sábado, 23 de março de 2019

Março e a Mulher Madura

Tropeço em pedrinhas 
 e atravesso montanhas!
                             Clévia

No março que nos homenageia e que apuramos o trecho percorrido - e é longo o caminho a percorrer para diminuir nossas desigualdades - para dizer o mínimo - lembrei de uma carta que trago comigo e que recebi de uma amiga querida, nem sempre perto, mas sempre próxima, no ano em que ambas chegamos aos 60. Fala da sua vivência e ecoa na minha. Por isso, penso que sirva para muitas de nós.

Com a devida permissão da missivista, compartilho os sentires dela com você:
"...e você sabe que eu, desde muito jovem, trazia um sentimento de inadequação como se estorvasse e,-  ao mesmo tempo, me ressentia do ar escasso, do lugar estreito que me tolhia movimento e ação. Fui crescendo e abrindo veredas particulares, me peguei com os livros, desfoquei de mim e fui dando os passos que me cabiam no script  da época, do lugar, da família. Fui me ajeitando, me acostumando e o sentimento antigo ficou lá. A vida foi generosa comigo e, durante muitos anos me senti acolhida, aceitei com alegria os papéis que me couberam e ouso crer que desempenhei bem cada um deles. 

Nesse terceiro ciclo de vida em que ingresso agora, porém, aquele sentimento que eu havia deixado lá - mas que estava aqui - por que faz parte de mim - ressurge e exige um cuidadoso olhar para dentro. É o que tenho feito, minha amiga, não é fácil e, certamente, não é indolor, mas é imprescindível para que eu siga em paz. É tempo de rearranjar a vida. Disse alguns nãos e fiz o que foi preciso à partir do decidido. Comecei de novo, aprendi com os erros. Me aproximei de mim."

Faz cinco anos que recebi esta carta. Ela foi morar fora, estudar e trabalhar. Vez em quando mandava notícias e ontem, do nada, tocou a campainha. Voltei pra ficar! Escancarei porta e coração ao vê-la  tão inteira, tão feliz! Conta tudo, conta tudo, prometo que não a interrompo! E ela falou e falamos noite a dentro e foi uma catarse e uma comunhão, e as horas voaram como voam os anos, e os paradoxos de que a vida é feita e onde a alma se aquieta estavam todos ali.
Se os quadris rangem e o ortopedista proíbe as caminhadas que o cardiologista recomenda e que tudo que é bom faz mal ou engorda, é chegado o tempo de cada uma decidir o que sabe que é melhor para si. Transgredir é fundamental. Não criar armadilhas para si mesma é prioridade. A felicidade é um esforço individual e uma escolha.