segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Na Praia

"Cuendo calienta el sol
  aqui en la playa
  Siento tu cuerpo vibrar cerca de mí.."
                            Hermanos Rigual *

Vizinhos de areia mudam todos os dias e, se nos quedamos ao sol o dia inteiro, variam no decorrer do período. Gosto de observar essa intermitência de quem chega e de quem sai e perceber as alternâncias da vizinhança.
No guarda-sol ao lado, ouço a resposta da mulher ao vendedor da mega sena acumulada.  "A gente não quer moço, a gente é rico". Chega o haitiano, oferece pau de selfie, e a resposta é " a gente não quer moço, a gente já tem de todas as cores"... alguma dúvida? Suponho que seja para combinar com a capinha do celular.  O som, pequeno e potente, propaga:
 Rapariga, não! Rapariga, não!
 Lava a sua boca com água e sabão!
 Depois piora:
 Faço devagar, faço devagar,
 Faço devagar que é pra ela se apaixonar.

Como diz minha filha, é o cerumano, mãe!

Do outro lado, o pessoal comenta com o vendedor de sanduíche natural que o céu escurece de repente. O moço, com ares de quem sabe o que diz, olha o pretume que se aproxima do continente, depois mira o pretume que vem do mar e determina: eeee...  essa manchinha que vem de lá e se achega da manchinha que vem de cá? nãao, nada de chuva, fique susse!
Eu, que já  juntava cadeira e canga decidi confiar no moço, roupa de marinheiro, com quepe de âncora e com anos de praia. Pode não ter experiência em vagas e ventos em alto mar, pois isso é assunto para marinheiros de outra cepa, mas de claros e escuros na areia ele entende. Fiquei e acertei.  O céu foi clareando, clareando, despontou um azul lá no horizonte, os vizinhos ricos recolheram som e selfie e se foram e a praia clareou também, na areia.

Li um pouco, cochilei outro tanto e quando cheguei à fila do chuveiro para tirar as areias de mim, o moço a minha frente cedeu-me a vez, segurou minhas tralhas e  acionou o chuveiro.

Digo eu pra minha filha, é o ser humano, filha!

Ganhei a crônica - que saiu inteira - e ganhei o dia.

* Consta que a música é do nicaraguense Rafael Gaston Perez que a vendeu ao trio cubano que fez um sucesso extraordinário com ela. A letra original era... quando calienta el sol en Masapacha, cidade litorânea distante 60 km de Manágua, capital da Nicarágua. 
Fonte: El Blog del bolero: Oswaldo Paez


 




10 comentários:

  1. Ouvir a conversar ao lado é irresistível. Um palpite as vezes.

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    1. Observar os comportamentos humanos é matéria prima de quem pretende escrever. Do mais humilde escrevinhador - onde me incluo - até os maiores escritores de todos os tempos.

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  2. E esse texto?
    É de escritores de outra cepa.
    Você está se revelando uma pintora... com uma paleta de cores singular!
    E a música?
    Doces lembranças.
    Parabéns!

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    1. Lembra.... es tu palpitar
      tu recuerdo
      mi locura
      mi delirio
      me estremezco oh,oh,oh
      cuando calienta el sol...

      bem melhor do que "faço devagar pra ela se apaixonar", não?Por quê o óbvio é tão difícil de enxergar?
      Você sabe?

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  3. Cada qual com seu repertório. Do nada, nada vem.

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    1. Mas, sendo assim, nada muda. Cada um fica preso na sua limitação, sempre.

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  4. Sempre com muito humor!
    N.I.

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  5. E isso. Rir é um aprendizado difícil, mas indispensável!

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