quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Brecha na Agenda


 "Entre as dez ou mais de mil melhores 
   coisas da vida
   Você estava atrás do sétimo, oitavo lugar
   Depois do violão, do irmão, do gibi, da bebida
   Entre a luz do fim da tarde e o azul do mar..."
                                         Arnaldo Antunes


Temos duas agendas. As de compromissos profissionais, administradas por secretárias eficientes que, quanto mais competentes, mais espremem a outra, a que nós organizamos e não obedece horário rígido e existe para a gente seguir a voz do coração. Uma é prática, a outra cuida dos quereres, dos amores, dos prazeres.

Uma não conversa com a outra. Não coincidem, têm demandas diferentes. Como a segunda é maleável, a primeira se aproveita disso, é invasiva e vai tomando conta da nossa vida.

Este assunto me ocorre porque duas amigas, profissionais com quase a mesma idade, ambas conceituadas e bem sucedidas na profissão decidiram, para este ano, tomar as rédeas da agenda número um. Profissionais liberais, diminuíram a jornada diária e estabeleceram semanas de quarto dias. A folga conseguida foi transferida para atividades da outra agenda, a que dispensa anotações para lembrar compromissos.

Não só a vida profissional regular nos submete à agendas formais. Mães e donas de casa em tempo integral seguem uma disciplina rígida para dar conta das demandas da casa e da família. Quando essas demandam diminuem, aumentam espaços na agenda de número dois.
Nessas alturas da vida fazem uso do próprio tempo com respeito. Sabem que ele é precioso.
A gente pensa que esta agenda se constrói ao sabor dos acontecimentos, o que é um  engano. Agendas emocionais são construídas de forma constante e racional.

Tomam corpo e densidade atentas às reciprocidades de afeto e prazer e permitem abrir brechas para aceitar convites inesperados ou para fazer concessões que valem a pena. Na agenda de papel, aquela que nos organiza nas coisas do ganha pão, isso se chama custo/ benefício.

Cada pessoa organiza a sua agenda de acordo com o que achar mais importante.
Meu critério é o seguinte: no começo da lista coloco quem eu sinto que me coloca também, sempre respeitando as circunstâncias, as ocasiões, o pedido do dia.

Com o tempo vivido - que não é pouco - percebi constância e coerência em alguns participantes da minha lista, o que me forneceu material para um gráfico estatístico. Estavam lá, evidentes, os comportamentos repetidos das pessoas que a compõem. De vez em quando remanejo e arejo a minha agenda, o que lhe dá frescor imediato. Descarto uns, introduzo outros. São seletivas as agendas emocionais.

Com a prática de vida que consolida quem somos, cheguei à conclusão de que, se temos com algumas pessoas uma frequente conversão de desejos, se as prioridades forem parecidas, podemos confiar que, com elas, os compromissos dispensam assinaturas.
São afetos leves, tão bons que a gente não carrega, degusta.
Assim, a vida, a que vale a pena viver, acontece.




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