domingo, 31 de julho de 2016

Todo Dia Todo Dia Todo Dia

"Debaixo d`água tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
todo dia todo dia todo dia."

Gosto das músicas e mais ainda das letras do Arnaldo Antunes. Esta é primorosa. Se não fosse o detalhe de ter que respirar... que bom seria. Fala de situações idealizadas, que acreditamos que são perfeitas, onde só existem prazer e completude... mas, apesar de todas as vantagens, com a rotina inevitável dos dias nos percebemos sufocados, em desespero por colocar a cabeça fora d'água, encher os pulmões de ar e sair correndo. E fazemos um novo arranjo e - este sim - é o lugar perfeito, agora eu vou ser feliz! até que tudo se repete... e repete tantas vezes quantas as que repetirmos o mesmo pedido. Esperamos que a felicidade caia sobre nós como mágica e ali se instale e funcione para sempre, amém. Alguns de nós aprendem que não é assim que funciona. E aprendem com muito esforço e sofrimento.

É preciso parar para se conhecer. É o "Conhece A Si Mesmo" que vem lá, dos gregos antigos, e não por acaso. Guimarães Rosa em Grandes Sertões nos ensina que "Passarinho agachou, o voo está pronto." Significa que precisamos nos recolher, nos preparar para saber aonde queremos chegar.
Assim, sabedores das escolhas que temos de fazer para alinhar-nos com a nossa alma, aumentaremos nossas chances de felicidade. Penso que o "segredo" seja exatamente este, perceber o que se tem e gostar da escolha feita.
Não é fácil mas é muito bom.














segunda-feira, 25 de julho de 2016

Moderno é Envelhecer Bem

Saio para caminhar levando lenço, documento e trocado no bolso. Prefiro os dias de sol e brisa leve. Dias amenos. Não corro e não exagero no percurso. Conheço os caminhos, sei dos desalinhos da calçada. Olho onde coloco os pés e, mesmo assim, às vezes levo uns tombos e me esfolo e me machuco. É o imponderável que nos alerta que a estrada é a mesma, mas a jornada é outra.

Enfrentar ventanias, só se forem absolutamente incontornáveis. Às vezes, basta virar a esquina, em outras é necessário sair da sala. Preservar-nos deve ser foco constante até que fique amalgamado na nossa natureza.  Muito do que acontece no entorno não é assunto nosso e, se nos colocarmos em segundo plano, logo veremos que as coisas se resolvem sem a nossa interferência. Aprender a sair de cena nos dá liberdade e, pasme! nos torna mais visíveis.

Disponibilidade sem nenhum limite é outro comportamento que precisamos reavaliar. Nosso tempo é precioso porque é mais curto e nos cabe gastá-lo com cuidado redobrado. Trocas de afetos sinceros e na companhia das pessoas certas é divertimento garantido.

E se nos for permitido fazer um pedido, façamos ao destino - o mais imprevisível dos senhores - que não faça nada, apenas não altere a ordem natural das coisas.



quarta-feira, 20 de julho de 2016

Tiro no Pé

Tenho um apartamento na praia que fica no primeiro andar, sobre a área das garagens. Deste modo o terraço é proporcional ao espaço que elas ocupam. A área útil, pequena e funcional, tem o  tamanho exato dos meus desejos, com portas/janelas que saem direto no terraço e proporcionam conforto e liberdade, principalmente nos dias muitos quentes, quando abrir o chuveiro "de fora" e, de roupa e tudo, tomar uma ducha pra refrescar é tudo de muito bom. E, no inverno, é ótimo para tomar sol.

Venho pouco para a praia por causa das contingências da vida, dos compromissos assumidos e, também, pelos prazeres de lá. Apesar de ter se transformado em um plano individual, continuo com a intenção  de vir para cá em um futuro não muito distante - havemos de ter sensatez para perceber o valor do tempo - e inverter  a ordem do que foi melhor até aqui. Com isso digo que Curitiba ficará como meu lugar de visita e, aqui, como meu lugar de morar.

Todo mundo que tem apartamento nessas condições sabe dos "lixos" que caem no seu terraço. Tem de tudo! Cotonetes e "camisinhas", papel de bala e chicletes mastigados, latas de cerveja vazias e balões brancos de Réveillon. Sem dúvida que aborrece e incomoda, mas também entope os ralos e represa a água da chuva, o que cria condições ideais para a proliferação de mosquitos, inclusive o Aedes aegypti, causador das doenças que, sabemos todos, são dolorosas e muitas vezes fatais.

 Eu gostaria de entender o que motiva pessoas adultas, que se entendem por educadas e inteligentes, a jogar lixo pela janela para cair no terraço do vizinho, quase literalmente, nos próprios pés.
Das poucas certezas que tenho, uma delas é a de que nada é mais democrático no mundo do que doenças. São democráticas e não são preconceituosas. Servem para todos e não poupam ninguém.
De algumas não temos como nos defender, mas de muitas podemos e devemos, principalmente das que surgem pelo relaxamento e descuido que temos com o descarte do lixo que produzimos, a começar pelo papelzinho de bala que, descuidadamente jogamos pela nossa janela.



domingo, 17 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção 3

Nos dois últimos escritos falei do bairro onde estou morando. É bom morar no Alto da Glória, pertinho do Juvevê, com suas ruas charmosas e radiais que me confundem e onde me perco e me acho para me perder novamente quase em seguida. Me perco de carro, ao tentar descobrir caminhos práticos para ir e vir com maior rapidez e também à pé, andando à toa. Aprender novos caminhos, na cidade e na vida, nos fornece ferramentas para nos reinventar quando a realidade nos impõe readequações no percurso. Exercita o cérebro e nos proporciona um "olhar para dentro", de modo que "perder-se" é condição para reencontrar-se.

Vim do Abranches, onde morei em um sobrado onde eu tinha uma roseira, duas strelytizias e um antúrio. Compunha belos arranjos com as flores e na falta delas, as folhas faziam bonito também.
Bairro que concentra um número expressivo de poloneses e descendentes, a vida social gira em torno da Paróquia e do Colégio. Fica no Abranches  um dos bares/restaurantes mais antigos de Curitiba onde a cerveja e  as comidas de boteco não decepcionam nunca. Uma maravilha!
Lugar onde o curitibano é mais contido, me emocionei quando, ao dizer que estava indo embora, todas as pessoas com quem estabeleci relações de camaradagem e apreço, curiosamente me disseram a mesma coisa  "Que Pena!"

Foi lá que deixei definitivamente de fumar, quando finalmente compreendi que precisava tocar a vida de um jeito meu, e que para conseguir faze-lo era necessário não só coragem, mas indispensável preservar a saúde.

Sem contar no churrasco de domingo, servido em mesas compridas, montadas sob as árvores onde as folhas criam desenhos de luz e sombra nas toalhas coloridas nos dias quentes de verão.







domingo, 10 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção 2

Firme no propósito de conhecer meu novo bairro fui até a Feira Livre que, dizem os moradores daqui, é a melhor da cidade. Feiras Livres têm isso em comum. A melhor é sempre aquela que funciona no bairro onde reside a pessoa que faz a afirmação e isso, por si só, é maravilhoso. Imagina se todos estivéssemos tão satisfeitos com o que temos ao nosso dispor. O mundo, de tão harmonioso, seria um tédio!

Saí sem carrinho e sem sacola só para dar uma espiada e tomar um pouco de sol. Dia ensolarado, de temperatura amena, a feira surge, comprida, na rua larga e bonita. Tem de tudo e muito. Barracas de pastel - orientada que fui para atentar para elas - com mesinhas e toldos coloridos, contei três ou quatro. Aliás, o bairro é forte no quesito pastel. Tem a pastelaria onde eles são enormes, servidos no prato e saboreados com garfo e faca. Um almoço. Já fui lá e é verdade.

A Feira toda é uma alegria! Organizada e colorida, iluminada pelo sol generoso da manhã, o violonista dedilha queixumes de amor de um lado enquanto o violinista, do outro, toca, solto, a Primavera de Vivaldi. No meio, a barraca de flores serve de anteparo para não misturar os sons e enfeitar a rua. Um luxo!

Determinada a ver o lado bom de tudo, não por ingenuidade ou por tardia "Síndrome de Poliana", mas porque acredito que os grandes eventos da vida já aconteceram, penso que precisamos perseguir as pequenas alegrias. Exercício racional, exige foco e atenção e assegura bem estar. Com sorte, daqui e dali, tiraremos bons momentos de felicidade. Futuro e maturidade são conceitos contemporâneos, coabitam o mesmo tempo e, paradoxal que possa parecer, é no presente que devemos conjugar nossos verbos.


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção

Endereço novo, começo a me inteirar dos serviços que o entorno oferece. Bairro antigo que foi crescendo junto com a cidade, tem lojas, restaurantes, mercadinhos e armarinhos, feira, bancos e lotéricas, chaveiro e sapateiro e todos os serviços que pudermos imaginar para facilitar a vida e  economizar combustível. Aqui o comércio foi surgindo para atender as demandas. Sem planejamento formal, foram se ajeitando e se adequando, moradores e prestadores de serviço.

Já mudei muitas vezes. De estado, de região e de cidade. Moro em  Curitiba  há  muitos anos e este é o meu sétimo bairro e gosto disso. Ouço frequentemente, pessoas dizerem  "ah, não consigo me imaginar em outro lugar, tenho tudo aqui e todos me conhecem e eu os conheço. Tenho amigos, de quem sei o nome, conheço a família, sei onde moram". Concordo e entendo, mas temos de nos ajeitar com o que a vida nos oferece.

Cidades tem características próprias que as distinguem e personalizam; contém, dentro de si, bairros distintos, diferentes uns dos outros e que contribuem para a diversidade, rica e necessária, que, por sua vez, empresta ao todo parte da identidade que o caracteriza.

Cheguei aqui no tempo certo. Bairro de moradores antigos e de senhorinhas gentis que me cumprimentam no elevador e no mercadinho e me absorvem como parte, nada sei de particular sobre elas e elas nada sabem de mim.

O que distingue este bairro é a gentileza à moda antiga, a educação cálida e discreta que não exagera e nem se esparrama, do tamanho exato para nos deixar confortáveis. Se aprendemos alguma coisa ao longo do percurso, sabemos da importância das pequenas gentilezas, das breves atenções sinceras. Chegam, quase sempre, de onde não se espera e nos faz muito bem. O que ainda precisamos aprender e, de tão difícil, penso que não aprenderemos nunca, é não esperar olhar atento e tempo investido, de quem achamos que podemos esperar.