domingo, 26 de fevereiro de 2017

Três Historinhas Curtas porque é Carnaval

O que somos para além do que vamos sendo?
                      " Fazes-me falta" /Inês Pedrosa
                                                             pag.13


No setor de hortifruti do supermercado, talvez por que é Carnaval, de repente olhei os pepinos com olhos da criança que fui. E surgiu minha avó a me passar um pepino recém colhido que eu pegava e lavava na torneira  "de fora" e imediatamente mergulhava no açucareiro, sem enxugá-lo. O açúcar grudava no pepino molhado e a gente ia mordendo e enfiando no açucareiro até acabar.
Não é necessário dizer que o que sobrava do açúcar ficava molhado, grudado e imprestável. Se na época eu tivesse mais "expediente" lavaria tudo, reabasteceria o açucareiro e não deixaria vestígio.
Teria sido melhor para mim e para ela porque nos safaríamos da bronca da minha mãe . Hoje penso que a cumplicidade que tínhamos - minha avó e eu - precisava dessas pequenas infrações.
Então peguei um e disse para a senhora idosa ao meu lado - lembrei da minha avó, nós comíamos pepino com açúcar. Ela sorriu e disse "é muito bom, eu comia também!"
Ganhei meu sábado, ponto pra mim nesse início de Carnaval.
Recordei as fantasias - daí a lembrança - que minha avó costurava para mim, quando pequena. Fui flor, de saia com pétalas de cetim cor de rosa e corpo verde do caule e fui baiana, como fomos quase todas as meninas na época. Muito mais tarde, no mesmo clube, vesti de baiana minha filha mais velha - legítima - porque a vida, nas suas idas e vindas, fez com que ela nascesse em Salvador.

Decidida a a usufruir da calma que o Feriado de Carnaval generosamente oferece à Curitiba, queria fazer coisas que não tem hora para começar e - menos ainda - para acabar. Ler o quanto baste, caminhar, arrumar algumas gavetas - de armários e/ou de alma e me esmerar no fazer nada.
Ligar para amigos queridos que vejo menos do que gostaria também fazia parte da lista de "intenções de Carnaval".

A primeira pessoa para quem liguei me perguntou, o que você vai fazer do seu Carnaval? E eu, já estou fazendo, Uma delas é  telefonar para você. Veja a coincidência, estava com a mão no telefone para ligar e convidá-la a almoçar conosco. Pronto! Planos existem para serem seguidos e para serem mudados, sempre que for necessário. Levo a sobremesa de abacaxi que você adora e vou. E Ela; nem se preocupe com o horário, toda hora é certa quando não temos compromissos para depois.
Ganhei meu domingo, aumentei meu placar.

Tenho dois dias inteiros ainda e, da lista citada acima, ainda não fiz nada. Amanhã - tendo tempo - pretendo seguir o programado. Confirma-se uma impressão que tenho. A vida corre bem quando, não tendo nada para fazer, não temos tempo para nada!

E porque é Carnaval, me aventuro nesses versinhos:


''Fernando Pessoa
Modo de Usar "

Tenho uma amiga chamada Suely
E outra que é Marilena.
Por Suelena atende a terceira.

São diferentes, as três.
São inteiras.

O que têm em comum?
A amizade comigo
E o tamanho da alma
Que em nenhuma é pequena.


                                 







         

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Rebeldia e Coragem

"O medo nos mantém abaixo
das nossa possibilidades."
                  Desamparo /Inês Pedrosa

Caminhando pela orla encontrei uma amiga de uma amiga minha, o que por si só nos credencia para sermos amigas também. Ambas estávamos sozinhas e dois minutos depois, instaladas num barzinho com "chopp em dobro"o papo rolava solto. Ela contou que viera no meio da semana para uma reunião extraordinária do condomínio pois precisavam eleger um síndico, porque o senhor que vinha na função infelizmente não poderia continuar.

Da pauta constavam, também, os consertos e manutenção que o prédio necessita.  Reunião iniciada e a coisa toda deslizou como em um trilho azeitado. Tudo já havia sido discutido  "já que vamos mexer o melhor é fazer tudo o que precisa, afinal temos de preservar o nosso patrimônio". Ela tentou argumentar que seria bom dividir as obras, parte este ano e parte no ano que vem. "A senhora não concorda que temos de zelar pelo que nos pertence?" Típica pergunta de resposta única pensou em argumentar que a questão não era essa, etc...mas desistiu. Fugia de "perguntas pegadinhas" porque não levam a nada e irritam pela má fé.

Urgente uma chamada de capital - chegou-se rapidamente aos valores do rateio - incorporados na próxima taxa do condomínio com base nos orçamentos apresentados.
Passou-se para a eleição do síndico e como não surgiu nenhum candidato a opção foi contratar um profissional. Apresentaram os  três orçamentos de praxe. Dois síndicos e uma síndica. Os valores cobrados variavam bastante e num primeiro momento aventou-se que o Conselho entrevistasse os três e decidisse pelo que melhor atenderia a demanda. Nesta altura da reunião minha amiga já estava em urticárias de ansiedade e queria sumir dali e ir pra praia e tomar uma cerveja gelada porque, por Deus, ela merecia! Sentiu que só estava ali para legitimar decisões das quais não tomara parte e para as quais não fora consultada.

Conversa vai conversa vem, um dos moradores - novo no condomínio - pediu a a palavra e, depois de entoar loas " às inquestionáveis qualidades e imensas capacidades das mulheres" - no assunto em questão achava que um homem seria a melhor escolha. Afinal, observou, será um ano de obras, de peões circulando pelo prédio, e uma mulher teria de lidar com possíveis desrespeitos e talvez até com assédios de natureza sexual.
A esposa, que entrara muda e sairia calada, permanecia de braço dado com o marido e manteve um sorriso congelado de Monalisa, do começo ao fim.  

E ela, a minha amiga, que viera especialmente para esta reunião e que achava que a sua opinião seria considerada, rebelou-se -  indignada - e disse que a mulher síndica queria trabalhar e que certamente saberia se defender sozinha. E que era de um machismo inaceitável não contratá-la por ser mulher. Sua argumentação caiu no vazio. Ninguém nem sequer a ouviu. Decidiu-se entrevistar um só candidato, engenheiro aposentado, que somaria às capacitações administrativas, o conhecimento (necessário?) de engenharia para o melhor desempenho dos trabalhos. Era o candidato que cobrava mais caro.

O síndico, perto dos noventa, já invisível porque deixara de ser útil, permaneceu calado com uma expressão divertida e minha amiga, numa epifania, percebeu três coisas - importantíssimas!

Primeira: O síndico ficou invisível por vontade própria! Na contramão da queixa comum dos que envelhecemos ele, mais velho ainda, usava em seu benefício a invisibilidade inevitável que a idade carrega.
Segunda: Ela reconheceu em si a rebeldia adormecida de onde tirou coragens para as decisões difíceis que a vida lhe impôs.
Terceira:  Se tivermos olhos para ver o que não é dito, uma simples reunião de condomínio pode ser uma aula sobre o comportamento humano.

Foram para casa, lado a lado. Ele assoviando um bolero antigo e ela feliz da vida porque  nunca tinha participado de uma reunião de condomínio tão proveitosa, poucas vezes aprendera tanto em tão pouco tempo.

Minha amiga - eu disse -  excelentes motivos para comemorar!
E ao garçom: mais dois chopps e uma porção de bolinhos de bacalhau, por gentileza.
Dia para guardar na memória.









segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

As Várias Faces Que A Beleza Tem.

"É muito bom falar com os outros
 Sim, mas só quando você fala e há alguém que responde."
                                                      A amiga Genial/pag.99
                                                                    Elena Ferrante"
                                                             
                                                   
                                                   

Dia desses li um texto do brilhante escritor português Valter Hugo Mãe onde ele faz um paralelo entre a feiura que se atribui e a beleza que enxerga num amigo e de como acontecem as coisas do amor para um e para outro. Por ser feio, lamenta, nunca é notado pelas mulheres. Porém, ao contar de si e falar de como sente, expõe uma alma tão plena de delicadezas e sensibilidades que faz com que a gente se apaixone instantaneamente. No entanto, o amigo "galinha" e rude está sempre envolvido com várias moças e as usa para lhe alimentar as vaidades.

Imediatamente lembrei de uma amiga que não vejo há tempo. Da última vez que soube dela estava fora, numa viagem sem data para voltar. Independente e desimpedida é dada a esses sumiços. É daquelas pessoas que quando dizem "que vontade de sumir" já estão com o pé na estrada. Depois de um tempo reaparece remoçada e chega - prenha de si se partilhando toda - e contando do que aprendeu, pois era essa a ideia, reabastecer-se para se repartir. Fico feliz quando ela chega - me considera e, generosa - me situa. Se colocando em si ela me coloca no prumo também. Sem filhos e sem grandes problemas, passa pela vida sem muito desgaste. Não sei a idade dela, mas é aquele tipo "que se cuida" e se trata bem. Não gosto de dizer - de pessoas - que estão conservadas, porque me vem à cabeça grandes vidros de pepinos e beterrabas cozidos em panelões, separados por panos de prato para evitar que se choquem e quebrem no movimento da fervura. Prontos, ficam expostos em prateleiras, garantida a conservância pelo vinagre, ingrediente indispensável da receita. Penso - de pessoas - que, ao se quererem bem, se cuidam, caminham em parques, leem bons livros, fazem exames de rotina sem muita neura e, mais que tudo, buscam e descobrem o que lhes faz bem. Não gosto da ideia de juntar vinagres à gentes. Prefiro os densos e curiosos, que procuram o entendimento de si  para entender seu entorno, mas sabem que - de ideias e sentimentos - é necessário dispensar as conservâncias porque tudo muda e tudo passa.

Pois essa amiga minha, ao chegar como uma lufada de ar fresco, vem com notícias frescas também.
"Vou casar" - ela diz, feliz! Pergunto, curiosa: Quem é o felizardo que vai reter você? E ela - pois saiba que ele ainda não sabe. Cuido das tratativas para o evento sozinha, mas a experiência e o bom senso me alertam que é melhor comunicar-lhe quando as certezas foram maiores do que as dúvidas. Como a conheço de vida toda entendo sua cautela porque já passamos por muita coisa juntas. Nos confortamos e e nos reabilitamos tantas vezes e em tantas situações, num déjà vu que se repete mais do que gostaríamos, que sinto que essa historia de um novo casamento tem todas as chances de não acontecer. Ela argumenta, e eu concordo, que as coisas do amor precisam ser de confiança infinita, de cuidadinhos atenciosos, trocas de gentilezas e claro, da alegria de estar junto.
Sexo, diz ela, acontece e é ótimo, mas sem aquelas urgências da mocidade.
E conclui, definitiva: quero um homem bom para trocar alegrias miúdas e, com sorte, raras felicidades de gala.

Sem dizer nada, lhe passo o texto citado acima "A indelicadeza bonita" e ela decide, taxativa: Vou me casar com ele! Ainda bem que o outro não sabia que estava meu noivo! E virando-se para mim: Viu como é bom não espalhar intenções antes de termos certezas absolutas?
Pergunto: A quais certezas, exatamente, você se refere?