segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Como Você Se Sente?

"O amor não é um sentimento
  é uma habilidade"
               Alain de Botton        


Adentraram em bando e chamaram a atenção do proprietário que - surpreso em receber senhoras no Bar de Cervejas Artesanais - encaminhou-as à mesa e explicou como a coisa funcionava. Destacou uma moça para atendê-las e elas, habituadas que são nesses misteres de botecos e afins, trataram de começar pela degustação das artesanais... As três básicas, Pilsen, Weiss e Pale Ale não surpreenderam, e a tentativa de harmonizar o amargor do cupuaçu com cerveja resultou numa  desarmonia amargurada.
Explicou, o proprietário, que era noite do  Pocket Show de Stand - Up Comedy, que o cara era bom e conhecido na cidade...

Então o artista chegou, se apresentou e viu o grupo de senhoras. Não sei se pretendia "tirar onda",
mas perguntou a uma delas se toparia participar da apresentação. Era mais um menos assim: ele contava uma piada e ela tinha que rir, rir muito e depois rir e bater palmas. A mulher, artista nata, dava gargalhadas histriônicas e batia palmas entusiasmada, com verve e graça. O bar inteiro ria! Da performance dela, não das piadas do cara. Enquanto isso, as outras espalhavam que se tratava de uma artista de teatro, do Rio de Janeiro. Foi o ponto alto do show, o que confirma que quem tem talento rouba a cena, mesmo que seja coadjuvante. Tiraram a maior onda...

Aliás, elas já perceberam que ir a lugares onde mulheres mais velhas não costumam ir lhes rende atendimento vip, pelo inusitado. São alegres, abertas, soltas no intuito de se divertir.
É uma quebra de paradigmas que se soma à outras que estamos rompendo todos os dias.
No geral, a avaliação do bar ficou aquém do esperado.

Nessa fase da vida em que somos a primeira geração a viver mais, produtivos, ativos e participativos, somos foco de pesquisas, debates e estudos sobre o envelhecimento. Médicos, psicólogos e antropólogos  convergem  nas conclusões sobre o que estão chamando de Terceiro Ato da Vida.
Comer bem, fazer exercícios, aprender coisas novas ou acrescentar novos jeitos de fazer as coisas, meditar e cantar e bons relacionamentos interpessoais são alguns dos comportamentos que nos capacitam  envelhecer com autonomia e independência.

Vale a pena assistir estes vídeos (youtube)
Como Envelhecer Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes - Geriatra 
Emocionante aula sobre o ato de envelhecer, ela termina a palestra alertando que
" Envelhecer é um caminho potente para aprender a ser humano."

Jane Fonda. O Terceiro Ato da Vida
"Descobri que uma metáfora mais adequada para envelhecimento é uma escadaria - 
   a  ascensão  para o topo do espírito humano, trazendo-nos para a sabedoria, completude e           autenticidade."

Envelhecimento é um fato e um assunto - não é um sentimento - e me interessa bastante pelo mais legítimo dos motivos.






















quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Brecha na Agenda


 "Entre as dez ou mais de mil melhores 
   coisas da vida
   Você estava atrás do sétimo, oitavo lugar
   Depois do violão, do irmão, do gibi, da bebida
   Entre a luz do fim da tarde e o azul do mar..."
                                         Arnaldo Antunes


Temos duas agendas. As de compromissos profissionais, administradas por secretárias eficientes que, quanto mais competentes, mais espremem a outra, a que nós organizamos e não obedece horário rígido e existe para a gente seguir a voz do coração. Uma é prática, a outra cuida dos quereres, dos amores, dos prazeres.

Uma não conversa com a outra. Não coincidem, têm demandas diferentes. Como a segunda é maleável, a primeira se aproveita disso, é invasiva e vai tomando conta da nossa vida.

Este assunto me ocorre porque duas amigas, profissionais com quase a mesma idade, ambas conceituadas e bem sucedidas na profissão decidiram, para este ano, tomar as rédeas da agenda número um. Profissionais liberais, diminuíram a jornada diária e estabeleceram semanas de quarto dias. A folga conseguida foi transferida para atividades da outra agenda, a que dispensa anotações para lembrar compromissos.

Não só a vida profissional regular nos submete à agendas formais. Mães e donas de casa em tempo integral seguem uma disciplina rígida para dar conta das demandas da casa e da família. Quando essas demandam diminuem, aumentam espaços na agenda de número dois.
Nessas alturas da vida fazem uso do próprio tempo com respeito. Sabem que ele é precioso.
A gente pensa que esta agenda se constrói ao sabor dos acontecimentos, o que é um  engano. Agendas emocionais são construídas de forma constante e racional.

Tomam corpo e densidade atentas às reciprocidades de afeto e prazer e permitem abrir brechas para aceitar convites inesperados ou para fazer concessões que valem a pena. Na agenda de papel, aquela que nos organiza nas coisas do ganha pão, isso se chama custo/ benefício.

Cada pessoa organiza a sua agenda de acordo com o que achar mais importante.
Meu critério é o seguinte: no começo da lista coloco quem eu sinto que me coloca também, sempre respeitando as circunstâncias, as ocasiões, o pedido do dia.

Com o tempo vivido - que não é pouco - percebi constância e coerência em alguns participantes da minha lista, o que me forneceu material para um gráfico estatístico. Estavam lá, evidentes, os comportamentos repetidos das pessoas que a compõem. De vez em quando remanejo e arejo a minha agenda, o que lhe dá frescor imediato. Descarto uns, introduzo outros. São seletivas as agendas emocionais.

Com a prática de vida que consolida quem somos, cheguei à conclusão de que, se temos com algumas pessoas uma frequente conversão de desejos, se as prioridades forem parecidas, podemos confiar que, com elas, os compromissos dispensam assinaturas.
São afetos leves, tão bons que a gente não carrega, degusta.
Assim, a vida, a que vale a pena viver, acontece.