sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Respiro

O hiato que separa o Natal do Ano Novo, a semana em que a ressaca de uma festa dura até a chegada da outra, serve para reorganizar a casa. Lavar, ajeitar, nem guardar, apenas separar o que será usado de novo. 
 
Cheguei ao Natal abastecida de ar. Sabia que o combustível que a data exige é consumido em respirações profundas, consumos exagerados e desperdícios, sempre desnecessários. Cheguei leve e alegre ao fim da festa e com o estoque de ar na reserva. Percebo que a cada ano que passa, o consumo de ar aumenta e a minha velocidade diminui. Tudo vai se tornando mais trabalhoso. A semana também serve para repor o estoque porque o tempo é curto e o consumo da segunda festa segue um roteiro mais solto, mas exige o mesmo gás. 

É tempo em que o bom senso aconselha as pessoas da mesma família a focarem no que as une, cuidando para não resvalar, nem de leve, em nada que possa descambar em política. Na minha pequena grande família não temos substanciais diferenças nesta seara, o que é alívio e paz. 
Não estamos todos juntos este ano. Minha filha mais velha e o meu genro moram fora, e não puderam vir, mas é na casa deles que comemoramos as nossas festas. Mesmo que não fosse, estão presentes em todos os momentos. Os ausentes, por distância ou destino, são sempre presença em reuniões de família. 

Nos une o bem querer de uns pelos outros, a torcida para que todos estejam bem, atenção e socorro sempre que a vida dá uns solavancos. Este é o arcabouço das famílias. É a estrutura, o principal. 
Todo o resto é picuinha.

A vida é caprichosa, segue um roteiro próprio, muda de rumo sem aviso prévio e nós, desavisados e distraídos, ao sentir o baque ficamos no acostamento, enquanto ela passa, acelerada. Com o tempo, com a idade, aprendemos a voltar para a pista, mas no nosso ritmo, cada vez mais lento. Andar devagar nos possibilita reavaliar as paisagens, redimensionar  as passagens, ajustar o próprio eixo.

Faltam dois dias para o fim deste ano  desfiador e conturbado e, ao dizer isso, lembro de meu pai, a cada vez que alguém falava  em crise. Ele dizia, "Ah! desde que me conheço por gente a crise da vez é a mais forte, a mais intensa."

Desejo a todas as pessoas um Ano Novo de amor, saúde e prosperidade. E que a Esperança, moça bonita que nos instiga e conduz, nunca nos falte, porque é ela que nos faz andar pra frente.












quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A inquilina

A sala comercial foi alugada por uma psicóloga. Esclareceu que dividiria espaço e custos com uma colega e que atenderiam crianças. Pagavam rigorosamente em dia. Quando a pandemia apertou e o atendimento presencial ficou impossível, acordaram em baixar o valor do aluguel. A condição era revista de três em três meses até que a situação normalizasse. Decisão acertada e que funcionou muito bem. 

Pandemia arrefecida, a inquilina responsável pelo contrato comunicou que iria encerrá-lo. Adquiriu uma sala no mesmo prédio. As pessoas voltavam às suas atividades, mas a economia ainda iria mais um tempo para reagir. Os aluguéis continuavam baixos. Ao mesmo tempo em que uma saía, a outra manifestava interesse em ficar. Propôs fazer um novo contrato - sem reajuste - e justificou dizendo que dali em diante iria arcar com o aluguel sozinha. Tinha o marido como fiador. Alguém comentou que marido não pode ser fiador de esposa. A proprietária comentou que ela tinha lastro, nunca, em mais de quatro anos, atrasou nenhuma parcela do aluguel. E assim foi feito. 

Enviava a cópia do depósito pontualmente, sempre acompanhada de palavras gentis. Muitas vezes  antecipava o pagamento e, surpreendentemente, justificava o motivo. Nunca soube de alguém que antecipa o pagamento de um compromisso e se explica.

Neste novembro o valor depositado foi maior. A proprietária perguntou o motivo. A moça disse que havia corrigido o aluguel de acordo com o índice acordado para o reajuste. Ela quis saber se a proprietária estava de acordo com os seus cálculos. A dona do imóvel não havia percebido que já tinha se passado um ano, apesar de que este aluguel era parte importante de sua renda.

Acrescentou que havia trocado toda a instalação elétrica da sala e colocado lâmpadas de LED. A proprietária ficou feliz, mas argumentou que custos de melhorias são do proprietário. A moça disse que quis fazer esta gentileza em sinal de agradecimento pelo modo como havia sido tratada. E acrescentou: Você foi uma pessoa que entrou na minha vida e que me fez muito bem. Venha tomar um café e ver como a sala está bonita.

Combinadíssimo! Assim que eu for aí, vamos nos encontrar. Será uma alegria conhecê-la pessoalmente.

Ficção? Sonho de uma noite de primavera?  Não! 

Aconteceu comigo.