segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Feliz Natal!

Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa 
É de quem vier, quem quiser!
                             "Tá na Globo!"

Dia desses dei de presente umas abraçadeiras de borracha que se adaptam às variadas circunferências das latinhas e garrafas de bebidas long neck.  Práticas e de empunhadura firme conservam a bebida gelada. A borracha é um produto fascinante! Ultrapassa, com folga, as mil utilidades do Bombril. Não enferruja e é aconchegante ao toque. Amortece choques e volta à forma original quando em descanso.
 
Nesses tempos de natal e fim de ano, quando desejamos felicidades, saúdes, compaixões generalizadas, amor e paz e alegria e prosperidade e boa vontade, quando renovamos os votos de esperança e sonhamos com mais justiça, quando enaltecemos a Família como em nenhuma outra data do ano - a Santa e a nossa - me parece que nos colocamos à margem dos votos que formulamos. Mantemos uma distância asséptica e segura, compramos presentes, enfeitamos a casa, preparamos ceias fartas. Cumprimos o rito. E ficamos exauridos.

Do amor de que se fala muito e se pratica pouco, que falta no mundo e de que carecemos nós, penso que seria mais fácil viver se fôssemos como as abraçadeiras de borracha de que falei acima.
Adaptáveis às circunstâncias e às exigências do cotidiano, esta capacidade seria utilíssima nesses dias de festas natalinas.

Sendo "borracha" entenderemos o privilégio que é poder financiar, preparar ou, melhor ainda, participar de uma mesa natalina farta de comida, plena de brindes, de votos de esperança, de sonhos a viver, de vida a acontecer.

E nos lembraremos dos primeiros dia de escola quando o material escolar consistia de caderno, lápis e borracha e a gente apagava os erros, os enganos, os mal entendidos, os equívocos e a folha voltava a ficar em branco e a gente ouvia atentamente, refazia o escrito e acabava acertando. Com a prática, aprendíamos a escrever com mais leveza e a folha ficava com menos marcas do apagado.
A borracha gastava um pouco, mas nunca perdia a forma.

Feliz Natal e Próspero Ano Novo a todos nós!
Tim Tim!!























quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A Porta Amarela

 "Louvado seja Deus que não sou bom,
   E tenho o egoísmo natural das flores
   E dos rios que seguem o seu caminho
   Preocupados sem o saber
   Só com florir e ir correndo
   É essa a única missão no Mundo,
   Essa - existir claramente
   E saber faze-lo sem pensar nisso."
                 Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa)

A porta do banheiro da nossa casa era amarela. Meu pai repetia como um mantra, antes de irmos dormir  " passou pela porta amarela?"
Ao abrir a janela do banheiro dávamos de cara com a cisterna instalada junto à parede. Ele mandou construí-la para recolher água da chuva. Entendia que a água era um bem precioso e que devíamos aprender a poupá-la. Eu tinha uns 12 anos quando ela ficou pronta e não achava estranho o fato de termos uma cisterna onde um cascudo - peixe de água doce - tinha a função de manter o reservatório limpo de limo e de insetos. A água coletada era usada para molhar flores e grama, lavar calçadas, umedecer as roupas que alvejavam ao sol.
Era cheia de engenharias, a nossa cisterna. A toneira era rosqueada para permitir o engate da mangueira e, quando chovia muito, a calha instalada no alto do tanque expelia, na calçada, o excesso de água captada pelas calhas do telhado. Ainda lembro do murmurio da água, nas noites de chuva branda que eu ouvia como fosse uma canção de ninar. Deve ser por isso que o barulho da água mansa me faz dormir até hoje.

No prateleira do banheiro ficou guardado, durante anos, um litro de vidro alto e fino, com tampa inoxidável e cheia de retorcidos que me deixava fascinada. Continha um excelente azeite português, presente da minha avó, mãe de meu pai, portuguesa chegada à azeites e bacalhaus e que nunca soube que ele, embora gostasse de peixe, não suportava do azeite e do bacalhau nem o cheiro. Isso não o impedia de, ao chegarmos na casa dela, nas visitas das férias de julho, repetir o bacalhau feito em sua homenagem. Dizia que que a mãe da gente não deve saber que não gostamos de algo que ela nos prepara...

Aquele litro de azeite, nunca consumido, desapareceu depois de muito tempo e lembrei dele porque sempre achei normalíssimo ter um litro de azeite no banheiro e uma cisterna com peixe na casa em que morei até adulta.


Assim como "O Inferno São Os Outros" da fala de Sartre, "Os Esquisitos Nunca Somos Nós"
Os costumes e os hábitos que trazemos de casa e que estão amalgamados n`alma nos inserem e  identificam. Penso que seja esta a função da família. Somos da mesma tribo.

Fora a adolescência - parênteses em que tudo o que queremos é ser igual - todo o antes, da infância e o longo (com sorte) depois, da idade adulta - o que  buscamos é o nosso lugar no mundo que não é, e não deve ser, o lugar e nem o sentir de mais ninguém.
Se toparmos, na jornada, com alguém com quem fizermos uma liga rara de entendimento e troca  que dispense palavras, então será como acertar na loteria todos os dias.

Desejo a todos um Natal de percepções particulares e que delas brotem generosidade, entendimento e respeito a tudo o que não lhes for familiar e de identificação instantânea.
Abrir olhar e coração para o diferente é muito enriquecedor porque aprendemos outros jeitos de  viver e de estar no mundo. O resultado é que aprendemos mais de nós.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O Show Que Nos Tirou do Chão

"Tem um aviso na porta do meu coração:
  Quem não canta conforme o ritmo da casa,
  Não perca tempo tocando a campainha."
                               Maria Bethânia


Hoje é dia de ressacas porque, depois do esforço, do estresse, dos ensaios repetidos à exaustão acordamos com o som do celular a nos anunciar as repercussões da apresentação que a "nossa "  -  pronome possessivo que nos insere e acolhe - Paideia Escola de Música - já tornou um clássico de final de ano. Regentes e cantores, instrumentistas, organizadores, técnicos, todos aprendizes dessa maravilhosa expressão que desmancha fronteiras e desmantela preconceitos -Ela, A Arte - em todas as sua manifestações, é o que nos redime e nos alforria da dureza do dia a dia. E  nos humaniza e enriquece.

Tempos duros são propícios às artes. Ouso acreditar que as civilizações persistem por causa das criações artísticas que reagem ao bruto, ao escuro. Individualmente é essencial resgatar o sentimento particular  da emoção. É ela que nos permite entender quem somos, o que queremos e o que nos impulsiona, nos impele a prosseguir. A emoção, esta moça que anda de mãos dadas com a ilusão é necessária como o ar que respiramos.

Nosso Grupo Vocal - o Tempo Certo - apresentou duas músicas: a primeira, da grande sambista Dona Ivone  Lara fala sobra a força da imaginação - a que vai lá, chega lá ... e que concede a oportunidade a quem canta e a quem ouve de imaginar o que quiser e lhe fizer bem.
Imagino Dona Ivone entrando no céu e pedindo licença a São Pedro  que lhe responde: entra Ivone, você não precisa pedir licença...
Peço licença eu, ao querido Manuel Bandeira que, suponho, não se importaria com a troca de sua Irene pela nossa Ivone. Quero crer que Ivone tem o aval dele, também. E, como a imaginação me permite, penso que os três, junto a São Pedro, estejam versejando e cantando.

A segunda música que cantamos é a resposta bem humorada de Lenine ao Zeca Pagodinho e a sua clássica Deixo a Vida Me Levar.  Com o tema de Quem leva a Vida Sou Eu o artista complementa
o argumento do colega e fecha a questão.

A mistura da disposição dos dois é o que nos permite ir administrando, escolhendo e ir tocando a vida e seguir em frente, enfim...mas aí já tangemos as artes de Renato Teixeira... fica a dica....

E somos gratos, todos nós, os envolvidos, ao" respeitável público", que nos prestigia e aplaude!





segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Sacola

"Um sorriso pleno, um amor sereno,
  E tudo que o tempo me der."
                                  Lenine

                                       


Ele chegou todo riso e lhe entregou um pacote e disse é pra você!
Ela tirou da sacola e não disse - não precisava

Um bilhete um bombom um chapéu de camelô são  miudezas felizes
que deixam mulher contente porque contam de quem dá.

E enchem de relevância o modo como são vistas
Por isso que a camisola - a que estava na sacola  - agradou tanto a mulher

Lembrou doutra que ganhara depois de um parto no inverno, que foi útil, era quentinha,
rosadinha, de pelúcia

e casta como são as mães e as virgens.

E se não as separassem esta é a de casar, essa me dá tesão, se vissem em uma só o tudo que têm para dar, porque mulher é assim, quando sente a mais valia se multiplica em milhão

Nas coisas do dia a dia ela tem tempo pra tudo quando se sabe importante,
mesmo que o resultado demore muito - ou não venha - se foi bem bem feito tá pago.

E os massacres do dia a dia ficariam para trás assim que o sol fosse embora.

Porque mulher acolhida, bem amada bem querida mostra querer e amor ao amor de sua vida.
Abra um vinho, ligue o som, a convide pra dançar, abuse de um bom bolero e desligue o celular.

Se tiver recurso ou ela, não importa de onde venha, organize uma viagem, olhar o mundo é tão bom!
Viajem juntos, portanto, em casa e em destinos...
Garanto que as rotinas, as que massacram o amor cumprirão sua função:

Existem para que - se atente e se construa - o que faz  felicidade.

  

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Qual é a Sua Opinião?

Nem tudo o que é novo é bom porque é novo
E nem tudo que é velho é ruim porque é velho.
                                                   Ditado Popular

Quando eu tinha uns 12/13 anos havia, na escola, a época dos questionários. Sazonal como as estações, gosto de acreditar que surgia com a primavera porque, com as flores, nos ajudava a desabrochar para a vida. Em um caderno comum fazíamos umas 15/ 20 perguntas que eram respondidas pelos colegas. Os da sala e os das outras séries do colégio. Iniciativa feminina, o foco era saber das preferências dos meninos. Os questionários serviam de passaporte para os afetos, possibilitavam as primeiras paixonites, nos jogavam no inferno das profundas desilusões amorosas.

Levávamos o caderno pra casa e no outro dia devolvíamos, respondido. As perguntas eram inocentes como preferência de cor, de filmes, de comidas, esportes, quais os livros que gostava, o que desejava para o futuro e as mais pessoais, se estava gamado (a) por  alguém, se podia dizer por quem e, a última e mais eletrizante  era  "já beijou alguém, pode dizer quem? "
Como sempre, os adolescentes mais populares eram os mais requisitados e tinha os que nunca eram convidados a responder o questionário de ninguém, um bullying que fazia um estrago danado na auto estima da gente.

Lembrei disso porque perguntei a uma pessoa muito, muito próxima a sua opinião sobre o que faz uma pessoa querer ficar com a outra. A resposta me surpreendeu profundamente. O que me fez perceber o quanto projetamos no outro as nossas convicções. Estranhei a resposta porque supus que ela viria alinhada com os meus próprios conceitos. Entendi mais de mim do que dela que, afinal, foi coerente. E compreendi que podemos passar a vida inteira juntos, sem conhecer as pessoas com quem convivemos.

Nesses tempos em que somos bombardeados noite e dia por milhares de informações contraditórias, em que  temos opiniões muitas vezes ferozes sobre tudo - e todo mundo grita e ninguém escuta - penso que o velho questionário tinha uma característica revolucionária. Aprendíamos a perguntar e nos interessava a opinião dos colegas. No exercício da pergunta, praticávamos a resposta, descobríamos o que nos importava e aprendíamos a construir o adulto que viríamos a ser.

Eram as meninas que faziam o jogo andar e se não tivéssemos abandonado a prática do questionário, nós, mulheres, evitaríamos sofrimentos e dissabores em todos os tipos de relações que iniciamos - e terminamos - pela vida. Deveríamos ter mantido o hábito de perguntar e de responder, num passo a passo contínuo que nos manteria próximas de nós.
Qual a sua opinião sobre comprometimento?
E o que você considera que seja traição ?
E de lealdade, o que você pensa?
Como você acredita que se constrói confiança?

Atualizando as respostas de velhas perguntas e atentas as novas questões que surgem o tempo todo, teríamos mais discernimento para ficar - ou sair -  de acordo com o que somos. Nos conhecendo não nos confundiríamos com ninguém. Seria mais fácil e muito melhor para todos.
E caberia  a mais importante e menos lembrada, a mais desprezada das perguntas:
Quais são os seus sonhos? O que você tem feito  para torná-los realidade?

O bom disso tudo é que sempre é tempo de começar....








terça-feira, 23 de outubro de 2018

Errei o Doce

   "Classifico as pessoas em três tipos:
1 - Não deixaria chegar perto da minha comida
2 - Dividiria minha comida
3 - Cozinharia pra você."


Me estranho com as panelas, antes tão perto, centrais
Será  que as uso pouco, já não são fundamentais?
No entanto tenho certeza de que ao redor da mesa
Com diletos comensais somos felizes, iguais

Por isso, no meu caminho, o que abro a cada dia
Penso que não dispenso mesa em boa companhia

Porém, nem sempre é preciso que eu pilote o fogão.

Mil Babetes da alquimia com temperos raros distintos
Fazem festas diferentes no perfume cor sabor
Com antigos rituais num passo a passo apurado
Partilham com toda a gente seu carinho seu valor

Afastei-me delas, verdade, quando a demanda acabou
Mas isso não quer dizer que mudei completamente
Qualquer hora as retomo e cozinho bem contente!

Porque as coisas de mesa são de importância vital
Foi o que fez Jesus Cristo na sua hora final
Convocou os seus discípulos pra Ceia Santa - Universal.



quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A Fábrica de Encantamento

 "Força da imaginação vai lá
   Além dos pés e do chão chega lá
   O que a mão ainda não toca
   Coração um dia alcança 
   Força da imaginação..."
                     Dona Ivone Lara



Entrava na cozinha e disparava, às costas da mãe na lida do almoço "mas o meu vestido vai ficar todo sujo." A menina, 4/5 anos que declarava convicta, "quando eu crescer, vou ser cozinheira e noiva" se angustiava com o fato de que cozinhar vestida de noiva não seria fácil. E sacudia Barbies descabeladas, uma em cada mão. A mãe respondia, nem se preocupe, mando fazer um avental bem grandão pra você. Tempo mágico em que as mães sabem todas as respostas, a menina abria um sorriso largo e se mandava satisfeita, como somos nas vezes em que nada impede o que nos impele. Mais tarde, com 8 ou 9 anos o desejo era ser a "sinhazinha de sombrinha"  das festas juninas do colégio e a mãe, sem nenhum talento nas políticas de angariar votos para eleger a filha, frustrou o desejo dela.
Adulta e bem resolvida nas coisas do coração, toca a vida independente e auto suficiente nas praticidades do dia a dia.

Eis que aparece um concurso promovido pelo ARTHA Atelier de Curitiba que, para marcar os dez anos no ofício de interpretar desejos, quis saber porque a pessoa desejava se vestir de noiva.  Aberto a todos, a  única exigência era  que fosse uma boa história. Para isso, as pessoas interessadas deveriam escrever sobre o motivo que as faziam participar do concurso. O prêmio era desfilar com um modelo exclusivo, que levaria o nome de cada uma, e faria parte da nova coleção do atelier.
O Gran Finale seria um desfile do grupo vencedor.
A seleção seria de uma curadoria composta por expertises no assunto.
As dez histórias vencedoras foram publicadas e todas eram bonitas, algumas comoventes.
A moça do sonho infantil contou a história do vestido com avental e foi selecionada.
A Festa do lançamento dos modelos da nova coleção foi terça feira, dia 16/10 no Ca'dore Comida Descomplicada, em Curitiba,
A chuva impiedosa desse mês de outubro colaborou com a festa o com o sonho.
Cedeu - na última hora - o que permitiu o desfile à céu aberto. Generosa, a lua - eterna cúmplice de boas histórias e de finais felizes - apareceu, tímida, e deu uma espiada na festa.

Parabéns à Mariana Basseti e equipe porque procura - e consegue - agregar talento e generosidade nesse ofício maravilhoso de fabricar encantamento.

Foi um show!

Foto: Carol Ritzmann.


domingo, 30 de setembro de 2018

Versos Soltos




Se ele fosse até o Peru e me mandasse dinheiro
Para eu ir a Machu Picchu bem no alto de um camelo?

E se eu ficasse modelo de anunciar margarina
Largaria da manteiga tão presente na rotina?

E se eu estivesse só toda plena dos meus eus
Deixaria que ele entrasse bagunçando o que é meu?

E se eu saísse pra rua e o céu anunciasse chuva
Iria do mesmo jeito sem pegar nem uma blusa?

E se eu dispensasse o carro para andar de bicicleta
Desistia de ir mais longe pra ficar na linha reta?

E se um dia ele voltasse como não tivesse ido
Deixaria que ele entrasse revolvendo o conseguido?

A questão é a seguinte, quanto vale o meu querer?
O meu querer tem o preço que só eu posso saber.

E porque hoje é domingo dia bom de versejar
Aproveito o meu tempo pra aprender a perguntar.







terça-feira, 25 de setembro de 2018

Minha Amiga Me Ligou!

"Aprendi  com as primaveras a deixar-me
   cortar e a voltar sempre inteira."
                               Cecília Meireles


A semana começou animada! Dois eventos parecidos à partir da terça feira. O primeiro foi a festa de apresentação das madrinhas de um Clube de Serviço Internacional, tradicionalíssimo. A função delas era somar esforços para a arrecadação de fundos para as campanhas sociais do Clube. A atual pretende custear exames e óculos às crianças carentes de visão e de recursos. Minha amiga era uma delas e convidou-nos para acompanhá-la.

Fomos recebidas com espumante e fotógrafos.Toalhas brancas e flores frescas antecipavam a primavera e conferiam cor e beleza ao salão do evento. Estandes exibiam produtos do forte comércio da região e atraiam o olhar como um imã. Jovens modelos apresentaram um desfile com a moda primavera/verão e a dúvida era saber se as moças ornavam as roupas ou se as roupas ornavam as moças. Um grupo de folclore russo apresentou um show de danças típicas. Os trajes, um espetáculo à parte.

Depois desfilaram as madrinhas! Um ajuste no olhar me permitiu enxergar a graça, a alegria tímida daquelas mulheres que tiveram poucas ocasiões de desfilar.. Minha amiga não deixou por menos. Adentrou a passarela de vestido pink curto e esvoaçante e, com um sorriso incandescente ofuscou os mil brilhos do  Stiletto que exibia com competência. O sorriso, de orelha a orelha, ofuscou o sapato!
Ela - só alegria - mandava o recado: Olha eu, estou aqui!
Lanche farto e esmerado fechou o evento.

No outro dia, outro lanche, também beneficente,  mais descontraído, num Hotel à beira do mar da Penha, outra praia linda no litoral de S.C. "abençoado por Deus e bonito por natureza."
Saímos cedo para aproveitar a tarde inteira. Nos perdemos assim que chegamos! Minha amiga sabia que o hotel tinha pedra no nome e decidimos perguntar, não sem antes criticar "os homens que morrem, mas não perguntam".

No primeiro lugar em que paramos perguntamos a um morador se sabia onde era o" Hotel Recanto das Pedras"  ao que ele prontamente respondeu, Passei lá de manhã ! Vocês tem que voltar e seguir toda a vida, toda a vida e lá adiante se informar de novo. Depois de uns 8 Km, o GPS deu sinal de vida e nos levou até a Pousada Recanto das Pedras, fechada, parece que não funciona no inverno. Retornamos para a rua principal e uma moradora nos informou que  o Hotel "Pedra da Ilha" ficava logo depois do "Alírio", é só quebrar a esquerda. e ir reto toda a vida, toda a vida que chegaríamos lá. Não nos ocorreu perguntar o que/quem era o Alírio e seguimos adiante. Paramos de novo e perguntamos a dois rapazes se sabiam do Hotel Ilha de Pedra que tem suítes temáticas, tipo da África, do Havaí, e que ficava depois do Olímpio. Os rapazes nos olharam como se estivéssemos loucas e  hã?  A gente não sabe.

Não encontramos o Alírio nem o Olímpio e nem o Hotel .Acertadamente concluímos que perguntar nem sempre dá certo, ainda mais quando não se tem certeza do que se pergunta. Eis que surge um Posto da Polícia Militar à direita!  Minha amiga desceu do carro e, maltratando o salto agulha  na brita que cobria o patio voltou com o policial que nos informou:
O  Hotel " Pedra da Ilha" fica há uns 8 km em linha reta. Agradecemos  e seguimos. Depois de uns  quatro km o  GPS  ressuscitou e nos informou que estávamos a cinco km do destino e nos orientou até o fim. Estacionamos, aliviadíssimas! O gerente saiu do Hotel e nos avisou que o estacionamento reservado ao evento era o segundo, à partir daquele. Erramos a entrada. Coisa pouca, corrigida no ato.

O lanche estava em plena ebulição! Chegamos na hora do café, farto como sempre, e participamos do sorteio de brindes. Ganhei uma roupinha de bebê, que dei pra ela cujo neto está para chegar ainda neste setembro. Benvindo, menino! Você terá uma avó que, no fim das contas, acerta os caminhos... A gente avança e às vezes recua, em tantas retorna e refaz a rota, em muitas se perde e, nesse vai e vem, acaba chegando. Que chato seria viver em linha reta, sem ter a experiência de ver melhor e de sentir diferente a mesma trilha...

Ela acabou de me ligar. Avisou que tem jantar amanhã  na casa de outra amiga, sabe aquela, que mora naquela rua que tem uma árvore bem grande em frente ao prédio?
Vamos de uber, só falta saber o nome da rua e o número do prédio.
A responsabilidade de seguir reto, reto, toda a vida, é do motorista...


sábado, 15 de setembro de 2018

Encantamentos Possíveis

"Batidas na porta da frente, é o tempo
  Eu bebo um pouquinho pra ter argumento"
                                                  Nana Caymmi
                                           
Li um texto, creditado ao jornalista Alexandre Garcia, em que ele conta do encantamento que sentiu
quando, menino, viajou de avião pela primeira vez. Falou da emoção da decolagem e de como ficou maravilhado no momento em que, atravessadas as nuvens, o sol surgiu no horizonte. Depois de centenas de voos e muitos anos passados, só o que ele queria era descer do avião o mais rápido possível. Nunca mais sentou na janela ou olhou por ela. Não queria perder tempo e levantava assim que o desembarque era permitido. Contou que, num último voo de Curitiba para São Paulo - sexta - feira, - ficou com o único assento vago, atrás, na janela. Tarde chuvosa e, passadas as nuvens, o céu surgiu azul e o sol, quase se pondo, lhe trouxe à lembrança o menino que tinha sido e reviveu o mesmo encantamento do  primeiro voo. O texto continua com reflexões sobre como ele vem levando a vida...

Lembrei de Manoel de Barros, o poeta  que mistura o olho que vê com o olho da alma e, como nenhum outro, fala da imensidão das coisas pequenas, dos encantamentos possíveis no corriqueiro dos dias. Gostei do texto porque ando atenta "às alegrias pequenas" que acontecem várias vezes num mesmo dia. É uma decisão racional. Sei de mim e faço o que estiver ao meu alcance para ter um bom dia. Como aprendi que muita coisa não é da minha conta, consigo me situar nas bordas do que não me cabe. Resisto a dar a opinião que não me foi solicitada. Requer treino, exige atenção, mas se torna um hábito, um costume bom.

Moro na praia e me concedo a alegria de olhar o mar, todos os dias. Desde criança sou fascinada pelo mar. Morar sozinha é novidade em minha vida e, de repente, fiquei disponível pra mim. Tem sido compensador.

Aprendi que o tempo não é posse. Não "perdemos " e nem "ganhamos" tempo. Passamos por ele e vamos mudando e nos ajeitando e abrindo caminhos como água entre obstáculos..
Nos moldando, fluímos...
De nosso, mesmo, só temos as decisões tomadas e suas incontornáveis consequências - sempre - dentro dos limites das escolhas possíveis.
A vida acontece nas brechas, nas sobras, em tudo que -  equivocados - pensamos ser "perda de tempo".

Mas sempre é nossa a decisão de escolher como lidar com os fatos.











quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Mulher e Violência.

"Não tiro ninguém da minha vida
  Eu apenas reorganizo as posições e inverto as prioridades."
                                                             Cecília Meireles
                                                           

Tinha uns sete anos quando fomos à Blumenau, meus pais e eu, no meio da semana. Faltei à escola sem estar doente. Não me disseram o que íamos fazer lá e nem me interessava saber. Sentada atrás, eu escorregava de lá prá cá no banco todinho meu. Quem tem irmãos sabe o isso significa. Eu estava feliz da vida!

Chegamos perto do meio dia, passamos na casa da filha de um vizinho nosso e fomos todos almoçar na churrascaria da família. Ela tinha dois filhos pequenos, mais novos do que eu. O marido havia ido mais cedo. Nos recebeu bem e desculpou-se, brincando, que ele "não estava no horário de almoço."  Fazia pouco tempo que tinham comprado o restaurante e ele recebia a clientela. Ainda brincou que "o gado cresce com o olho do dono" e foi trabalhar.
Tenho viva lembrança das cadeiras com assento de palha e das mesas com toalhas brancas. Da luz do sol entrando pelas janelas altas de esquadria de madeira.
Lembro do guaraná que ganhei só pra mim. Eu estava me "achando". As duas crianças permaneciam caladas, olhar baixo. Terminada a refeição nos despedimos do proprietário e fomos embora.

Sentei na frente, entre os meus pais, naqueles bancos inteiros que tinham os carros daquele tempo. Acho que era um Oldsmobile, grandalhão e bege. A moça e as crianças acomodaram-se atrás. Não os deixamos em casa porém, seguiram conosco na volta. Ninguém falava muito. Estávamos no meio do trajeto quando desabou um toró que não nos permitiu continuar. Pernoitamos num hotel de uma cidadezinha perto da rodovia. Me ocorre agora que não tínhamos bagagem, nenhuma sacola com uma muda de roupa. Eram tempos de estrada estreita, sem asfalto e ladeando o rio. Ainda hoje é assim. Apesar de asfaltada, a BR 470 não é duplicada e exige muita atenção do motorista.
De manhã seguimos. Deixamos a moça e os filhos na casa dos pais e fomos para a nossa. Lembro bem do casal, escondendo lágrimas e agradecendo muito. Eram contidas e escondiam emoções as pessoas daquela época. Ainda se educava meninos dizendo que " homem não chora." Chora sim, e deve! Mas isso é tema para outra hora.

Conto isso porque o que fomos fazer em Blumenau foi, a pedido do nosso vizinho, buscar sua  filha e  netos porque ele não poderia ir.  O genro, dono do restaurante, marido da moça e pai dos filhos dela era um homem violento e batia nela porque achava que podia e pronto.
Meu pai era uma pessoa que não se metia na vida de ninguém mas, quando o amigo pediu, ele não teve dúvidas do que precisava fazer. O marido não podia desconfiar de nada, senão todos nós estaríamos em perigo. Andava armado o homem violento. Daí o plano de nos levar junto, minha mãe e eu.
Esta história tem mais de 50 anos e pouca coisa mudou, infelizmente. A mulher que sofre este tipo de abuso tem que se sentir amparada para ter coragem. Pelo Estado, pela família, pelos amigos, pelos vizinhos.
É, sim, assunto nosso, de toda a sociedade.
Existem situações em que, estando ao nosso alcance, precisamos "meter a colher em briga de marido e mulher". 














domingo, 29 de julho de 2018

Vinte Minutos

"A maior riqueza do homem é sua incomplitude.
  Nesse ponto sou abastado."
                                          Manoel de Barros

A moça que conheço foi embora.

Deixou coisas, status e o endereço
Despojou-se, a moça por quem tenho apreço.
Revirou baús, recuperou as pernas, abriu a porta
E com elas partiu, meio bambas, um pouco tortas.

Passados os dias de organizar as coisas de teto e pão, adentrou-se para reavaliar os afetos que continha.
Estavam todos ali, os importantes.
O riso e os olhos e o todo inteiro de cada filho amado, a neta querida, os amigos indispensáveis como a luz do sol.

Tempo de relocar os sentimentos porque as emoções perdidas de seu rumo e de seu destino precisam ser refletidas e expurgadas, senão continuam no mesmo lugar, do mesmo tamanho, a ferir com a mesma dor. É um processo lento que pede tempo, mas tem foco e razão.
Sabia - a moça que conheço e por quem tenho apreço - que sair de lá era coisa de um passo de cada vez e que exigia cuidado para não perder o prumo. E foi soltando - de camada em camada - as cascas que a protegiam e, ao mesmo tempo, lhe tolhiam movimentos e horizontes.
Descascou como uma cebola.
Sentiu abandono, medo e desamparo quando se viu desnuda. Saiu do casulo, a moça que eu conheço.

Encontrei-a, dia desses, se alongando nessas barras que as prefeituras colocam em praças e parques  para uso de quem queira. Alinhada e alegre, aproveitava o sol.
Feliz de encontrá-la a convidei para um café.
Me confidenciou que quando chegou, na confusão generalizada das muitas gentes ocupando todos os espaços e disputando sóis, deixou - se levar de roldão na multidão.

A alertaram, mais de uma vez, que passada a muvuca se veria só, frente a si mesma e sem escudo.

Finda a confusão e a barulheira, abriu a porta e se olhou no espelho.
E me contou, olho no olho, que precisou de vinte minutos para acostumar.
Ouvi tudo sem apartar, sem interromper.
E entendi o tempo gasto que precisou.

Vinte minutos não tem a urgência que tem os quinze, e nem tampouco o alongado da meia  hora.
Vinte minutos é complacente, é compreensivo. Cabe três vezes na hora inteira, é um bom tempo.
De vinte em vinte, este é o segredo para mudar, seguir adiante, perder o medo.











quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Estacionamento do Shopping

"Solidariedade é horizontal, respeita a outra pessoa e aprende com o outro.
   A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas"
                                                                               Eduardo  Galeano



Tenho uma amiga que, quando lê um texto meu, pergunta se o que escrevi é verdade ou invenção.
Brinco com ela que "quem conta um conto aumenta um ponto."
Mas hoje vou contar um fato que pode ser confirmado por testemunha idônea, Antônia, minha neta.
Sabemos que netos são filhos açucarados mas que, como eles, são implacáveis e, ao ouvir uma versão um pouco exagerada de alguma história, desmentem a gente, na lata, sem dó. Comigo acontece, às vezes, porque empolgada com o caso que estou contando me inclino a dar uma versão mais interessante para conferir graça à narrativa. Hoje não preciso inventar nada.
Aconteceu o seguinte:

Ontem fomos, ela e eu, ao Shopping Balneário e, de cara, entrei no estacionamento na contra mão. Procurava uma vaga de Idoso. Ajeitei o rumo assim que consegui e continuei a busca, pressionada por um veículo enorme grudadão em mim. Desisti da vaga que me cabe e estacionei entre duas colunas largas, uma à frente e outra atrás do carro. Era noite quando saímos e o estacionamento estava cheio neste julho de férias escolares. Quando chegamos no lugar em que deixara o meu carro vi que ele estava preso, não tinha como sair da vaga. Estava no meio de quatro veículos e os carros formavam o desenho do cinco, do dominó. O meu carro era a bolinha do meio. O espaço onde estacionei não era uma vaga, mas um lugar do tamanho de uma, pequena, que não pode ser usado. Porque parei ali? Não sei, é óbvio que havia pelo menos outra no entorno, maior e mais fácil de usar.

E agora? O que faço? Entro no Shopping e peço para anunciarem as placas convocando os proprietários para liberar a minha saída?  Penso que não fariam isso. Antônia ria de mim sem compaixão.
Sabe o que aconteceu? Uma família veio em nossa direção e o meu coração se encheu de esperança!
Eram os proprietários de um dos quatro carros. No estacionamento enorme e cheio, as pessoas que estavam partindo eram justamente as que me liberariam a saída. A vaga aberta por eles era de trás e eu teria que sair de ré, o que me dava pouco espaço de manobra por causa das colunas largas. O motorista deu uma olhada no espaço que surgiu e comentou que, "com jeitinho, a senhora sai sem problemas." E foram embora.

Nunca ganhei na loteria mas imagino que a alegria deve ser parecida com o que senti.
Ainda estava manobrando quando eles voltaram. O motorista desceu e me orientou até que consegui sair sem bater nas colunas e nos outros três veículos que continuavam estacionados.
Fiquei profundamente grata àquelas pessoas desconhecidas que, percebendo que seria bem difícil sair dali, decidiram voltar só para me ajudar.



sexta-feira, 29 de junho de 2018

"Olha pro céu, meu amor!" Luiz Gonzaga.

"De cada dia arrancar das coisas uma modesta alegria;
  em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã"
                                                                              Caio Fernando Abreu


O convite para a festa junina chegou em cima da hora pelo WhatsApp.  "Traje típico obrigatório.
Passo aí às 19:00 h". Convite recebido, convite aceito, mas como resolver o problema do traje, assim, quase em cima da hora? Resolveu ir de homem. Sempre se ajeita um paletó, camisa xadrez, uma barba e bigode. Comprou o chapéu de palha por 5,99 no 1,99 mais próximo, acomodou uma almofada sob e camisa e foi. É  mais fácil ser homem, também, nas coisas do trajar.  Fez sucesso! Tanto que, passados alguns dias, um dos presentes na dita festa, convocou-a para ser o " noivo" na festa que organizava. Caprichou! Arrumou gravata e calça de risca de giz, comprou as alianças que, precavida, recuperou no fim da festa para incorporar ao " acervo de itens juninos" .Nada de ser pega de surpresa e ter que se produzir a partir do zero. Vai que surjam mais convites!

 De festas juninas, lembro das de São João, padroeiro da  minha cidade natal  que era um evento de grandes proporções. Movimentava a cidade inteira e as outras no seu entorno. Funcionava assim:  casais de festeiros eram convocados pelo padre para fazer a novena com bingo e ajantarado caprichado. Lembro do churrasco, servido numa placa de funilha, acompanhado de pão e maionese que fazia um sucesso danado. E a galinha com polenta?  O pirão com linguiça? Que bom que era! O dinheiro arrecadado iria se juntar ao resultado das rifas que agitavam a cidade. Todo mundo comprava. O primeiro prêmio era um automóvel 0 KM. A novena terminava um dia antes da festa. Meia-noite do dia 23 era acesa a enorme fogueira e a honra de  riscar o fósforo era de quem a arrematasse  "num quem dá mais" aguerrido!
Meu pai nos acordava, a mim e meu irmão que, rostos grudados na janela do quarto víamos o clarão da fogueira que iluminava tudo.

Finalmente, no dia 24 a festa acontecia nas muitas barraquinhas montadas no pátio da igreja e no terreno do colégio dos padres. Tinha de tudo! Lembro que ganhávamos roupa de festa em três ocasiões: Natal, Páscoa e São João. Quem foi menina naquela época certamente lembra da saia plissada e do conjuntinho de Ban Lon que todas ganhamos para fazer bonito numa Festa de São João.

Não sei como são as festas agora. Mudou muita coisa de lá pra cá.
Rifas são proibidas, mas sempre dá pra organizar uma "Ação entre Amigos." 
O conjuntinho virou Twin Set e Ban Lon  é poliéster ou similares.
Funilha não mudou de nome. Deixou de existir.
Fogueiras daquele porte não são mais bem vistas.
Quem souber me conte!





sexta-feira, 15 de junho de 2018

O Brasileiro e o Futebol

"O que nos une é maior
do que o que nos separa"
                Papa Francisco


Recebi um vídeo em que o ex-primeiro ministro de Portugal, Pedro Santana Lopes é interrompido, em uma entrevista ao vivo, para o canal exibir a chegada do técnico da seleção portuguesa de futebol ao aeroporto de Lisboa. A repórter faz um ligeiro resumo das conquistas do treinador e, em seguida, retoma a entrevista com o político. Ele, profundamente ofendido - com toda a razão, foi uma grosseria imensa - encerra a entrevista. Disse que fez um "sacrifício pessoal" para estar ali atendendo ao convite recebido e que tem "regras e que não as quebra". Terminou pedindo desculpas à repórter e acrescentou que não era "preciosismo" da parte dele. E perguntou "se é assim que se anda pra frente?" Fiquei com pena da moça que, se pudesse, sumiria num buraco e que, certamente, cumpria ordens superiores.

Não sei nada da política de Portugal e os problemas que ela enfrenta e não conheço os políticos de lá. Também não tenho como avaliar a importância do que ele dizia. De Portugal sei que é um país lindo, que podemos andar à noite na rua em segurança e que vemos bandos de crianças pequenas, uniformizadas, fazendo piquenique com os professores em parques e  Museus. Que os arquitetos portugueses são considerados os maiores especialistas da Europa em restauração de prédios antigos e que Lisboa está revitalizando bairros inteiros.
E que Cristiano Ronaldo é um dos melhores jogadores de futebol do mundo.

Impossível não comparar com o Brasil para concluir que não tem comparação.
Em primeiro lugar pela capacidade de se ofender do político português e pela afirmação de que tem regras de conduta e não as quebra. Muitos dos nossos políticos acusados de repetidas rapinagens não têm o menor constrangimento em aparecer na televisão e negar o inegável. Não se ofendem. Não defendem regras e não as seguem porque vale tudo, desde que continuem como estão. Acredito que, neste momento, a figura pública com a maior credibilidade no Brasil é o senhor Adenor Leonardo Bacchi, mais conhecido como Tite, pelo trabalho sério, competente e comprometido que realiza.

Os jogadores de futebol que chegam à seleção, o fazem por mérito pessoal e pelo talento em jogar bola. Se não for muito bom, nem chega lá. Ganham salários milionários, mas não somos nós, com nossos impostos, que pagamos. A maioria vem de famílias pobres das periferias que tiveram a sorte de ser vistos por quem entende de futebol. Não são responsáveis pelos descalabros com o dinheiro público na construção dos estádios e nem pelo abandono em que muitos se encontram.
Também não são responsáveis pela nossa escandalosa desigualdade social que tem muitas razões, mas nenhuma delas é o futebol.
 A nossa infindável lista de mazelas não é culpa do futebol. Estas são consequência da corrupção, do desvio de dinheiro público, do mau uso de impostos e do imenso desperdício em obras inacabadas
O resultado é o sucateamento de hospitais, escolas e estradas. Sem falar da violência. 

A Copa do Mundo de Futebol  é o evento esportivo mais importante do planeta..
É uma festa onde nós, os brasileiros, ocupamos um lugar de honra. Vamos nos apropriar do sentimento de orgulho legítimo a que temos direito.
Vamos torcer pelo Brasil.









segunda-feira, 4 de junho de 2018

Turista em Curitiba

Às vezes a gente se afasta para refletir
Outras, porque já refletiu.
               Helen Villiger


Fiz o cartão de Isento que me habilita para andar nos ônibus em Curitiba e decidi estreá-lo indo ao MON.  Queria visitar uma exposição em que a minha filha participou da montagem e aproveitar para visitar outras, em exibição no Museu.

Desço no ponto indicado e me informo onde fica o do caminho inverso. Esta linha de ônibus, chamada Interbairros 1 circula no sentido horário e anti horário, num vai e vem que funciona muito bem. Sou entusiasta dessas facilidades que levamos muito tempo para conquistar - nenhuma menos de 60 anos. Na bilheteria, a pessoa responsável verifica a identidade e me franqueia o acesso.

Entrei e fui olhando, lendo, gostando do que via e me inteirando do que sentia, tão distraída que só vi que era tarde quando senti fome. Condição recente esta de não precisar me envolver com panelas e horários.Tinha combinado de almoçar com a minha filha na novíssima condição de encontrar o almoço pronto. Só lavar as mãos e sentar, num movimento de retorno, de troca de papéis.

Dia claro, não muito frio, me acomodei na janela e me dei conta, de repente, de que eu estava me sentindo turista na cidade onde criei meus filhos, ajudei com a neta, trabalhei, fiz  amizades fundamentais, completei ciclos, vivi, enfim, por mais de 30 anos.

Sentimento novo que me inundou de alegria. Fiquei contente, nem sei explicar por que.
Será que a "mudança" de que se fala à exaustão não é isso? Soltar - nos dos papéis que foram fundamentais, mas que já cumpriram seu propósito? Este processo não é acionado por um mecanismo de abre e fecha, como uma torneira. Mudança é um esforço contínuo de adaptação às situações novas e de como usar o rico conteúdo do "vivido" para continuar a andança com outros objetivos e interesses.
São novas possibilidades que temos para continuar sentindo o privilégio que é viver.



terça-feira, 22 de maio de 2018

A Rainha e o Cozinheiro

"Cozinhar não é um serviço...
  Cozinhar é um modo de amar os outros"
                                                   Mia Couto

Ouvi uma história interessante que vale a pena contar.
Uma mulher, farta do marido que não parava em emprego nenhum e nem tinha pressa em arrumar outro, separou-se dele e, por falta de recursos, continuou morando na casa que pertencia aos dois.
Saía cedo pro batente e, quando retornava, lá estava ele na frente da TV. Fazia uns bicos, ganhava uns trocos, mas a maior parte do dia se aboletava no sofá. Cansada de esperar que as coisas mudassem parou de brigar e parou de se importar. Saía com os amigos do trabalho, um deles virou namorado e a vida começou a se ajeitar.

Um dia, assim que abriu o portão, sentiu um cheiro bom de comida no ar. De onde vem isso? Nada que a sua memória olfativa reconhecesse. A memória olfativa é poderosa, elimina tempo e distância. Eu mesma, quando sinto cheiro de doce de figo verde, me transporto para a casa da minha infância, revejo o fogão de lenha e o panelão onde os figos chegavam "no ponto" sob o olhar treinado da minha mãe. Como era bom!
Intrigada, entrou na cozinha devagar. Ele estava de costas, a mexer nas panelas. O que é isso? perguntou sem acreditar no que via. Ele se vira, limpa as mãos no avental e dispara um quer jantar comigo? Ela aceita. De susto!
 A semana inteira foi assim, cada dia um prato diferente, saboroso, caprichado. Passou a vir direto do trabalho curiosa para saber qual era a surpresa do dia. Riam, conversavam e ele contou que viu que levava jeito vendo os programas de culinária da TV.  Aprendeu a fazer pão e macarrão, os vizinhos começaram a fazer encomendas, melhorou a estrutura da cozinha e quase não tem tempo de assistir televisão.
Semana passada chegou com passagens pra Bahia. Está interessado em se inteirar de moquecas,  aprender os segredos do dendê e em se acertar com ela.

O que isso tem a ver com a Rainha? Explico:
O marido virou cozinheiro porque percebeu que precisava mudar para permanecer e é aí que entra a Rainha da Inglaterra. O casamento do príncipe Harry com a americana Meghan Markle  - que o mundo inteiro assistiu e continua a comentar, foi lindo e descontraído - para os padrões britânicos - com calculadíssimas quebras do protocolo, porém improvável de acontecer até pouco tempo atrás.
No entanto os tempos são outros e a realeza britânica teve a sensibilidade de perceber isto. Precisou mudar para permanecer.

A Rainha da Inglaterra quer que tudo permaneça, por isso muda.
O marido descobriu o que queria e mudou, para permanecer.

Ps: Vida longa e feliz para ambos os casais e, se tiverem ouvido o importante sermão do Reverendo Michael Curry com a devida atenção, certamente terão sucesso na empreitada.














sexta-feira, 4 de maio de 2018

Portugal - Algumas Impressões

"O único modo de encontrar um
 amigo é ser um."
                    Fernando Pessoa

Dias de lavar as roupas e limpar os sapatos que trouxemos da bela e empoeirada Lisboa, por óbvio e,  também, para que fiquem de par com a alma que voltou lavada e arejada. O que me remete à D. Carlota Joaquina que, ao deixar o Brasil - que tanto detestava - sacudiu os sapatos ao embarcar no navio que a levaria de volta à Lisboa porque "do Brasil não quero levar nem o pó!" Não é o caso, aqui.

Mais importante das colônias do Portugal navegador e descobridor, temos - para o bem e para o mal -a nossa  história entrelaçada por mais de três séculos. É interessante ver a figura do D. Pedro I - para eles D. Pedro IV - com o olhar do outro. Um bom exercício para entender pontos de vista diferentes de um mesmo fato. As últimas colônias, "em África" se emanciparam só na segunda metade do séc. XX.
A estabilização dos seus limites em 1.297 torna Portugal o país com as fronteiras mais antigas da Europa e, se depender do turismo para lhe gerar divisas está claramente bem servido. Turistas da Comunidade Européia lotam hotéis e museus. Sem falar nos japoneses e os chineses - estes em enxames. E nós.

Meu interesse pelo modo como as pessoas se expressam foi deliciosamente recompensado em Portugal... Se, como nos disse um taxista "os brasileiros falam português com samba", eu digo que os portugueses falam português com poesia. E não é pura poesia nos indicarem um restaurante requintado onde os guardanapos "são dobrados em pomba" e endereço é "dar a morada?" E no açougue escolhemos o nosso talho de eleição?  E onde "um empregado de mesa, que está ali a nos indicar a melhor escolha" declara que nós, brasileiros e portugueses, falamos a "língua de Camões?" E  que escrevemos igual, mas a pronuncia de lá é que é a correta, por castiça? E, elegantemente, fala na segunda pessoa do plural?

E os vinhos e os doces e o Douro e o Tejo? - largo como o mar - com o qual se junta lá pelos lados da Torre de Belém, bem pertinho da famosa confeitaria que produz os maravilhosos Pastéis de Belém, situada na rua do mesmo nome, número 84, desde 1837.

E o bacalhau, que nos motivou a ir lá.

Para a minha avó paterna, nascida Honorina de Sampaio Barros, de quem - desconfio - trago em mim estes momentos de devaneios...



quinta-feira, 5 de abril de 2018

No Ônibus

O Universo conspira a favor  
de quem não conspira
contra ninguém.

Conversadeira que sou, emudeço quando viajo de ônibus então, quando a senhora discreta pediu  para se instalar no banco perto da janela, recolhi pernas e bolsa para lhe facilitar a passagem e me limitei ao "pois não" ao seu pedido de licença.

Da reforma da Rodoferroviária de Curitiba só tinha conhecimento das queixas dos usuários pelo tempo que durou. Ficou bom, aumentou espaço de estacionamento dos ônibus e circulação de passageiros. Fui direto para a banca de revistas reinstalada perto de onde lembro que ficava. Pedi uma e ouço a espantosa resposta da vendedora - não vendemos mais revistas, senhora! Como? Mas isto não é uma banca de revista? E ela, é, mas não tem revista. Surreal!  Decepcionada me senti como quando - abandonado o cigarro - não sabia o que fazer com as muitas mãos que parecia que eu tinha. Subi para o segundo andar do ônibus onde a gente não vê o motorista e pensa que o que nos guia é o desejo das pessoas que se juntaram para ir ao mesmo lugar.

 Meia hora de viagem, a vizinha de banco me perguntou, com gentileza, se eu gostaria que ela fechasse a cortina. Não, obrigada, não durmo no ônibus. Ela começou a puxar conversa. Disse, feliz, que ia pra Balneário Camboriú visitar uma amiga que não via há tempo. Que morava em Curitiba, na rua tal e eu comentei, sei, sei, tenho uma amiga que mora nesta rua e nos pegamos num papo solto! São parecidas as mulheres maduras, por mais diferentes que sejam a suas histórias pessoais têm muita coisa em comum. A viagem de ônibus voou! De repente, chegamos! A amiga já mandara um WhatsApp informando que a estava esperando. Tentei me despedir dela, iríamos pra lados diferentes, mas ela insistiu, "quero apresentar a minha amiga, é rápido!"

A amiga veio ao encontro dela sorrindo e eu a reconheci assim que a vi! Continuava com o olhar brilhante e franco de mais de cinquenta anos atrás! Era a minha querida professora Dagmar, do quarto ano primário! Não me reconheceu individualmente mas lembrou da turma, disse que recebera uma  visita do Bento - que se tornara padre - em Brusque, onde era professora de matemática. O Bento me veio inteiro, aos dez anos, sentado no primeiro banco, à direita do meu.
Não aceitou meus argumentos de que eu moro no lado oposto ao dela e me levou em casa.
A nova amiga, feliz  repetia,"eu sabia que tinha de apresentar a minha amiga a você."

No outro dia saímos juntas. Conversamos e rimos e nos divertimos como se fizéssemos isso a vida inteira. Foi bom e foi mágico. Nos despedimos afirmando que aquele havia sido só o primeiro encontro....

Para Lídia, que seguiu a intuição, insistiu e me fez um grande bem!


















sexta-feira, 9 de março de 2018

Mulher no Dia a Dia

"Você tem de cometer erros para
   descobrir aquilo que não é."
                     Margareth Thatcher
                                                                        
Dia da Mulher, elevo pensamento e sentimento na intenção das mulheres que lutaram e sofreram e morreram para que todas tivéssemos vida melhor. À elas, respeito e gratidão.

...e penso nas mulheres que fizeram ou fazem parte da minha vida e que, de um jeito ou de outro, me tornaram o que sou. Com algumas aprendi a ser, com outras a não ser. Filha única com três irmãos ao  redor, sentia falta de uma irmã. Teve um tempo em que eu acreditava que, se tivesse um casaco de lã azul marinho com botões dourados e martingale - e uma irmã (nessa ordem) - eu não precisaria de mais nada para ser feliz. Não tive nenhum dois dois e cedo percebi que possuir o casaco era mais fácil do que ter a irmã.  Depois, moça, tive uma irmãzinha que chegou já nascida e que fez a nossa alegria, da casa inteira. A vida flui, as coisas passam... hoje, madura, sei que devo muito do que sou à mãe que tive - que se foi tão cedo - e que foi dela que aprendi a não me vitimizar nunca. Era ereta, a minha mãe. Com minha avó, que passava longas temporadas na nossa casa, aprendi a ser resiliente, a começar de novo. Da outra avó, paterna - esparramada em ternura - com quem convivi muito pouco e, por isso mesmo absorvi tudo o que pude, aprendi que a vida não precisa ser tão dura, mesmo que seja. É preciso olhar em volta, mudar o foco. Sempre funciona.

Com minhas filhas, íntegras e fortes aprendo mais de mim, e me orgulho e me enterneço porque sei que posso contar com elas como elas sabem que podem contar comigo. E fico feliz quando rimos juntas. Rir com os filhos é a confirmação de que acertamos mais do erramos.

E com as amigas, as que a vida separou, mas que continuam tão em mim, porque nossos caminhos se confundem e nem sempre sei se isso ou aquilo de que me lembro é meu ou delas. As que foram surgindo na confluência de interesses, que me cativaram e que cativei e com quem - como a raposa e o principezinho - começo a ficar feliz pela expectativa do encontro e, quando a hora chega, estamos alvoraçadas de felicidade. Com elas gasto a vida sem economia, mas com critério. Não é mais tempo de desperdício.
São muitas as irmãs que tenho. O casaco, faz tempo que não quero mais.

E com a minha neta, com quem aprendo a ser melhor do que eu, desde o primeiro instante em que a vi.









quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Egoísmo e Humildade

Aprender a se colocar em primeiro lugar não é egoísmo, nem orgulho.
É Amor Próprio.
Charles Chaplin

Não sei quanto o governo economizou por nos dar uma hora a mais de luz natural, mas o verão fez questão de aproveitar quase nada. Segunda feira, já com os relógios nos conformes, ele apareceu todo exibido e com trovoadas de fim de tarde. Pra mim, valeu. Sou fã de horário de verão. Como uma coisa puxa outra lembrei de um dia desses na praia, onde um bando de maduros discutíamos a própria realidade e o que achamos que é viver bem, com as gentilezas que nos permitirmos.
A conclusão geral é que necessitamos ser egoístas, palavra desvirtuada pelo mau uso que se faz dela. Repare nos pecados capitais criados pela igreja católica para facilitar seu trabalho: Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Inveja, Preguiça, Vaidade. Profundamente humanos e universais, nenhum deles é sinônimo de egoísmo. Do "Conhece-te a ti mesmo" dos gregos  até o Amai ao próximo como a ti mesmo" que Jesus deixou como um Mandamento Novo, é essencial olhar para dentro e saber de si.

Queremos " pouco" nessas alturas - saúde boa, amigos perto, amores certos e dinheiro - o suficiente para não precisar lembrar dele. E nos divertir. Gente vivida gosta de festa, de riso, de troca de afetos.

Filhos criados, os amamos sem medidas, mas são deles os caminhos que escolheram, e deles os percalços da jornada. De netos, penso que são a melhor definição do que seja eternidade, mas não nos pertencem.
Continuamos a ser "um lugar para voltar" com as portas do coração abertas de par em par. 
Somos donos de nós, e é a quem devemos explicações e paciência. Está aí uma coisa que os jovens não sabem. Precisamos ter uma enorme paciência conosco porque ficamos em nós as 24 horas do dia. Pensa que é fácil? Conhecemos bem os nossos limites.

Aprendemos, ou deveríamos ter aprendido, a dizer não ao que nos fere ou desrespeita  porque temos coragem de romper paradigmas.
Chegados até aqui, voltamos a ter certezas. Poucas, mas fundamentais.


     










segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Na Praia

"Cuendo calienta el sol
  aqui en la playa
  Siento tu cuerpo vibrar cerca de mí.."
                            Hermanos Rigual *

Vizinhos de areia mudam todos os dias e, se nos quedamos ao sol o dia inteiro, variam no decorrer do período. Gosto de observar essa intermitência de quem chega e de quem sai e perceber as alternâncias da vizinhança.
No guarda-sol ao lado, ouço a resposta da mulher ao vendedor da mega sena acumulada.  "A gente não quer moço, a gente é rico". Chega o haitiano, oferece pau de selfie, e a resposta é " a gente não quer moço, a gente já tem de todas as cores"... alguma dúvida? Suponho que seja para combinar com a capinha do celular.  O som, pequeno e potente, propaga:
 Rapariga, não! Rapariga, não!
 Lava a sua boca com água e sabão!
 Depois piora:
 Faço devagar, faço devagar,
 Faço devagar que é pra ela se apaixonar.

Como diz minha filha, é o cerumano, mãe!

Do outro lado, o pessoal comenta com o vendedor de sanduíche natural que o céu escurece de repente. O moço, com ares de quem sabe o que diz, olha o pretume que se aproxima do continente, depois mira o pretume que vem do mar e determina: eeee...  essa manchinha que vem de lá e se achega da manchinha que vem de cá? nãao, nada de chuva, fique susse!
Eu, que já  juntava cadeira e canga decidi confiar no moço, roupa de marinheiro, com quepe de âncora e com anos de praia. Pode não ter experiência em vagas e ventos em alto mar, pois isso é assunto para marinheiros de outra cepa, mas de claros e escuros na areia ele entende. Fiquei e acertei.  O céu foi clareando, clareando, despontou um azul lá no horizonte, os vizinhos ricos recolheram som e selfie e se foram e a praia clareou também, na areia.

Li um pouco, cochilei outro tanto e quando cheguei à fila do chuveiro para tirar as areias de mim, o moço a minha frente cedeu-me a vez, segurou minhas tralhas e  acionou o chuveiro.

Digo eu pra minha filha, é o ser humano, filha!

Ganhei a crônica - que saiu inteira - e ganhei o dia.

* Consta que a música é do nicaraguense Rafael Gaston Perez que a vendeu ao trio cubano que fez um sucesso extraordinário com ela. A letra original era... quando calienta el sol en Masapacha, cidade litorânea distante 60 km de Manágua, capital da Nicarágua. 
Fonte: El Blog del bolero: Oswaldo Paez


 




sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Sumiço da Sandália

Perco a sandália e
recupero o passo.

Na fila do caixa, quase na minha vez, me vi descalça!
Jesus, clamei! Cadê as minhas havaianas?  Me arrependi no ato. Instantaneamente todo o entorno olhou de mim pra eles - os meus pés no chão - que, diga-se de passagem, deveria ter tido a caridade de se abrir para que eu desaparecesse.
Uns me olhavam de jeito esquisito, outros balançavam a cabeça, apiedados, e sussurravam o nome do alemão. Sabe como é. Ouvir, examinar e investigar para só depois dar o diagnóstico é coisa de médico. Leigo sabe!  Me olhavam com cara de dó. A senhora está bem, onde mora? Tem família? Quer que eu a acompanhe? Fiquei muda, enquanto pensava em como sair dali sem que nenhuma alma bondosa me acompanhasse.

Supermercado cuja propaganda é ser inclusivo é, de fato, uma loja diferenciada. Corredores largos e gôndolas baixas fazem todo mundo se sentir magro e alto. Uma beleza! Da porta de entrada se enxerga o fundo da loja. Nos corredores circulam  - com conforto e sem atropelos -  pessoas com carrinhos de compras, cadeirantes, crianças empurrando um carrinho com uma espécie de mastro com uma bandeirinha na ponta que pode ser avistada de qualquer lugar. Ninguém perde a criançada, nem que queira.Tudo o que eu ansiava era estar num shopping em véspera de natal e desaparecer na multidão.

Reagi! Agradeci a atenção de todos, balbuciei qualquer coisa sobre Setor de Achados e Perdidos, o que se mostrou uma ideia excelente, porque as pessoas se empolgaram com as maravilhas do supermercado e esqueceram de mim. Larguei as compras e me enfiei loja a dentro. Imagina eu chegar no Setor  (não tem e nem caberia ter)  e perguntar se haviam, por acaso, encontrado um par de havaianas branquinhas circulando sozinhas por aí?  

Fiz cara  de paisagem e tentei refazer o trajeto anterior até que avistei, sob uma mesa da lanchonete, o par lado a lado, que alguém havia colocado ali. Como, me perguntei, se eu não estive na lanchonete?  Daí me lembrei! A padaria fica ao lado e o pão ia demorar mais  "dois minutinhos", tempo padrão de padarias em todo os lugares. Não importa há hora que se chegue, sempre faltam dois minutinhos para sair o pão quentinho. Me distraí, o tempo do pão não é o mesmo do relógio e larguei a sandália entre um tempo e outro. Como a fila demora, mas sempre anda, em todos os lugares e analogias possíveis, fui andando e a sandália não me acompanhou.

Refiz as compras e tudo acabou bem. Na saída encontrei um casal de amigos e fiquei aliviada por te-los encontrado na segunda saída, não na primeira. Não sei como explicaria a alguém que conheço o fato de estar descalça no supermercado. Acho que só contando a história inteira, como faço agora. Ficou tão lógico! Não?








terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Outra Primeira Vez

"O tempo é remédio pra tudo...
exceto para a velhice."
                    Henrique Jorge

Lembro da primeira vez que me chamaram de senhora. Entrei numa loja e a atendente, solícita, perguntou. posso ajudá-la, senhora?  Olhei para trás à procura da tal senhora. A moça reforçou o sorriso e repetiu a pergunta. Daquele dia em diante a coisa foi ficando cada vez mais frequente.
É como adolescente, dorme criança e acorda  moça. Quem tem neta sabe. A gente dorme moça e acorda senhora. Com o tempo a pessoa acostuma e esse limbo dura até chegar aos 60 anos.
Daí muda tudo! Entramos no status oficial de idoso! Tiramos A Credencial do Idoso (adoro isso, credencial) e como o nome diz, nos credencia para uma porção de pequenas regalias.
Os jovens não sabem mas, - quem tem sorte - envelhece.
Entre outras coisas o Cartão do Idoso é grande e vistoso, plastificado então, pode servir de *leque* nos dias de calor, Também serve para nos tirar da invisibilidade total, porque um cartão se mexendo no ar deve estar sendo agitado por alguém. No caso o Idoso Proprietário. A gente sacode o Cartão do Idoso e as pessoas nos enxergam!  Uso letra maiúscula porque é um documento importante. Precisa de 60 anos para conseguir.

Lembrei disso porque fui ao supermercado e estacionei na vaga de idoso, a mais perto da escada rolante, mais larga, mais clara. Certo que o ícone é um bonequinho curvado apoiado numa bengala, o que revolta alguns  usuários. Soube que uns inconformados ensaiaram um  movimento para atualiza-lo, o que acho um perigo porque corremos o risco de perder a regalia. Se quisermos um ícone mais descolado, rejuvenescido, alguém pode argumentar que, se não são velhos, não precisam de tratamento diferenciado. Atentemos, pois!

Além disso, já tem lei para uma nova categoria de idoso, o de 80 anos ou mais. Imagino que, se começarmos a reclamar, os nobres deputados alteram a idade mínima oficial de ser idoso. Nada de correr riscos desnecessários. Com a criação do Idoso, fase 2, automaticamente criou-se a categoria dos pré-idosos. o que nos rejuvenesce de cara, de graça, sem risco. É um presente!
A melhor estratégia, a mais esperta  é a de usar o direito adquirido - outra coisa de que gosto, direito adquirido - a nosso favor. Somos velhos quando interessa, caso das vagas especiais, e não somos, quando não nos interessa. É só observar os netos adolescentes que a gente aprende . Eles são bons nisso. Adolescentes nos direitos, são crianças nos deveres.

Têm lugares, porém, onde as espertezas não funcionam. Bancos, por exemplo, não adianta pegar duas senhas - convencional e idoso - na expectativa de usar a que chamarem primeiro. Eles já sacaram a malandragem e puseram um funcionário grudado no totem que expele as senhas e que nos entrega a que nos cabe na nossa mão. O sujeito, olhar severo, acerta sempre, só de olhar pra nossa cara. Aliás, aproveite, porque depois de entrar ninguém mais olha pra você.

Outra coisa que aprendi - mesmo que a gente esteja bem  - é bom lembrar que estamos bem  para a idade que temos, apenas isso. Alguém da nossa faixa etária comenta que estamos bem, acredite, é sincero. Porém, se alguém vinte anos mais novo disser isso, não pense que a pessoa o está comparando a ela. Conta bancária favorece a avaliação. Nada de ilusões.

A vida, enfim, é um aprendizado constante.
Se observe, se ouça e se respeite.
Diga não com decisão e não se importe com quem não se importa com você.
Se cuide, se divirta e faça coisas que sempre quis fazer. Eu estou pensando em voar de asa delta.
Amém!

 Esclarecimento aos jovens:
* leque: objeto que, sacudido em frente ao rosto, gera um ventinho que ajuda a abrandar o calor.
Espécie de ar condicionado portátil. Não causa danos ao meio ambiente.


sábado, 6 de janeiro de 2018

"A Tardinha Cai."

"Navegar é preciso
 Viver não é preciso.
                 F. Pessoa"

 Fernando Pessoa popularizou os versos cuja autoria é creditada ao general romano Pompeu, por volta de 70 a.C. Com a intenção de incentivar os marinheiros, apavorados, a levar uma carga de trigo a Roma durante a guerra, o general bradava "Navigare necesse, vivere non est necesse!"
Eles temiam a imprecisão dos barcos e a precisão do inimigo, mas Pompeu era o temor mais próximo. Claro que ele ficava dando tchauzinho do cais. Jogo duro, o tal Pompeu. Pensando bem, as coisas continuam mais ou menos assim, até hoje. Manda quem pode e obedece quem não tem escolha. No século XIV, o poeta italiano Petrarca mudou a expressão para "Navegar é preciso, viver não é preciso." Fernando Pessoa escreveu seu poema a partir destes versos, destacando que eram lema dos navegadores antigos. Continuam atuais há mais de 2000 anos porque não têm tempo, nem lugar, nem hora - só sentimento. Poesia é assim, como uma luva, se ajusta à alma de cada um.

Aqui, ilustram a primeira vez  - no mar - de uma moça que eu conheço.

Veio de mudança. Mal arriou "mala e cuia" no chão da sala, recebeu uma amiga querida que a encheu de mimos, e com a qual foi passar o Réveillon no veleiro de amigos comuns, onde foi conferir a "precisão" do que é navegar. Narrativas de marear não faltaram e sei que ela temia dar vexame, incomodar os anfitriões, coisa e tal... pois não há de ver que a moça entrou no barco e se sentiu em terra firme? Velejavam - barco adernado, vela estufada - e ela parecia pisar chão de terra batida. E as vagas, então?  E dormir? A cabine lhe pareceu um latifúndio, dormiu o sono dos justos e acordou revigorada. Certo que confiou na dupla experiente que comandava o barco com a presteza de quem sabe o que faz. Reconheceu que a confiança exclui quaisquer temores e que é a desconfiança que nos derruba, mesmo que estejamos presos ao chão. Além disso estavam todos, literalmente, no mesmo barco. E também tem outra coisa, ela se trouxe para ancorar na casa da praia e o barco é uma casa que se leva junto, então foi um reconhecimento imediato.

Passando os olhos por textos que escrevi no ano passado - depois de ter escrito este - notei que usei esses versos para abrir o texto do dia 08/01/2017.  Cabiam lá e cabem aqui.


É a ela, à moça que velejou pela primeira vez, que dedico texto e versos, com votos de que continue a sentir encantamento e entusiasmo pela maravilhosa imprecisão de viver.
E que não deixe de ser curiosa.