sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A Receita


 "Gosto de cozinhar com vinho
    Às vezes, até coloco na comida."
                         Domínio Popular


             
Minha amiga, boa de garfo e melhor ainda nos misteres de forno e fogão, me convidou para jantar.
Disse que chamou mais duas amigas comuns e que seríamos quatro à mesa. Andava em dúvidas sobre como preparar um polvo e, sabedora de que me arrisco nessas coisas de frutos do mar, perguntou-me se eu tinha intimidade com o molusco. 

Tenho sim, disse a ela, quanto reúno um grupo de seis ou mais pessoas, preparo uma caldeirada e o polvo entra lindamente nela.
Perfeito, declarou, e me enviou uma receita com camarões, lulas, polvos, amêndoas e figos, um tiquinho de gengibre, redução de balsâmico e um pouco mais de cachaça para flambar que, pensei, com ou sem polvo, não tem como ficar ruim.

Acrescentou que já havia testado a referida receita e que, apesar de ter ficado muito boa, o polvo ficara borrachudo. Ciosa da importância que ela - que cozinha muito melhor do que eu - credita aos meus conhecimentos em lidar com polvos, afirmei, deixa comigo!

O polvo tem o tempo do cozimento de uma batata. 
Dica recebida de um pescador no Mercado de Floripa, fruto da lida, da prática, do precioso saber oral que passa de geração em geração eu, previdente, coloquei uma batata na bolsa e fui.

Ao chegar, ela pergunta se eu havia lido a receita. Sim, respondi, e você assistiu o vídeo? Não, disse, acho esses vídeos de "como fazer" muito chatos, têm muitos floreios, muita informação desnecessária.
Então, disse ela, senta aqui que vamos assistir o vídeo juntas.
Então, tá!
Os temperos eram colocados no fundo da panela e o polvo, tentáculos amarrados em nó, ficava esparramado sobre uma peneira sem cabo, emborcada, para separar um dos outros.
Quarenta minutos de fogo.

Agora, deixa comigo.
Vá atender as amigas que estão chegando e esqueça do polvo. Ele está em boas mãos.
Assim que ela se distraiu, desmontei o arranjo que separava o polvo dos seus temperos, coloquei a batata na panela, deixei uns oito minutos de pressão, abri a panela, retirei o polvo - no ponto - e descartei a batata porque o prato seria montado com massa.
Na caldeirada, a batata cozida e esmagada serve para encorpar o prato.

Enquanto isso, a sua fiel escudeira selava camarões graúdos, filetava pimentões, escolhia as mais tenras folhas da salada e ela, a minha amiga, providenciava taças e abria um Torrantés gelado e brindamos à vida, à amizade, à alegria do desfrute da boa mesa, do bom vinho, das ótimas companhias.
Foi uma noite de muita felicidade.
                                                     
Para Elci Dolores, amiga atemporal, dona da casa, do polvo e de todo o resto.