. Demora, mas vale a pena. O ideal seria que as duplas afetivas pusessem as cartas na mesa antes de firmar o contrato. Melhor ainda se, por uma lei superior, as uniões só pudessem ser efetivadas entre parceiros que pensam a vida da mesma maneira. Como não é assim que funciona, o fato de aprender a nos amar nos capacita para mensurar ônus e bônus.

                                                                              II

Para manter a máquina é mais fácil. A equação é de custo benefício e só depende de determinação. Com  alimentação saudável e moderação em tudo o mais que existe de bom na vida os resultados são garantidos. Sol sem exagero, musculação na academia, alongamentos para permitir que pisemos com segurança nas calçadas maltratadas das nossas cidades, tudo isso e mais um pouco é parte da rotina. Chegou o tempo da disciplina implacável. Quaisquer relaxamentos e voltamos à estaca zero.

                                                                             III

E, tem também a construção da nova relação com os filhos adultos, com seus parceiros e com os netos, o que demanda energia à parte porque é de amor visceral que estamos falando. É tempo de rever e,  principalmente, mudar o modo de amá-los. Entendo que temos que aprender a amar os filhos com desapego, resistir aos palpites, jamais achar isso ou aquilo, enfim, não meter o bedelho sem a devida permissão. Nesse ponto nos socorremos da bagagem construída lá atrás, quando aprendemos que nos amar antes de tudo é condição indispensável para viver e deixar viver.

                                                                              IV

E a vida?  É privilégio, sorte e bênção.

  




quarta-feira, 8 de junho de 2022

O Ramalhete de Lisianthus

Pouco entendo de flores e seu cultivo. O máximo que consigo é manter vivas as suculentas, uma touceira de espadas de São Jorge, e uma ou outra folhagem viçosa e pronta, que a vizinha deixa de presente na minha porta, a cada vez que a estufa da casa dela fica estufada demais. Mesmo assim, tenho que me inteirar das necessidades do presente. Ela me explica, doce como é, que as dá para mim porque as plantas não gostam de trocar muito de lugar e como os nossos apartamentos são próximos, elas nem percebem. Não estranham a mudança de lar porque continuam verdes e felizes. A vizinha sabe o que diz. 

Também apelo para os conhecimentos da Carolina, minha caçula, que divide a selva que é a sala da casa dela com o Chicão, o cão, que ela diz que é meu neto. Se bem que tive uma roseira, a única que vingou das quatro que plantei numa casa onde morei que, podada na lua nova de junho, me oferecia rosas magníficas na primavera. Era frequente brotarem quatro ou cinco rosas perfumadas, vermelhas e aveludadas num galho só. Aqui, além das plantas que citei, cuido de um vaso pequeno no qual plantei um galhinho de manjericão. Eles gostam de sol o dia inteiro e, se não for possível, o maior tempo de sol que se conseguir. Quando encompridam, esticando o galho como um pescoço de ganso curioso, é porque buscam a luz. Então, têm que ser podados bem na emenda do galho. Daí nascem dois brotos novos e ele vai se encorpando naturalmente. 

Flores são fundamentais. Mensageiras de bem-querer são sempre o presente certo. Acrescentam beleza e alegria em todas a celebrações da vida, e também consolam os que ficam, na tristeza das partidas.

Não tem muito tempo que meu olhar descobriu as Lisianthus. Delicadas, coloridas e lindas, imediatamente passaram a ser a minha flor preferida. Foi um caso de  amor à primeira vista. É a primeira vez que elejo uma flor preferida e isso é extraordinário porque faz um tempão que estou aqui. 

Lisianthos deriva da palavra grega lissos, que significa macio e anthus, que significa flor. Não se engane com a sua aparência delicada. Nascem nas pradarias e leitos secos de rios nas regiões desérticas do Texas e Arizona e em outros estados americanos, e no México. Porém, não gostam de sol direto, mas necessitam de bastante luz para se desenvolverem firmes e bonitas. E água, o quanto baste.

Flor delicada e resistente é sempre lembrada para compor buquês de noivas, talvez para lembrar aos recém casados que, entre tantas outras, delicadeza e resistência são condições importantes para que o  amor floresça.

 




sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

A Visita

Almoço à quatro mãos, uma no frescor das descobertas culinárias e a outra, sovada na experiência de muitos anos - instigada -  resgata frescores esquecidos. A trajetória de vida das duas amigas é totalmente diferente. Convergiram ao se conhecerem num grupo de canto coral. No canto, em comum tinham as dificuldades técnicas e a alegria sem medo. Ambas cantavam mal e sabiam, o que nunca as impediu de soltar a voz, peito aberto, "e cantar e cantar e cantar" para desespero do professor.

A pandemia e as contingências da vida as separaram. Uma mudou de cidade. O grupo de canto coral mingou até se extinguir por inanição. Mas aquilo, o que se construiu nos anos em que cantavam às terças feiras - as ligas frescas e aparentemente opostas - amalgamadas pelos afetos improváveis e sedimentadas devagar, depuraram e chegaram ao lugar certo, como são os doces de porções e de punhados que ficam prontos quando chegam ao ponto. Acredito que o maior ganho que a prática de viver nos dá é o sentimento pressentido, o amor confiante, a autonomia conquistada pela intuição. Sabemos o que nos significa e expande.

Escrevi quase nada em 2021. Foi como se a energia despendida para escrever fosse canalizada para recuperar força e saúde. Mal consigo imaginar o esforço que as pessoas vítimas da COVID têm que fazer para se recuperar. Esta semana chegou, na clínica de fisioterapia que frequento, uma mulher beirando os 50 anos, fraca, um fio de voz, para iniciar a fisio pós UTI / internação hospitalar. O exercício proposto pela fisioterapeuta era o de fazer cinco respirações seguidas, com calma, oxímetro no dedo indicador. Eu, galhardamente erguendo o peso de meio quilo pra recuperar a força do braço  observava de soslaio a dificuldade dela. O seu esforço foi tão comovente que desandei num pranto constrangedor. Ela me perguntou: A senhora está bem? Nem consegui responder. Agradecida, continuei os exercícios com vigor novo.

Sinto que a vida funciona melhor quando fazemos avaliações amiúdes, desconsideramos pequenas chatices e buscamos o lugar onde nos sentimos bem. Essa busca é dinâmica. Um caminho menos fácil e - fundamental - é resgatar as partes boas dos descartes que, magoados, jogamos fora. A vida decanta as importâncias. Fazemos concessões, claro, mas só as que não nos perturbe ou aborreça. O "não custa nada" na maturidade é de fato, o que nada custa. 

Com o Natal entrando pela porta e o Ano Novo espiando pela janela desejo que a esperança que nos move se transforme em dias com mais saúde, alegria e oportunidades para todas as pessoas, de todos os lugares. A utopia é o que nos faz dar o próximo passo.

Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.