domingo, 27 de outubro de 2019

Porque Ainda é Outubro

"Compositor de destinos 
  Tambor de todos os ritmos
  Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
  Entro num acordo contigo
  Tempo, Tempo, Tempo, Tempo"
                            Caetano Veloso.

Encontrei-a declamando "como são belos os dias da minha infância querida que os anos não trazem mais" e gesticulando, como aqueles bonecos infláveis de posto de gasolina que, ao sabor do vento, movimentam os braços para frente e para trás.

Oi, me disse, estou ensaiando a poesia que vou apresentar na festa do Dia das Crianças, na escola. Também engraxei os sapatos de todo mundo, e apontou os pares que brilhavam, enfileirados, na parede da cisterna -  a que captava água da chuva e tinha um peixe como inquilino.
Faz tempo que você não aparece, pensei que tinha me esquecido, acrescentou.

Estive aqui há uns dois meses, mas não vi ninguém. Encontrei um prédio quadrado ocupando quase todo o terreno. Não tinha mais flores, nem árvores e nem o bebedouro dos passarinhos na parede da garagem, que também não estava lá.

Sinto muito, ela disse, olhos baixos, meio úmidos. Não lamente, emendei, na verdade tudo o que tinha sido estava disponível em mim, e eu visito quando preciso e sinto os odores e degusto os sabores e ouço os risos e enxergo as cores.

Quero falar de uns aprendidos, acrescentei, e convidei-a para sentar no banco comprido da churrasqueira onde o sol desenhava, através das treliças da parede, losangos de luz na mesa larga. Esta é a garagem antiga, a que foi demolida, observou. Eu sei, mas é aqui que começa a minha historia:

Você é uma criança curiosa e esperta, condicionada a obedecer e empenhada em agradar. 
O que preciso dizer é que a vida é feita de trechos e eles são feitos de começo, meio e fim. Nem todos, porém, seguem a ordem serenamente. Têm os que parecem que não acabam nunca e têm os que acabam cedo demais.Todos, sem exceção, têm os melhores momentos no meio, quando o começo já foi assimilado e o fim parece não existir.

Têm uns trechos doloridos que precisam ser divididos em sub trechos para a gente tomar fôlego e preservar a coragem. Outros são perigosos como uma viagem sozinha na estrada. Nesses, é eficiente ir de A a B, depois de B a C  e, quando nos damos conta, chegamos ao destino.

Esta técnica nos faz crer que temos controle da própria vida e até da vida de outras pessoas.
No entanto, só  podemos controlar é se queremos aprender   - ou não  - com os acontecidos.
Decididos a aprender com os erros, evitamos repeti-los. Isso se chama experiência.

Cada um de nós pontua os trechos de acordo com os acontecimentos que foram importantes na própria vida. Fim dos estudos, fim da vida de quem nos deu a nossa, fim de relacionamentos, mudança de endereço e por aí vai.

A única companhia que permanece conosco do princípio ao fim da jornada é a criança que nos habita e constrói o todo que nos individualiza e identifica.
É este sujeito que devemos ouvir e agradar.
Por isso, menina querida, é absolutamente impossível esquecer você.






















sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A Vernissage

"Todas  as artes contribuem para a maior de todas as artes, 
   a arte de viver"/ B. Brecht

Foi convidada para a abertura da exposição de fotos do artista, cuja sensibilidade extraiu, de escadas e pisos, de parapeitos de ferro e de luminárias de cristal, o refinamento e a nostalgia de um edifício que abriga uma Secretaria de Estado da Cultura.
Fotos em preto e branco evocam a melancolia de um tempo que se foi, mas que está impregnado n'alma das pessoas. Revelam que a arte transcende o tempo, o mau gosto e à ignorância. Nos deixam menos toscos, menos rudes, mais bonitos. A Arte é assim, nos redime de nós mesmos, viabiliza a esperança.

Chegaram na hora do burburinho em que todo mundo  já estava lá.
Reencontros de alegria alvoroçada, resumos dos rumos que tomaram, lembranças divertidas, enfim, um contentamento!
A amiga, ao apresentá-la, dizia algo assim, "este é o fulano, somos amigos desde o anos 80", ou 90" e rememoravam histórias divertidas que viveram. Ela fatia a própria vida em décadas, e delas retém só as significâncias. Faz uma triagem e fica com o que importa. Armazena só as relevâncias que o tempo confere, descarta o que não interessa.

A galerista, bonita e interessante, recebia os convidados junto com o artista e os dois brilhavam sob a mesma luz.
Serviço impecável, bebida farta e comidinhas deliciosas, o evento corria solto.
Nessas alturas, a convidada que se sentira um peixe fora d'água, já nadava de braçada.

Terminaram a noite convidando o pessoal para a "Festa do Broche", inspiradas no artista que, elegante, portava um instigante broche na lapela.
A única exigência é que todos usem broches.