terça-feira, 22 de maio de 2018

A Rainha e o Cozinheiro

"Cozinhar não é um serviço...
  Cozinhar é um modo de amar os outros"
                                                   Mia Couto

Ouvi uma história interessante que vale a pena contar.
Uma mulher, farta do marido que não parava em emprego nenhum e nem tinha pressa em arrumar outro, separou-se dele e, por falta de recursos, continuou morando na casa que pertencia aos dois.
Saía cedo pro batente e, quando retornava, lá estava ele na frente da TV. Fazia uns bicos, ganhava uns trocos, mas a maior parte do dia se aboletava no sofá. Cansada de esperar que as coisas mudassem parou de brigar e parou de se importar. Saía com os amigos do trabalho, um deles virou namorado e a vida começou a se ajeitar.

Um dia, assim que abriu o portão, sentiu um cheiro bom de comida no ar. De onde vem isso? Nada que a sua memória olfativa reconhecesse. A memória olfativa é poderosa, elimina tempo e distância. Eu mesma, quando sinto cheiro de doce de figo verde, me transporto para a casa da minha infância, revejo o fogão de lenha e o panelão onde os figos chegavam "no ponto" sob o olhar treinado da minha mãe. Como era bom!
Intrigada, entrou na cozinha devagar. Ele estava de costas, a mexer nas panelas. O que é isso? perguntou sem acreditar no que via. Ele se vira, limpa as mãos no avental e dispara um quer jantar comigo? Ela aceita. De susto!
 A semana inteira foi assim, cada dia um prato diferente, saboroso, caprichado. Passou a vir direto do trabalho curiosa para saber qual era a surpresa do dia. Riam, conversavam e ele contou que viu que levava jeito vendo os programas de culinária da TV.  Aprendeu a fazer pão e macarrão, os vizinhos começaram a fazer encomendas, melhorou a estrutura da cozinha e quase não tem tempo de assistir televisão.
Semana passada chegou com passagens pra Bahia. Está interessado em se inteirar de moquecas,  aprender os segredos do dendê e em se acertar com ela.

O que isso tem a ver com a Rainha? Explico:
O marido virou cozinheiro porque percebeu que precisava mudar para permanecer e é aí que entra a Rainha da Inglaterra. O casamento do príncipe Harry com a americana Meghan Markle  - que o mundo inteiro assistiu e continua a comentar, foi lindo e descontraído - para os padrões britânicos - com calculadíssimas quebras do protocolo, porém improvável de acontecer até pouco tempo atrás.
No entanto os tempos são outros e a realeza britânica teve a sensibilidade de perceber isto. Precisou mudar para permanecer.

A Rainha da Inglaterra quer que tudo permaneça, por isso muda.
O marido descobriu o que queria e mudou, para permanecer.

Ps: Vida longa e feliz para ambos os casais e, se tiverem ouvido o importante sermão do Reverendo Michael Curry com a devida atenção, certamente terão sucesso na empreitada.














sexta-feira, 4 de maio de 2018

Portugal - Algumas Impressões

"O único modo de encontrar um
 amigo é ser um."
                    Fernando Pessoa

Dias de lavar as roupas e limpar os sapatos que trouxemos da bela e empoeirada Lisboa, por óbvio e,  também, para que fiquem de par com a alma que voltou lavada e arejada. O que me remete à D. Carlota Joaquina que, ao deixar o Brasil - que tanto detestava - sacudiu os sapatos ao embarcar no navio que a levaria de volta à Lisboa porque "do Brasil não quero levar nem o pó!" Não é o caso, aqui.

Mais importante das colônias do Portugal navegador e descobridor, temos - para o bem e para o mal -a nossa  história entrelaçada por mais de três séculos. É interessante ver a figura do D. Pedro I - para eles D. Pedro IV - com o olhar do outro. Um bom exercício para entender pontos de vista diferentes de um mesmo fato. As últimas colônias, "em África" se emanciparam só na segunda metade do séc. XX.
A estabilização dos seus limites em 1.297 torna Portugal o país com as fronteiras mais antigas da Europa e, se depender do turismo para lhe gerar divisas está claramente bem servido. Turistas da Comunidade Européia lotam hotéis e museus. Sem falar nos japoneses e os chineses - estes em enxames. E nós.

Meu interesse pelo modo como as pessoas se expressam foi deliciosamente recompensado em Portugal... Se, como nos disse um taxista "os brasileiros falam português com samba", eu digo que os portugueses falam português com poesia. E não é pura poesia nos indicarem um restaurante requintado onde os guardanapos "são dobrados em pomba" e endereço é "dar a morada?" E no açougue escolhemos o nosso talho de eleição?  E onde "um empregado de mesa, que está ali a nos indicar a melhor escolha" declara que nós, brasileiros e portugueses, falamos a "língua de Camões?" E  que escrevemos igual, mas a pronuncia de lá é que é a correta, por castiça? E, elegantemente, fala na segunda pessoa do plural?

E os vinhos e os doces e o Douro e o Tejo? - largo como o mar - com o qual se junta lá pelos lados da Torre de Belém, bem pertinho da famosa confeitaria que produz os maravilhosos Pastéis de Belém, situada na rua do mesmo nome, número 84, desde 1837.

E o bacalhau, que nos motivou a ir lá.

Para a minha avó paterna, nascida Honorina de Sampaio Barros, de quem - desconfio - trago em mim estes momentos de devaneios...