segunda-feira, 23 de março de 2020

O Sétimo Dia!

"No sétimo dia Deus descansou."
  (Gênesis 2:2 - 3)



Sonhei que meu celular, que estava no bolso, tinha sido trocado por uma caixinha de plástico com as medidas de um celular de verdade. Do susto inicial e ainda sonhando ponderei que, se estava há uma semana de quarentena, isso seria impossível.
Era o subconsciente reagindo à própria armadilha.

Perder celular é sempre um grande incômodo e agora seria um drama, principalmente para quem, como eu, atravessa esse período sozinha. É desafiador, como sei que ficar confinado em casa e em família é tão desafiador quanto. A diferença é que, em família, teriam outros celulares a servir de contato e socorro.

É importante criar uma rotina diária. Decidi que só assisto as notícias depois das 20:00 h e troco de canal assim que sei das mudanças nas últimas 24 horas. Noventa por cento de tudo que se propaga, posta ou fala é repetição, fake news ou polêmicas que só servem para acirrar os ânimos já combalidos e abalados.
A realidade é suficiente.

De manhã coloco uma roupa de sair, mesmo que eu não saia, uso maquiagem leve, mesmo que ninguém me veja. Como só verei a mim, a mim me cabe fazer com que o espelho me devolva uma boa versão de mim mesma.

Tenho a sorte de morar num apartamento com um terraço grande e ensolarado. Faço dele minha praia e ando de lá prá cá e apanho sol e aproveito para fazer atividades externas. Ontem resolvi raspar, com uma espátula, a tinta que o moço que pintou o muro passou no meu vaso grande de cimento.
Foi pra combinar com o muro, dona, a senhora não gostou?
Depois de tanto tempo, a arte do pintor serve para que eu me ocupe.

Vaso recuperado, planto a muda da arvorezinha que a vizinha me deu. Ela me informa que tem a planta há vinte e um anos e que foi a mãe que plantou, pouco antes de deixá-la. Respondo que é uma honra e que cuidarei dela com carinho.

E o dia passa, e vou e volto, e sento e escrevo, e leio as mensagens e danço um bocadinho ao som de This Is My Song na voz de Petula Clark que a memória resgata e comove.
E espero.

E a rádio da TV, sintonizada nos "Anos 60" continua com os Beatles cantando All We Need is Love.
Atual,não é?









terça-feira, 17 de março de 2020

O Evento!

"Viver é a coisa mais rara do mundo."
                                     Oscar Wilde


Munida da requisição para fazer fisioterapia por conta de um menisco do joelho que dá sinais de que a coisa está além das suas capacidades, me dirijo à clinica para marcar as sessões.

A recepcionista afasta a máscara de proteção e informa que não estão atendendo pessoas do grupo de risco.
Agora, só emergências. Nas clínicas e em todos os hospitais, acrescenta ela.

Tenho que negociar com ele, o menisco, para que me dê umas semanas de trégua. Isso aconteceu terça - feira, dia 17 há menos de 48 horas. Depois daquele momento tudo mudou tão rápido e continuou a mudar tanto que fica difícil acreditar que tenha sido há dois dias.

E lembro da quinta feira passada, há apenas uma semana em que Mônica e eu lançamos os nossos livros na Livraria Catarinense do Shopping Balneário e que amigos atenderam ao nosso convite e compareceram para nos prestigiar. A maioria era formada por um animado grupo de risco. Foi um encontro alegre e cheio de afeto. Revi amigos que não via há muitos anos e nos abraçamos, saudosos e espontâneos. Rimos, felizes, como se a vida fosse eterna.

E penso que os Encontros Felizes, tão caros à Mônica, têm que esperar um pouco, mas vão voltar a acontecer, tão felizes quanto.
E,  no meu Terceiro Ato, embebido da percepção da finitude - incontornável - e pleno de alegria e gratidão pela vida, a vivida e a à viver, sem data anunciada para acabar.

Acredito que a necessidade de ficar em casa não será por muito tempo e, embora esse conceito seja elástico, devo fazer a minha parte para não dificultar ainda mais o trabalho dos profissionais de saúde que estão nas frentes de batalha.
É o velho e bom "quem não ajuda não atrapalha"...

Quero aceitar convites como pede a Mônica e, mais do que isso, promover encontros que terão  o status de eventos, porque viver sem risco iminente a nos rondar é por si só dádiva, sorte e regalo.
E não quero perder ninguém.
Viver é o quanto basta.