sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

A Visita

Almoço à quatro mãos, uma no frescor das descobertas culinárias e a outra, sovada na experiência de muitos anos - instigada -  resgata frescores esquecidos. A trajetória de vida das duas amigas é totalmente diferente. Convergiram ao se conhecerem num grupo de canto coral. No canto, em comum tinham as dificuldades técnicas e a alegria sem medo. Ambas cantavam mal e sabiam, o que nunca as impediu de soltar a voz, peito aberto, "e cantar e cantar e cantar" para desespero do professor.

A pandemia e as contingências da vida as separaram. Uma mudou de cidade. O grupo de canto coral mingou até se extinguir por inanição. Mas aquilo, o que se construiu nos anos em que cantavam às terças feiras - as ligas frescas e aparentemente opostas - amalgamadas pelos afetos improváveis e sedimentadas devagar, depuraram e chegaram ao lugar certo, como são os doces de porções e de punhados que ficam prontos quando chegam ao ponto. Acredito que o maior ganho que a prática de viver nos dá é o sentimento pressentido, o amor confiante, a autonomia conquistada pela intuição. Sabemos o que nos significa e expande.

Escrevi quase nada em 2021. Foi como se a energia despendida para escrever fosse canalizada para recuperar força e saúde. Mal consigo imaginar o esforço que as pessoas vítimas da COVID têm que fazer para se recuperar. Esta semana chegou, na clínica de fisioterapia que frequento, uma mulher beirando os 50 anos, fraca, um fio de voz, para iniciar a fisio pós UTI / internação hospitalar. O exercício proposto pela fisioterapeuta era o de fazer cinco respirações seguidas, com calma, oxímetro no dedo indicador. Eu, galhardamente erguendo o peso de meio quilo pra recuperar a força do braço  observava de soslaio a dificuldade dela. O seu esforço foi tão comovente que desandei num pranto constrangedor. Ela me perguntou: A senhora está bem? Nem consegui responder. Agradecida, continuei os exercícios com vigor novo.

Sinto que a vida funciona melhor quando fazemos avaliações amiúdes, desconsideramos pequenas chatices e buscamos o lugar onde nos sentimos bem. Essa busca é dinâmica. Um caminho menos fácil e - fundamental - é resgatar as partes boas dos descartes que, magoados, jogamos fora. A vida decanta as importâncias. Fazemos concessões, claro, mas só as que não nos perturbe ou aborreça. O "não custa nada" na maturidade é de fato, o que nada custa. 

Com o Natal entrando pela porta e o Ano Novo espiando pela janela desejo que a esperança que nos move se transforme em dias com mais saúde, alegria e oportunidades para todas as pessoas, de todos os lugares. A utopia é o que nos faz dar o próximo passo.

Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.