sábado, 31 de dezembro de 2016

Aos Meus Queridos Leitores.....

"Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada."
                           Fernando Pessoa 



Foi por premência e necessidade que comecei a escrever em meados de abril passado. Começaram - as palavras - a dançar ante os meus olhos exigindo uma atenção que eu não estava disposta a lhes dar. Mas elas insistiram, teimosas e impertinentes como uma criança que puxa a barra da saia da mãe a exigir atenção. Fui me arriscando com cuidados e sem saber no que aquilo ia dar. A minha alma andava inquieta e acredito que usou o expediente de me forçar a escrever para que eu desse atenção a ela. E foi com textos tímidos e curtos que fomos nos aproximando e foi desse jeito que fui trazendo-a de volta porque ela, pelo descaso, andava arisca e desconfiada. E assim fomos nos harmonizando - minha alma e eu - e agora estamos como queijo e goiabada.
Nesses tempos de  redes sociais, de conexões 24 h via internet, esquecemos aquela - primeira - que devemos manter com a alma que nos habita.

Uma coisa leva a outra e me vi criando o blog 60 e agora? e comecei a publicar meus textos e receber retorno e - de repente - descobri que tinha leitores. Foi um susto misturado com emoção e, engatinhando como estou nesse ofício de escrever, ainda fico um pouco constrangida quando pessoas me dizem que se sentem afinadas com o que escrevo e compartilham e outras pessoas leem e também reagem.
Reação é a melhor resposta para qualquer atitude que tomamos na vida. Serve para nos estimular e legitima o que fazemos quando é positiva e nos força a refletir quando é negativa. Nos torna visíveis, nós, os que começávamos a nos conformar em ficar na sombra. E me convenço de que temos uma inclinação natural para a luz e que as sombras nunca deveriam nos bastar.

E ela, a minha alma, que começou tudo isso, fica feliz, feliz e me diz: Viu, eu disse que acreditava em você! Agora somos parceiras, escrevemos a quatro mãos. Nos fazemos companhia e nos apaziguamos. Nada tem tanta urgência no tempo de agora. O paradoxo é este: quanto menor o tempo de que dispomos mais cadência e calma nos permitimos. Impaciência é coisa de quem tem tempo.

Bom Ano Novo e que a saúde nos faça companhia todos os dias.

















quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O Tempo e as Festas

"Uma parte de mim é permanente;
  outra parte se sabe de repente."
                         Ferreira Gullar


No dezembro que adquiriu velocidade própria e que, numa vertigem, nos colocou lá, no primeiro dia do ano novo em praias cheias de restos e lixos, o que fizemos com os 31 dias do mês passado no automático? Desperdiçamos, no frenesi de gastos e desgastes, as 24 horas que continuaram a compor o dia?

Persigo sentido e quero qualidade para usar o tempo que é meu com alegria. Tomo consciência de mim para sentir o prazer da vida, ali, onde ela acontece. Para conseguir isso me coloco como espectadora nesse afã de shoppings e filas, e me vem uma paz  como nunca senti antes. Quero, neste fim de ano, confraternizar com as pessoas que me importam, com excelência e afeto. Estocar alegria para resgatá-la quando a vida me colocar contra a parede. Ando egoísta eu, e ando exigente. Escolho relações - oh! privilégio! - nas quais confio e que confiam em mim. Despojada de certezas que se esvaíram, trago a alma leve e limpa. Só cabe coisa boa nela. Não sabemos de quanto tempo dispomos, mas podemos fazer o que estiver ao nosso alcance para que este tempo valioso seja gasto com a melhor qualidade possível.
Acho que esta é uma boa definição do que seja luxo.
 

Uma foto postada numa rede social por uma amiga minha me emocionou ao ponto de eu largar tudo o que estava fazendo e escrever, de um  fôlego só, este texto que - espero - estejam lendo... a foto é assim: minha amiga bonita está, junto com o pai de 94 anos, em frente a árvore de natal, linda, montada pela irmã. Estão ótimos, ambos, mas o que me comoveu foi o senhor, digno e firme, orgulhoso em dar o braço à filha, numa eloquente alegria pela festa que vai compartilhar com a família.
Nesse momento, a festa de natal fez sentido.



É o que desejo para cada um de nós neste dezembro. Que a gente possa participar de festas boas e que as pessoas ao nosso redor, aquelas com quem estamos erguendo brindes e dividindo perus e presentes sejam importantes em nossa vida, as que respeitamos porque nos respeitam e que são  necessárias para que sejamos melhores e mais felizes. Parentes ou não. Familiares ou não. Que nos unam os laços invisíveis do amor e da cumplicidade e que o prazer de estar junto seja a força motivadora da nossa alegria. Que não nos sujeitemos - nós, os que aprendemos a dar valor ao tempo que nos pertence - em participar, forçados por conveniências que não são nossas, de festas onde não nos sentirmos acolhidos. Devemos usar, sem parcimônia, o "direito adquirido" que a idade nos concede para escolher o que nos proporciona conforto e diversão.
Feliz Natal! E um Ano Novo mais fraterno e mais justo para todos.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Invisibilidade e Fragilidade

"Ah, ser somente o presente:
       esta manhã, esta sala."
              Ferreira Gullar

De uma hora para a outra percebemos que somos invisíveis. Assim, de repente, parece que ninguém nos enxerga no ordinário dos dias. Queixa generalizada da maioria dos que chegamos na maturidade,
assimilamos essa nova realidade que terá o peso que dermos a ela. Fiz assim: quanto mais era ignorada, por invisível, mais me abria para dentro decidida a me enxergar e, como gostei do que vi, resolvi esse assunto. Para o bem ou para o mal, insisto e persevero quando acredito.
Sendo assim, " abrir para dentro" deixa de ser contraditório e nos tranquiliza. 

Legitimando o ditado antigo de que "a união faz a força" temos, na manga, um precioso coringa:
somos muitos e o número aumenta sem parar. Nada, mas nada mesmo, é melhor e mais gratificante, no tempo nosso de hoje, do que ser compreendido pelo outro que sente exatamente o mesmo que sentimos. Ele sente igual e isto dispensa exaustivas explicações. Basta estar! É o que mais próximo chegamos de "comunhão" aqui, sem o sentido religioso. É quase como se sentem os adolescentes, só que não temos mais "a vida inteira pela frente" como eles.
Nossa urgência é mais dramática.


Dividindo interesses formamos a nossa turma e é com ela que trocamos alegria, realizamos planos - aqueles que chamo de possíveis - fazemos bons programas e nos divertimos bastante. Como nos enxergamos uns aos outros e ouvimos as queixas recíprocas, sempre muito parecidas,
não nos importa se somos invisíveis para os que não nos enxergam. Com auto - estima e estimados pelos que nos são caros, pouco nos afeta se nos enxergam ou não.
Porém, a passagem pelo tempo nos desgasta e fragiliza e, apesar de independentes, somos mais lentos, mais dispersivos, temos mais dificuldade em acompanhar as mudanças vertiginosas dos últimos anos, principalmente na tecnologias que vieram para facilitar o dia a dia. Temos aptidões diferentes claro, e variadas dificuldades.
Devemos ser generosos conosco. Precisamos respeitar nosso ritmo.


Por gosto, penso palavras desde menina. Acredito que ela  - a palavra - elucida e resgata e é com o uso que faço dela que me acerco de mim e me aproximo do outro. Mas tenho bastante dificuldade em, depois de vertida e transformada em texto, colocá-la nas mídias, nas plataformas digitais, nas modernidades que não domino. Nesse momento quase sempre necessito de ajuda. Fico nervosa e confusa e tudo o que sei foge de mim, e tenho que pedir aos meus, de casa, que me expliquem mais uma vez e de novo, para no dia seguinte emperrar numa situação quase igual a do dia anterior. Eu, que me sei resiliente e forte e que elegi "coragem" como a palavra para me nortear nesse momento da vida, tenho que pedir para que me auxiliem novamente.
Nessa hora volto a me sentir invisível.









quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Desapego e Maturidade

"O Melhor o tempo esconde
   Longe muito longe
   Mas bem dentro aqui"

            Trilhos Urbanos
             Caetano Veloso




Das palavras  que viram moda e são usadas sem muito critério penso que desapego 
é uma das mais empregadas em ocasiões em que não cabe usá-la. Quando "damos embora " o que não nos serve mais estamos sendo práticos e organizados. Nossa casa funciona melhor e ainda ajudamos outras pessoas que farão bom uso do que nos atravancava os armários. Dá trabalho e nos faz bem, mas não muda a nossa maneira de sentir e nem o jeito como levamos a vida. Não creio que isso seja desapego.

Nos desapegamos quando, nos caminhos que são nossos, começamos a duvidar de certezas que trazemos incorporadas desde sempre e que nos nortearam em outras fases da vida. Começa com uma inquietude, com mal estares que resistimos em admitir porque sentimos que sinalizam para finitudes que tememos enfrentar. Abala e altera convicções. Nos tira o chão. Desapegar é um ato de força e coragem que só conseguimos realizar quando a dor de permanecer é maior do que a dor de deixar ir.
O desapego transforma e rearranja o rumo da caminhada.

Penso que é a Maturidade que nos possibilita as condições favoráveis ao exercício dos desapegos. Acho tolos eufemismos do tipo "Melhor Idade" como referência à faixa etária na qual me incluo. Assim como não me agrada  "Terceira Idade" e afins... Estamos envelhecendo bem, nós, os nascidos nos entornos dos anos de 1950 e somos ativos e atuantes no nosso tempo de agora. Se formos maleáveis e curiosos, criamos condições de manter uma vida boa.

Me dou conta de que, do costume que tenho de pensar palavras que expressem melhor o que sinto e, de posse delas, vertê-las de mim para que eu mesma faça sentido, comecei um novo oficio - este - de escrever, que liberta e acrescenta. Sempre é tempo para novos começos...

Na poesia linda que é a letra de Trilhos Urbanos, Caetano Veloso canta a sua " Santo Amaro natal" e nos alerta que a nossa essência trazemos conosco. Mesmo que o tempo e a lida da vida nos faça esquecer do que guardamos de melhor, chega o dia em que, libertos do que não mais nos cabe - ela -  nossa essência - brota, e nos preenchemos do que de fato somos.












quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Por Quê Nos Explicamos Tanto?

"Eu vim com pão, azeite e aço;
Me deram vinho, apreço, abraço:
O sal eu faço."
                        (Millôr Fernandes in HAI-KAIS)

Livrinho de bolso que ganhei de presente do meu  filho, os HAI-KAIS, do Millôr, têm lugar cativo na minha cabeceira. Está à mão, junto com outros que ganhei de gente que me conhece e me quer bem. Gosto de relê-los - aleatória - nas madrugadas de insônias eventuais. Tenho recortes de jornais, de crônicas e ensaios, abastecida que sou por amigos que a vida colocou no meu caminho conforme a absoluta máxima de que Deus, o Generoso, escancara amplas janelas onde a vida fechou portas estreitas. Leio um pouco e depois durmo outra vez, cada vez mais convicta de que quem gosta de um bom livro sempre estará na mais fina companhia.
São diversificados os prazeres da maturidade.

A mais elementar regra de economia, já dizia meu pai, nos ensina  que o mercado é regulado pela  lei inflexível da "oferta e procura". Se adaptarmos este conceito a nós, os maduros, veremos que a oferta de que dispomos - o tempo - é menor do que a procura do que ainda queremos. O que podemos fazer, numa análise objetiva dos recursos, já escassos, de que dispomos? Creio que um bom começo é perceber o que nos interessa e nos alegra e, como não podemos perder o foco, para não desperdiçar nosso "ativo precioso", precisamos agir imediatamente na defesa dos nossos interesses. Como começar?
São urgentes os prazeres da maturidade.

Penso que a primeira atitude seja a de parar de nos explicar e de nos justificar num esforço inútil de convencer quem quer que seja de que somos corretos e leais. De que somos confiáveis e de que temos um robusto retrospecto de exemplo, de coerência e de decência. Não temos" boas intenções". Somos pessoas boas. Não precisamos provar nada pra ninguém, mas devemos nos tratar com gentileza.
Se for necessário explicar o que fizemos ou deixamos de fazer estamos nos desperdiçando.
Bons amigos e bons amores não precisam de explicações. São relações de confiança recíproca.
São confortáveis. Dão paz. Trazem alegria.
São equilibrados os prazeres da maturidade.














segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O Que Queremos? O Que Buscamos?

Desejamos uns aos outros, nas  festas e celebrações, "sinceros votos de felicidades, saúde, amor e paz".  Muda um pouco aqui e ali, mas é isso, e no mundo todo. Dos quatro, o único que é fácil de entender é o da saúde. Ao desejar saúde para alguém, a nossa intenção é a de que a doença fique longe de quem queremos bem. Daí em diante a coisa complica. Felicidades - como se fosse coisa pouca - já vem no plural e é de todos os tipos. E  amor? E paz? Demais, assim, para vir tudo de uma vez só.

Penso que a paz é a condição indispensável para termos, na medida do nosso possível, acesso aos outros três cobiçados estados de corpo e espírito. Estar em paz é resultado de um enorme trabalho de auto conhecimento e de liberdade interna aos quais chegamos quando internalizamos o que nos identifica e onde nos reconhecemos. A paz acontece quando nos autorizamos a ser o que somos e quando o que nos afeta e abala não nos desconstrói. Aprendemos a reconhecer o que nos faz bem e a descartar o que nos entristece e prejudica. Enfrentamos percalços e problemas, claro, mas não perdemos o chão e restabelecemos o rumo com mais facilidade. Como todas as coisas, a construção da paz é contínua, nunca está pronta.

Todos queremos acolhimento e reconhecimento e penso que é disso que falamos quando mencionamos o amor. Sentimento validado somente com comprometimento e reciprocidade, o amor tem incontáveis versões e expressões, mas nunca prescinde dos ingredientes acima para existir e se firmar. E, como a paz, necessita de atenção e ajustes para que se fortaleça e resista. Observando melhor, manter a saúde também exige cuidados e hábitos constantes para que não nos falte.

Falo com o olhar que trago da vida que já vivi. Creio, firmemente, no aprendizado constante que extraímos do viver.  Ninguém disse que é fácil, porque não é mesmo. Mas nos proporciona momentos bons de alegria e comunhão. Como os que trocamos com os variados amores que temos, com a paz que nos acompanha e com a saúde que mantemos.

Acho que  tudo junto é o que chamamos de  Felicidade!







sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Gracias a La Vida !

"Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro..."

Composição da chilena Violeta Parra, "Gracias a la vida" é considerado um hino humanista e transformou-se, na voz da argentina Mercedes Sosa, no símbolo da cultura latino americana.
Canção preferida do meu irmão caçula - a quem a vida ficou devendo, e muito - esta letra é uma oração de agradecimento e alerta a todos os que temos opção. Se não sempre - admito - mas "no mais das vezes."

A menina representou, no espetáculo de dança do colégio, a artista homenageada, quando pequena. Feliz com a performance  que seu esforço recompensara, ela queria comemorar com a família. Valorizar os feitos infantis com apreço e respeito é uma das melhores coisas que podemos fazer pelas nossas crianças e pouco tem a ver com dinheiro. E entre brindes e batatas fritas, entre risos e panquecas, entre casos que uns contam e os outros comentam, a mãe, sentada na cabeceira da mesa, observa  que os filhos, morenos e parecidos, começam a revelar os primeiros cabelos brancos. E se dá conta de que suas crianças estão ficando grisalhas. Diverte-se, pensando que é a única adulta que não os tem. Os do genro, loiro, não aparecem.
E ali, no bar perto do teatro, ela entende que tudo está bem. Tudo está no lugar. Todos estão como deve ser. Ela, principalmente. E sente um contentamento agradecido pela família que tem e por aqueles filhos que, diferentes e coerentes tocam a vida, cada um do jeito que é.

Percebe-se - e pensa que, do agora - quer um lugar na janela, para sentir a brisa e aproveitar a paisagem, ouvir sinfonias e assistir espetáculos. Desafinar no canto e desajeitar na dança também vale, desde que seja divertido. Dispensa a primeira fila, nada de pressa e afobação. Seu tempo é o de usufruir. Tem acontecido.



quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Tempo de Planos Possíveis

Da vida corrida que  nos encurta o tempo, devemos separar, como separamos o suco do bagaço da laranja, os significados para viver melhor e utilizá-los para realizar planos possíveis. Não é mais tempo de sonhos distantes, intangíveis, e não vejo melancolia nisso. Planos executados são motivadores pelo movimento e compensadores pelos resultados. É necessário, na idade em que estamos, escolher o que é possível realizar com as opções que dispomos. Não é tempo de lamentar, empacadas nas aflições que nos tiram sono e sossego. É possível escolher como lidar com elas em nosso benefício. Merecemos nos dar o tempo para nos recuperar das ciladas que a vida apronta mas, também, fixar um prazo para colocar ponto final no que não nos serve mais. É hora de decisão. Tudo tem prazo de validade, de iogurte  a sofrimento.

Criei, para mim, um método que tem funcionado bem. Às segundas-feiras faço um balanço da semana que passou. É simples, uma continha de somar e diminuir, aritmética básica. Como me imponho um olhar positivo, chego na terça com saldo na conta. Elegi as terças-feiras como o" Dia Dos Afetos Escolhidos" e, com a conta no azul, saio para meus compromissos disposta a trocar meu estoque de alegria e - como se trata de uma troca - sempre volto com saldo. Assim, vou até a próxima segunda, dia de atualizar as contas. Desde modo, fazendo o balanço semanal e gastando felicidade no justíssimo sistema de troca, acontecem duas coisas indispensáveis para que a vida flua mais leve. Primeira, atualizo meu sistema de gratificação pessoal e segunda, me mantenho atenta para que o saldo de energia boa que tenho no estoque nunca fique perigosamente baixo. Mudar o modo de sentir é o resultado de um grande - e racional - esforço que fazemos para - antes - mudar o modo de pensar.

Vamos criando laços e abrindo novos espaços e a vida fica interessante, com mudança e movimento.  








quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A Carta Que Não Escrevi

Ultrapassada a barreira dos 60 anos, já de posse do Cartão de Idoso - esse crachá gigante que todos conhecemos e nos facilita a vida - me ocorre que, no dia em que chegamos em casa com ele, deveríamos sentar e escrever uma carta com letra cursiva e caprichada, em papel pautado, (procurando um pouco a gente encontra) usar um envelope branco, de boa gramatura, e envia-la pelo correio para o nosso endereço e em nosso nome. Um ou dois dias depois a gente a receberia.
A minha seria mais ou menos assim:

Querida,

Quando deparei com você e seu crachá me dei conta que já se foram 60 anos da sua vida. Voaram, com a brevidade de um sonho ligeiro, e a mim também soa estranho ouvi-la dizer que tem 60 anos.
Gostaria de saber o que você fez com eles, como os gastou, o que usufruiu, porque, você sabe, às vezes as horas demoram muito a passar, alguns dias parecem que não terminam nunca - mas os anos - ah! esses sempre voam. Bem - respondi - não tenho nada de muito extraordinário para contar. Fiz da minha vida o que acreditei que fosse o certo. Acertei e errei, como a maioria de nós. Cuidei. E perseverei.

Mas este crachá gigante e impertinente me alerta para que eu refaça planos porque, você sabe, de vez em quando precisamos abrir a estrada para continuar o caminho. Penso que por mais diferentes que sejam as vidas que levamos, nós, mulheres, somos muito parecidas. Ficamos felizes se nossos filhos estão felizes, nos orgulhamos com seus sucessos e sofremos por eles quando não estão bem. Como todas as mães, espero que meus filhos me liguem para me contar da vida deles e perguntar da minha. Se moram perto, espero que venham me ver pelo mesmo motivo. A família sempre é senhora do nosso primeiro olhar, primeiro interesse e amor maior. Como todas as avós, transbordo de amor e encantamento pela minha neta para quem peço proteção e bençãos em todos os seus dias.
E sigo.












quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Tempo de Perguntar

Primeira geração de mulheres que chega à maturidade após as grandes conquistas do feminismo e dos avanços da medicina, não nos enquadramos nos esteriótipos das vovós que - e apenas uma geração nos separa - foram nossas mães. Elas tinham destino traçado. Cuidavam da família e depois cuidavam dos netos, também. Ninguém  perguntava o que queriam e como se sentiam - nem elas!
O que mais nos distancia da geração de nossas mães é justamente isto, temos planos e urgência em realizá-los, mas a nossa pressa obedece a um ritmo próprio, sem afobação. Queremos, principalmente, nos divertir.

É tempo de fazer perguntas que nos ajudem a viver com mais qualidade e com mais prazer. A primeira que devemos fazer é "Com Quem Quero Sair Para Passear?" Quem, dentre os afetos antigos, que ficaram, e os novos, que chegaram, é a melhor companhia para repartir alegrias? Discutir um filme? Repartir risos, jogar conversa fora, ir pra Paris, tomar um chopp na esquina? Trocar felicidade, enfim?

A qualidade das trocas que só bons relacionamentos proporcionam é um bônus que colhemos na maturidade. É cumulativa, não aparece de uma hora para a outra, é resultado de anos de escolhas que fazemos ao longo da vida. Fomos treinando, com a lida, para perceber o que nos deixa mais felizes e criamos vínculos com as pessoas que têm uma troca boa conosco. Trocar é uma estrada de mão dupla. Precisamos acolher para ser acolhidos. Muitos nos queixamos da sensação de invisibilidade. Sentimento democrático, atinge homens e mulheres em todos os extratos sociais e culturais. Já achei pior, hoje penso que ruim mesmo é quando não nos enxergamos, quando não percebemos quem somos e o que queremos, aí sim, teremos um grande problema.






























segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Nome Novo da Cor

As cores são usadas, no mundo inteiro, como símbolo e representação. Países são reconhecidos pelas cores da sua bandeira, instantaneamente. Colégios, clubes, times esportivos etc ... são identificados pelas cores. A paz é branca, o luto quase sempre é preto e o mundo é colorido. A vida sem cor seria uma tristeza.
 As cores são usadas para alavancar vendas em todos os setores da indústria. Vamos focar na MODA.

Os estilistas de moda precisam criar novidades a cada coleção e eleger a cor da estação é uma poderosa estratégia de vendas. Escolhida a cor do ano é preciso despertar, nos consumidores, o desejo por ter uma roupa naquele tom. E o que eles fazem?
Mudam o nome dela! Mudam o nome da cor! Suponhamos que a roxa seja a escolhida. Você quer uma roupa roxa? Pois é, nem eu. E nestes tempos de alimentação saudável, de orgânicos, de sementes e vegetais, nada é mais TOP do que a berinjela. Associa-se saúde com moda. As pessoas comem berinjela e vestem berinjela. São modernas e saudáveis.

Há alguns anos inventou-se off-white, que já se tornou um clássico. Imagino minha mãe, categórica: "branco encardido, isso sim!" Mas ajuda a economizar porque uma camisa branca tem uma boa sobrevida sem fazer feio. Com o uso vai-se transformando em off-white. Acho que é por isso que a cor pegou.
E o nude? Aqui a mudança foi mais profunda, fundiu, em um nome só, cores e tecidos, juntou os bejes, cremes, areias, tons que apareciam em cetins e tafetás e que serviam para forros ou lingeries de uso exclusivo nas intimidades, e passou a desfilar em tapetes vermelhos, em bailes e festas, chiques, escorregadios e desinibidos e me pergunto: o forro dispensa forro?

Sem falar nos cinzas, que já começam em 50 tons. Mas isso é outro assunto.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Dos Livros Que Não Roubei

Tenho uma amiga que me empresta livros. Dia desses me veio com um, fininho, e disse  "esse você lê de uma pegada só". Li em duas. Livro denso, daqueles que entram direto e fazem liga com o que conhecemos, trata dos desencontros, do nunca dito, do que se supunha que seria... uma sucessão de equívocos e de mal - entendidos. Conta a história de um jovem casal que se separa, definitivamente, na própria noite de núpcias, onde cada um, no início dos anos sessenta - sujeitos à regras definitivas - segue a cartilha do comportamento "esperado". Cada um no seu papel. Foi um desastre e uma tragédia que entristeceu e atormentou a vida de ambos.

Inexperientes e desajeitados - onde um não teve culpa o outro não teve razão  - ambos foram vítimas dos tabus que infernizam a vida. Se tivessem se dado o tempo de que precisavam, o episódio poderia ter se transformado em uma lembrança divertida na vida de ambos. Não conseguiram. Nunca mais se falaram. Riscaram-se, mutuamente, um da vida do outro. Não passavam mais por caminhos percorridos juntos, alegres e felizes. Não frequentaram, nunca mais, os lugares onde estiveram. E esse evitar consciente serviu para manter a mágoa viva. Tornaram-se, um na vida do outro, uma ausência mais presente do que se estivessem juntos. Foram vítimas, também, da própria rigidez. Como nunca conseguiram conversar sobre o que ocorrera, a coisa ficou assim, mal resolvida, e a página nunca foi virada.

É um alívio saber que tabus foram sendo derrubados, um a um, e os preconceitos são combatidos e condenados todos os dias. Os costumes mudam, o certo de ontem não é mais o de hoje e quanto mais conseguirmos reavaliar certezas e até mudar de opinião, mais teremos ferramentas para ir tocando a vida. Talvez, com o tempo, consigamos resolver as pendências que foram ficando pelo caminho - e, se não for possível com os desafetos - é imprescindível ter flexibilidade para "ficar de bem" conosco mesmos. E virar a página.

 










 






sábado, 10 de setembro de 2016

Fragmentos de Conversas.

Dos pedaços de conversas que ouvimos, ao cruzar com outros caminhantes, alguns despertam tanto o meu interesse que tenho de me conter para não dar meia volta e ir atrás dos falantes para, disfarçadamente, me inteirar do desfecho do assunto. Dia desses, caminhava pelas calçadas da rua onde moro quando cruzei com duas pessoas que falavam sobre aulas de meditação. Dizia uma - ele é bárbaro, amei! E a outra - sabia que você ia adorar porque... e eu, consternada, não consegui ouvir mais nada ...

Assunto pelo qual tenho curiosidade, suponho que a pessoa que se dedica a dar estas aulas tenha formação que a capacita a aplicar técnicas que induzam o aluno a meditar. Até aí tudo bem. Mas o que é meditar? Como sabemos que estamos meditando? Procurei me informar sobre o assunto e concluí que meditar é -  aplicando técnicas de relaxamento, conseguir concentração suficiente para, desligados do burburinho do nosso entorno, refletir e ponderar na busca do auto conhecimento. Os professores entram para ajudar a nos recolher e apaziguar o espírito. Mas, a partir desse estágio, o serviço fica por nossa conta e risco. Meditar é uma atividade de dentro para fora. É a partir de quem somos, do que temos e no que cremos que encontramos os conteúdos para a meditação.

Não vejo meditação como um  "Curso" com começo meio e fim. Penso que é algo que incorporamos na vida do dia a dia e que nos ajuda - a partir de nossas verdades e das nossa convicções - a viver melhor, conosco e com o outros.








sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Velhos Ditados Novas Leituras

"Quem Planta Colhe"

Nem sempre. Às vezes perde-se toda a safra pelos mais variados motivos. Excesso de chuva ou falta dela, frio ou calor em horas erradas, pragas, etc...etc...
Todo mundo que planta sabe disso, no entanto continua a plantar e planta de novo porque é aquilo que sabe e é aquilo o que faz. Quem planta, persevera. Perde-se uma safra hoje, ganha-se outra amanhã.
É da lida, compensa e equilibra.

"Aqui se Faz Aqui se Paga"

Concordamos que a conta existe e persiste até que seja paga, porém, às vezes, acontece que o sujeito que paga nem sempre é o mesmo que contraiu a dívida. O que observamos é que esta dinâmica é como uma onda, então chega a hora em que alguém paga a fatura do cara que pagara a dívida que não era sua e o equilíbrio se restabelece.
O importante é continuar abrindo e pagando contas que, mesmo não sendo nossas, são "de nossa conta".
 ´
"Não é Bom Fechar Portas"

Aqui também a coisa é relativa. Fechar algumas portas, às vezes, é indispensável para que recuperemos a posse da própria casa. Quando deixamos muitas portas abertas na intenção de entrar e sair a qualquer momento, esquecemos o que elas encerram, o motivo de estarem abertas.
É importante  perceber quais as portas que queremos que fiquem abertas para que o ar circule e traga frescor ao ambiente. Só por isso é devem ficar abertas. Do contrário são como aquelas portas que rangem nas dobradiças enferrujadas e ficam batendo e batendo num ir e vir torturante.

"Foi a Gota D'Água" 

Controverso porque incompleto - identificamos a gota que transborda o copo - mas não percebemos que aquela é a mesma que liquida o assunto. Seguimos com o copo cheio derramando água, molhando o chão e escorregando na poça que nós mesmos criamos. Seguimos com o copo cheio tentando um equilíbrio impossível, fazendo malabarismos que nos tolhem os movimentos porque nos deixa com um braço só para fazer todo o resto.

"Quem Tudo Quer Tudo Perde"

Ditado que encerra em si um equívoco. Quem tudo quer não perde nada porque nada tem.











domingo, 28 de agosto de 2016

Comprometimento e Foco

 Foi ontem, e foi um sucesso, o evento organizado pelos responsáveis e pelos alunos cantores do Papo Coral, grupo infanto-juvenil da  Paidéia Escola de Música de Curitiba. O programa começou bem e, desconfio que por isso mesmo, acabou melhor.

Almoço preparado por mãos competentes, tudo foi feito para ser muito bom.
Das folhas orgânicas, das berinjelas, dos pães -caseiros - que chegaram quentinhos à mesa, até as massas e molhos e bebidas e sobremesas e café - o padrão ficou lá em cima - onde fica tudo que é feito com cuidado e capricho.

Mesinhas charmosas com toalha xadrez, arrumadas pelos cantores do Papo, deram o toque alegre no dia azul que teve a cumplicidade luxuosa da nossa Curitiba, meio instável, mas que revelou-se amante da música. O espaço, perfeito, foi gentilmente oferecido pela avó de uma das meninas. Ah, as avós! que, com a lida da vida, já sabemos o que vale a pena.

E teve cantoria, como não poderia deixar de ser, e bingo e venda de bolos e doces e fluiu, o tempo todo, a alegria boa que brota da parceria. Grupo heterogêneo, diversificado e, por isso mesmo, estimulante e enriquecedor, trabalha com o objetivo comum de levantar fundos para viabilizar a viagem do Papo Coral para a Itália em 2017. Vem mais coisa por aí. Aguardem!









quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Sobre Enganar e Iludir / Três Textos Breves.

Primeiro Texto

Antigamente existiam golpes nos quais incautos "compravam", por pechinchas, monumentos históricos, pontes famosas e afins. Eram aplicados " à larga", tanto que viraram piada nacional. Com o tempo foram substituídos por vendas de "bilhetes premiados de loteria" e outros golpes similares. Têm, em comum, além da ingenuidade da vítima, a sua pretensa "esperteza". O indivíduo entra de gaiato, mas pensa que está levando uma enorme vantagem. Quando percebe a furada, geralmente fica quieto porque sente vergonha de ter sido tão tolo.

Segundo Texto

Hoje, com a tecnologia à disposição do bem e do mal, as coisas ficaram mais sofisticadas. Os golpes são mais sutis e arriscados para os meliantes, o que não os impedem de agir. Correm mais riscos, mas confiam no talento que têm de enganar e iludir. Dia desses eu mesma caí em um golpe, moderno, no banco onde tenho conta à 40 anos. Um meliante, portando  "crachá", se colocou à minha disposição para me auxiliar. Cheguei a argumentar que sabia usar os terminais de auto atendimento e que só pretendia fazer um saque de R$ 150,00. Me tirou R$ 3.000,00. Percebi, quase imediatamente, que fora vítima de um golpe. À partir daí começou o calvário. E toca a falar com o gerente, explicar o passo a passo, fazer B.O. na Delegacia de Estelionato, voltar ao Banco, escrever, de próprio punho, a história para ser anexada ao que já tinha sido narrado na Delegacia. Foram horas de idas e vindas, explicações e espera. Tenho que aguardar 30 dias para a decisão do Departamento Jurídico do Banco. Tive de cobrir o saldo negativo que ficara na minha conta por conta dos juros, que estaria pagando à partir daquele dia. É como se fosse um segundo assalto, agora, institucionalizado.
O sentimento é de humilhação e de vergonha, por ter sido crédula e tola. A diferença, enorme, em relação ao primeiro texto é que eu não pensei que estava levando vantagem nenhuma. Cheguei a pensar - e só aqui admito a minha ingenuidade - que o banco estava com uma política nova, de tratar os idosos com mais cuidado e consideração.
Foi um daqueles casos de estar no lugar errado na hora errada. Acontece.

Terceiro Texto

Muito mais difícil e de custo não mensurável em dinheiro e, por isso mesmo, muito mais caro, é quando convivemos -  às vezes por anos, e até por décadas - com pessoas assim, que sentem prazer em enganar e iludir e  não percebemos porque confiamos cegamente nelas.
Como no Banco, onde precisamos cobrir o negativo da conta porque - bem ou mal - fomos nós que liberamos o crédito ao meliante oportunista, na vida também fomos nós que nos deixamos enganar, então esta é, também, uma dívida nossa.
A diferença, aqui, é de que somos nós os credores da nossa própria dívida e é conosco mesmo que devemos fazer o acerto.


terça-feira, 9 de agosto de 2016

De "Sem Glúteo" a "Tipo Virgem"

No rótulo do pacotinho de biscoito de polvilho destacava-se a informação de que o produto "não contém glúteo" o que me deu um alívio imenso porque, apesar de matéria prima que abunda (e não peço perdão pelo trocadilho) nos quatro cantos desse mundão de meu Deus, calculo que a logística de colocar, mesmo que ínfimas porções de glúteo em biscoitos de polvilho seja tarefa dificílima e altamente onerosa, o que impossibilitaria a demanda do biscoito, barato e corriqueiro. Além disso, seria crime, não? Enfim, que alívio!!

No entanto, qualquer um de nós que saia para comprar azeite de oliva em qualquer local que comercialize o produto, encontra prateleiras cheias de versões baratas, de marcas bem conhecidas ou não, onde a informação é de que o produto é do "Tipo Extra Virgem" ou do "Tipo Virgem".
Não sou profunda conhecedora de como se fabrica azeites, mas, grosso modo, sei que o extra virgem é extraído das azeitonas em uma primeira prensagem mecânica, à frio, o que resulta em um óleo de baixíssima acidez. São azeites bons e bem mais caros do que os que citei acima. O que não entendo é o que significa a expressão "Tipo Virgem" ou, pior ainda "Tipo Extra Virgem". Ou é virgem ou não é!

Na questão do "glúteo" penso que a pessoa responsável pelo texto no rótulo estava distraída com outros assuntos ou não sabe a diferença entre glúteo e glúten. Ou foi distração ou ignorância.

Em relação aos azeites descarta-se, de imediato, a possibilidade de haver distração porque aparece em muitas marcas, e também não é ignorância, pelo mesmo motivo. Sendo assim, sobra a alternativa de que seja simples má fé.



quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Outra Festa de Babette !

O filme dinamarquês de 1989, "A Festa de Babette" celebra o prazer à mesa. Quem já assistiu sabe que a heroína do filme teve de se esconder numa aldeia perdida por um pecado que não nos interessa aqui. E que, tendo ganho um dinheiro inesperado, gastou tudo em um banquete que preparou para as pessoas da aldeia. E foi um congraçamento, uma comunhão em torno à mesa que alegrou todos os comensais.

Dias atrás participei de um jantar de alegria e muita felicidade. Todas estávamos na intenção de dar o nosso melhor. Já chegamos rindo, felizes com a perspectiva do que nos esperava. Fomos recebidas por uma anfitriã de sorriso franco e com cozinha perfumada de alecrim.

À partir dali, as engrenagens do bom convívio começaram a se mover, azeitadas do jeito certo. Virou um afã! Enquanto uma auxiliou na panela do risoto, a outra, especialista em drinques começou, de imediato, a preparar o Negroni, sua especialidade. Outras foram atrás de taças e copos para os brindes que se repetiram e repetiram sempre com novas intenções. Comida farta, preparada com a exatidão conseguida por anos de prática, tudo estava perfeito. Tudo estava muito bom. Todas estavam á vontade. Como tinha muito de tudo, e sem nenhuma cerimônia e nenhum constrangimento, trouxemos o que sobrou. De sanduichinhos presos com fitinhas de cetim, até maionese de camarão e
e pedaços, generosos, de salmão.

Penso que reuniões assim acontecem à partir da percepção que aprendemos a ter do outro, do cuidado e atenção com o jeito de cada um. Aprendemos, de nós, quando percebemos o nosso entorno. Temos de entrar com a pontinha dos pés, com cuidado e devagarinho... e usar nossa prática de viver em benefício próprio, porque é para ficar feliz e nos divertir que acolhemos o outro. Já aprendemos que todos temos algo a dar que acrescenta e enriquece.









domingo, 31 de julho de 2016

Todo Dia Todo Dia Todo Dia

"Debaixo d`água tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
todo dia todo dia todo dia."

Gosto das músicas e mais ainda das letras do Arnaldo Antunes. Esta é primorosa. Se não fosse o detalhe de ter que respirar... que bom seria. Fala de situações idealizadas, que acreditamos que são perfeitas, onde só existem prazer e completude... mas, apesar de todas as vantagens, com a rotina inevitável dos dias nos percebemos sufocados, em desespero por colocar a cabeça fora d'água, encher os pulmões de ar e sair correndo. E fazemos um novo arranjo e - este sim - é o lugar perfeito, agora eu vou ser feliz! até que tudo se repete... e repete tantas vezes quantas as que repetirmos o mesmo pedido. Esperamos que a felicidade caia sobre nós como mágica e ali se instale e funcione para sempre, amém. Alguns de nós aprendem que não é assim que funciona. E aprendem com muito esforço e sofrimento.

É preciso parar para se conhecer. É o "Conhece A Si Mesmo" que vem lá, dos gregos antigos, e não por acaso. Guimarães Rosa em Grandes Sertões nos ensina que "Passarinho agachou, o voo está pronto." Significa que precisamos nos recolher, nos preparar para saber aonde queremos chegar.
Assim, sabedores das escolhas que temos de fazer para alinhar-nos com a nossa alma, aumentaremos nossas chances de felicidade. Penso que o "segredo" seja exatamente este, perceber o que se tem e gostar da escolha feita.
Não é fácil mas é muito bom.














segunda-feira, 25 de julho de 2016

Moderno é Envelhecer Bem

Saio para caminhar levando lenço, documento e trocado no bolso. Prefiro os dias de sol e brisa leve. Dias amenos. Não corro e não exagero no percurso. Conheço os caminhos, sei dos desalinhos da calçada. Olho onde coloco os pés e, mesmo assim, às vezes levo uns tombos e me esfolo e me machuco. É o imponderável que nos alerta que a estrada é a mesma, mas a jornada é outra.

Enfrentar ventanias, só se forem absolutamente incontornáveis. Às vezes, basta virar a esquina, em outras é necessário sair da sala. Preservar-nos deve ser foco constante até que fique amalgamado na nossa natureza.  Muito do que acontece no entorno não é assunto nosso e, se nos colocarmos em segundo plano, logo veremos que as coisas se resolvem sem a nossa interferência. Aprender a sair de cena nos dá liberdade e, pasme! nos torna mais visíveis.

Disponibilidade sem nenhum limite é outro comportamento que precisamos reavaliar. Nosso tempo é precioso porque é mais curto e nos cabe gastá-lo com cuidado redobrado. Trocas de afetos sinceros e na companhia das pessoas certas é divertimento garantido.

E se nos for permitido fazer um pedido, façamos ao destino - o mais imprevisível dos senhores - que não faça nada, apenas não altere a ordem natural das coisas.



quarta-feira, 20 de julho de 2016

Tiro no Pé

Tenho um apartamento na praia que fica no primeiro andar, sobre a área das garagens. Deste modo o terraço é proporcional ao espaço que elas ocupam. A área útil, pequena e funcional, tem o  tamanho exato dos meus desejos, com portas/janelas que saem direto no terraço e proporcionam conforto e liberdade, principalmente nos dias muitos quentes, quando abrir o chuveiro "de fora" e, de roupa e tudo, tomar uma ducha pra refrescar é tudo de muito bom. E, no inverno, é ótimo para tomar sol.

Venho pouco para a praia por causa das contingências da vida, dos compromissos assumidos e, também, pelos prazeres de lá. Apesar de ter se transformado em um plano individual, continuo com a intenção  de vir para cá em um futuro não muito distante - havemos de ter sensatez para perceber o valor do tempo - e inverter  a ordem do que foi melhor até aqui. Com isso digo que Curitiba ficará como meu lugar de visita e, aqui, como meu lugar de morar.

Todo mundo que tem apartamento nessas condições sabe dos "lixos" que caem no seu terraço. Tem de tudo! Cotonetes e "camisinhas", papel de bala e chicletes mastigados, latas de cerveja vazias e balões brancos de Réveillon. Sem dúvida que aborrece e incomoda, mas também entope os ralos e represa a água da chuva, o que cria condições ideais para a proliferação de mosquitos, inclusive o Aedes aegypti, causador das doenças que, sabemos todos, são dolorosas e muitas vezes fatais.

 Eu gostaria de entender o que motiva pessoas adultas, que se entendem por educadas e inteligentes, a jogar lixo pela janela para cair no terraço do vizinho, quase literalmente, nos próprios pés.
Das poucas certezas que tenho, uma delas é a de que nada é mais democrático no mundo do que doenças. São democráticas e não são preconceituosas. Servem para todos e não poupam ninguém.
De algumas não temos como nos defender, mas de muitas podemos e devemos, principalmente das que surgem pelo relaxamento e descuido que temos com o descarte do lixo que produzimos, a começar pelo papelzinho de bala que, descuidadamente jogamos pela nossa janela.



domingo, 17 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção 3

Nos dois últimos escritos falei do bairro onde estou morando. É bom morar no Alto da Glória, pertinho do Juvevê, com suas ruas charmosas e radiais que me confundem e onde me perco e me acho para me perder novamente quase em seguida. Me perco de carro, ao tentar descobrir caminhos práticos para ir e vir com maior rapidez e também à pé, andando à toa. Aprender novos caminhos, na cidade e na vida, nos fornece ferramentas para nos reinventar quando a realidade nos impõe readequações no percurso. Exercita o cérebro e nos proporciona um "olhar para dentro", de modo que "perder-se" é condição para reencontrar-se.

Vim do Abranches, onde morei em um sobrado onde eu tinha uma roseira, duas strelytizias e um antúrio. Compunha belos arranjos com as flores e na falta delas, as folhas faziam bonito também.
Bairro que concentra um número expressivo de poloneses e descendentes, a vida social gira em torno da Paróquia e do Colégio. Fica no Abranches  um dos bares/restaurantes mais antigos de Curitiba onde a cerveja e  as comidas de boteco não decepcionam nunca. Uma maravilha!
Lugar onde o curitibano é mais contido, me emocionei quando, ao dizer que estava indo embora, todas as pessoas com quem estabeleci relações de camaradagem e apreço, curiosamente me disseram a mesma coisa  "Que Pena!"

Foi lá que deixei definitivamente de fumar, quando finalmente compreendi que precisava tocar a vida de um jeito meu, e que para conseguir faze-lo era necessário não só coragem, mas indispensável preservar a saúde.

Sem contar no churrasco de domingo, servido em mesas compridas, montadas sob as árvores onde as folhas criam desenhos de luz e sombra nas toalhas coloridas nos dias quentes de verão.







domingo, 10 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção 2

Firme no propósito de conhecer meu novo bairro fui até a Feira Livre que, dizem os moradores daqui, é a melhor da cidade. Feiras Livres têm isso em comum. A melhor é sempre aquela que funciona no bairro onde reside a pessoa que faz a afirmação e isso, por si só, é maravilhoso. Imagina se todos estivéssemos tão satisfeitos com o que temos ao nosso dispor. O mundo, de tão harmonioso, seria um tédio!

Saí sem carrinho e sem sacola só para dar uma espiada e tomar um pouco de sol. Dia ensolarado, de temperatura amena, a feira surge, comprida, na rua larga e bonita. Tem de tudo e muito. Barracas de pastel - orientada que fui para atentar para elas - com mesinhas e toldos coloridos, contei três ou quatro. Aliás, o bairro é forte no quesito pastel. Tem a pastelaria onde eles são enormes, servidos no prato e saboreados com garfo e faca. Um almoço. Já fui lá e é verdade.

A Feira toda é uma alegria! Organizada e colorida, iluminada pelo sol generoso da manhã, o violonista dedilha queixumes de amor de um lado enquanto o violinista, do outro, toca, solto, a Primavera de Vivaldi. No meio, a barraca de flores serve de anteparo para não misturar os sons e enfeitar a rua. Um luxo!

Determinada a ver o lado bom de tudo, não por ingenuidade ou por tardia "Síndrome de Poliana", mas porque acredito que os grandes eventos da vida já aconteceram, penso que precisamos perseguir as pequenas alegrias. Exercício racional, exige foco e atenção e assegura bem estar. Com sorte, daqui e dali, tiraremos bons momentos de felicidade. Futuro e maturidade são conceitos contemporâneos, coabitam o mesmo tempo e, paradoxal que possa parecer, é no presente que devemos conjugar nossos verbos.


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Mesma Vida Nova Percepção

Endereço novo, começo a me inteirar dos serviços que o entorno oferece. Bairro antigo que foi crescendo junto com a cidade, tem lojas, restaurantes, mercadinhos e armarinhos, feira, bancos e lotéricas, chaveiro e sapateiro e todos os serviços que pudermos imaginar para facilitar a vida e  economizar combustível. Aqui o comércio foi surgindo para atender as demandas. Sem planejamento formal, foram se ajeitando e se adequando, moradores e prestadores de serviço.

Já mudei muitas vezes. De estado, de região e de cidade. Moro em  Curitiba  há  muitos anos e este é o meu sétimo bairro e gosto disso. Ouço frequentemente, pessoas dizerem  "ah, não consigo me imaginar em outro lugar, tenho tudo aqui e todos me conhecem e eu os conheço. Tenho amigos, de quem sei o nome, conheço a família, sei onde moram". Concordo e entendo, mas temos de nos ajeitar com o que a vida nos oferece.

Cidades tem características próprias que as distinguem e personalizam; contém, dentro de si, bairros distintos, diferentes uns dos outros e que contribuem para a diversidade, rica e necessária, que, por sua vez, empresta ao todo parte da identidade que o caracteriza.

Cheguei aqui no tempo certo. Bairro de moradores antigos e de senhorinhas gentis que me cumprimentam no elevador e no mercadinho e me absorvem como parte, nada sei de particular sobre elas e elas nada sabem de mim.

O que distingue este bairro é a gentileza à moda antiga, a educação cálida e discreta que não exagera e nem se esparrama, do tamanho exato para nos deixar confortáveis. Se aprendemos alguma coisa ao longo do percurso, sabemos da importância das pequenas gentilezas, das breves atenções sinceras. Chegam, quase sempre, de onde não se espera e nos faz muito bem. O que ainda precisamos aprender e, de tão difícil, penso que não aprenderemos nunca, é não esperar olhar atento e tempo investido, de quem achamos que podemos esperar.


segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ética e Etiqueta

Assisti, em um clube de Curitiba, a palestra do Historiador, Filósofo e, antes de tudo, Professor Leandro Karnal, que falou sobre Ética, Política e Comportamento.
Com timing exato de pausa, graça e seriedade, ele mantém a atenção do público da maneira como os muito bons no que fazem conseguem. A percepção que tive é de que é fácil e leve, como quando vejo um artista que sabe o quanto de suor, esforço e estudo dispendeu para chegar até ali. Leandro Karnal é um Estudioso e um Pensador.

Ao falar sobre ética, falou também sobre etiqueta, sua irmã menor. Etiqueta é a ética do dia a dia. É o respeito ao empregado, ao diferente e ao que pensa diferente de nós. É a gentileza no trânsito, respeito às filas e por aí vai. Não tem nada a ver com o uso correto de talheres e taças. Isso é traquejo social. Aprendemos em casa, na vida ou em cursinhos de um mês que não nos deixam fazer feio em jantares mais formais.

Ética é o modo como tocamos a vida. É ser confiável nas relações pessoais e de trabalho.
Ética é lisura de atitudes, comprometimento com escolhas e reconhecimento de erros que todos cometemos. É não enganar e iludir para obter vantagens de quaisquer tipos.

 Acredito que maturidade é tempo de se ter um olhar para dentro. Conhecer-nos e reconhecer-nos nas qualidades e nos defeitos que temos é um freio poderoso na vaidade. Devemos usar o que aprendemos com os percalços e alegrias da jornada a nosso favor. Levar a vida do jeito mais parecido conosco nos garante alegria e bom humor. Com um pouco de sorte seremos boas companhias. Seremos densos, não pesados.









segunda-feira, 20 de junho de 2016

Outra menina e Galinhas

A menina observa, atenta, o trabalho do homem que veio para cortar a asa das galinhas que tentam voar para fora do terreno onde fica o galinheiro. Ele segura a galinha firmemente sobre o cepo de cortar lenha e, com uma machadinha, dá um único golpe na asa esquerda da ave. Em seguida, solta aquela no galinheiro e, hábil, pega outra e repete o procedimento até que não sobre nenhuma sem a asa cortada. Espalhafatosas e barulhentas como são as galinhas, elas tentam um voo desesperado e desequilibrado por duas, três vezes e se esborracham no chão. De repente, desistem e passam, calmamente, a catar minhocas como se nada tivesse acontecido. A menina aprende que, para voar, é necessário ter equilíbrio.

Da menina também cortaram as asas, as duas, com a " melhor das intenções" - esse pecado disfarçado de bom moço e tão abrangente  que só se apresenta no plural - para que ela não corresse riscos de se machucar e ficar bem, presa e segura ao chão onde pisa. Elas, as boas intenções, costumam agir em conluio com as vaidades, em quem esbarram nos estreitos labirintos que entopem o inferno. A menina aprende que, para voar, é necessário ter asas.

Como as galinhas, a menina tenta dois ou três voos com o cotos que ficaram mas não consegue sair do chão. E são atentos os cortadores de asas, de galinhas ou de meninas. A cada ameaça de voo solo, elas  são devidamente aparadas.

Com o tempo, as galinhas vão pra panela e a  menina vai fazendo o que se espera dela, até que um dia percebe que aquilo tudo já não tem valia, perdeu o significado, transformara-se em um estorvo. E a mulher aprende que precisa de asas para seguir.

Resgata em si aquelas que sempre foram suas, sacode-as, tira delas o pó, testa-lhes a capacidade. Fontes seguras me informaram que ela está aprendendo, tem feito voos firmes e dizem até que tem voado cada vez mais alto.
E eu fico muito feliz por ela.





quinta-feira, 16 de junho de 2016

Comida Boa, Bom Começo

A neta  "sabe vó, eu vou casar com um homem que me dê só comida boa começando pela festa do casamento. Vai ter salmão, muito sorvete e o bolo vai ser uma cascata de cupcakes. E é claro que vou servir milk-shake de cappuccino. A lua de mel vai ser na Itália para eu comer massas todos os dias."

Infantil à primeira vista ( difícil encarar o milk-shake)  a proposta é prática e objetiva. Para que não restem dúvidas e mal entendidos, a lua de mel, uma espécie de tour gastronômico, sinaliza que o combinado é pra valer e é assim que será, desde o começo. E o combinado, como sabemos, não sai caro. Se o arranjo não for do gosto do noivo cabe a ele dizer que não aceita. Podem fazer rearranjos que atendam aos interesses dos dois ou até desistir do casório.

Nós, adultos, temos muito o que aprender com esta postura, Colocando-se como protagonista da própria história, a menina sabe o que quer e do que gosta. Se agíssemos assim nos assuntos determinantes da nossa vida, seria mais fácil corrigir rotas e reagir mais depressa aos ventos contrários que sopram no caminho.

Não por acaso, em todo o mundo, as celebrações mais importantes começam em torno de mesas fartas e boas bebidas. Tudo o mais vem depois. Comida bem feita e companhia certa são a receita infalível para momentos de amor e alegria.
E começar bem é meio caminho andado para continuar melhor. 
A menina sabe o que realmente importa.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Aniversariante do Mês

Faço parte de um grupo de Canto Coral e aprendo e me divirto e vice versa e é tudo tão bom que nos dias em que tem aula já acordo contente e cantante e o grupo inteiro é assim. Achamos graça de tudo e rimos por nada e o professor querido se empenha e se esforça para conseguir a atenção e concentração do pessoal. E cantamos bonito e estamos melhorando bem.

O estabelecido é comemorar os aniversários sempre depois da aula e nunca no mesmo lugar. Como quase a metade aniversaria em um único mês e o grupo tem uns 14/15 membros, sobra mês ou  falta aniversariante. Questão fácil de ser resolvida, decidiu-se comemorar, nesses meses, natalícios em geral. E a turma vai e canta Parabéns à Você, e brinda a humanidade toda. E  brindamos de novo, desta vez só porque é bom. Desconfio que sejamos o terror dos garçons. Daí um bom motivo para não repetir lugares...

Esses grupos que fazem aulas de canto ou dança têm, em comum, o fato de serem heterogêneos. São pessoas das mais diversas profissões, idades e origens. Trazem vivências diversificadas e pensam a vida cada um à sua maneira. Porém, o fato de escolherem esta ou aquela atividade, cria um fio condutor invisível que vai dando personalidade ao todo, e sabemos, nós e o Principezinho, que o essencial não se mostra ao olhar. O resultado é uma troca rica que expande cada um e a todos. Todo mundo ganha. Todo mundo cresce. Todo mundo fica mais feliz!


quarta-feira, 1 de junho de 2016

Um Pouco de Meu Pai


Meu pai foi um homem correto e bom. Eu tinha trinta e um anos quando ele se foi e fiquei numa orfandade doída e sem medida. Era meu amigo, meu cúmplice e meu exemplo. Me ensinou a gostar de livros e de vinho e lembro que, já sem ele, ao ver cálices expostos em uma loja senti um aperto no peito que me tirou o ar. Única filha com mais três irmãos penso que ele deveria ter sido um pouco menos rígido comigo mas, considerando a época e o lugar de onde vim, ele seguiu a cartilha vigente.

Nos conflitos e embates adolescentes que tínhamos em casa ele, sempre mediador, insistia em afirmar que é possível lidar com as pessoas e conciliar diferenças. Todos têm, dizia ele, um lado certo para chegar e o desafio era descobrir como...Mais tarde, já maduro, ele reavaliou este conceito e me confidenciou, meio em segredo, que "tem aqueles, sabe, que não tem jeito, não tem acerto e não tem conversa". E então, como a gente faz? "Ah, dizia ele, quando não tem jeito, não insista, desista".

Hoje, quando tenho mais idade do que ele tinha quando o perdi, percebo o quanto ainda aprendo com o que tive de exemplo, muito mais do que de discurso, e de quanto era simples e bom estar em sua companhia. E penso que luxo mesmo é ter por perto pessoas boas que nos dão conforto e alegria só por fazerem parte da nossa vida.


domingo, 29 de maio de 2016

Realidade e Caixinha de Jóias

É exaustivo organizar, arrumar, nos instalar num novo lugar e arrumar de novo a casa e a vida. Essa labuta que nos ocupa o tempo inteiro  não deixa espaço para mais nada. Ficamos tão envolvidos por ela que não sobra nenhum tempinho para pensar nossos sonhos e, além de pensar, nos mover nos sentido de realiza-los.

Nas situações difíceis pelas quais todos nós passamos na vida, nessas horas em que nem faz sentido sonhar, quando precisamos usar toda a nossa energia para resolver problemas e ir levando a vida do jeito que dá. Nessas horas, devemos  guardar nossos sonhos numa caixinha de jóias, daquelas lindas, de boas joalherias, e coloca-la num lugar especial dentro de nós. Não gosto de guardar sonhos em gavetas ou pastas. Gavetas, porque quase sempre são bagunçadas, guardam barbante e esparadrapo e não se prestam para acomodar delicadezas. Pastas, porque são tão formais e antissépticas que os sonhos, com certeza, ficariam espremidos ali.                                        

Caixinhas de jóias, não. Quase sempre são de veludo e envolvidas com uma fita bonita de laço perfeito. Ao serem abertas revelam surpresas. Acredito que é isso que acontece com os nossos sonhos guardados nelas. Um belo dia quando a coisa toda passou e a vida segue seu rumo com mais calmaria, pegamos a caixinha e, ao abri-la, somos surpreendidos por um sonho novinho em folha que faz todo o sentido porque ressurgimos numa nova versão, também novinha em folha.



domingo, 22 de maio de 2016

Mudança e Desapego

Mudança feita cabe, no novo endereço, ajeitar o que trouxemos. Nos primeiros dias andamos feito baratas tontas de lá pra cá sem que o serviço progrida, sem que se note algum indício de coisa arrumada. A impressão que temos é de que nunca, nunca mesmo conseguiremos caminhar sem tropeçar nas caixas e armários da transportadora. O lugar é menor então cabem menos coisas, simples assim. Mas, se antes de mudar medimos espaços e móveis e só vieram os que de fato caberiam, por que mudança dá tanto trabalho e faz tanta confusão e bagunça?

Porque deixamos os móveis, mas trouxemos o seu conteúdo. E aqui, no apartamento mais adequado ao nosso momento de vida, nos vemos com uma montanha de coisas que não tem como guardar.
Nesse momento começa a terceira etapa da mudança, a do descarte. Separar roupas e calçados para o bazar da escola, linhas e lãs, fitas e fios para o grupo de voluntariado, roupas de cama para aquela amiga que organiza uma casa de acolhida para carentes de tudo. E a coisa vai fluindo e indo e vemos quanta coisa guardamos sem nem lembrar que tínhamos e como é bom dar-lhes um uso útil para outras pessoas.

Nesses tempos em que a palavra "desapego" é usada sem muito critério, penso sobre qual é o verdadeiro significado dela. Não trazer a sapateira nos faz perceber que podemos doar alguns sapatos, mas isso é fácil.

Desapego, no meu entendimento, é corrigir a rota do nosso viver sempre que for necessário. Abandonar certezas que pareciam eternas e que não fazem mais nenhum sentido. Descobrir o que nos é essencial e ser fiel a nós mesmos. Perceber que não somos mais os mesmos, não obstante nos reconhecer em quem somos agora.



sábado, 7 de maio de 2016

De Rescaldo e Bifes

Há de se embalar porcelanas, pratas e cristais. Nada muito, mas sempre tem o que significa um afeto, uma referência de alguém que continua a ser uma lembrança boa. É bom levar - não carregar - os objetos que nos remetem à risos claros e alegrias genuínas, Coisa pouca, pouco volume. Precisamos pisar com cuidado no terreno dos desapegos e, com mais cuidado ainda, no dos apegos. É fácil quando falamos de vasos, pratos e tapetes. Complica, quando para seguir é necessário desapegar de sentimentos amalgamados na alma, na pele, no hábito. Situações que não existem mais porque a vida muda e as pessoas também. Aí é imprescindível deixar onde ficou e seguir em frente.

Selecionamos o que levar na mudança de casa, separamos roupas, objetos, coisas que vamos doar e que servirá - que bom! - para outras pessoas. Levamos, dos úteis, geladeira, camas, mesas e cadeiras. Dos que dão cor e sabor à vida, os cálices, os baldes de gelo, as panelas certas, a de risoto, aquelas, maiores, que acomodam as caldeiradas fartas para amigos certos.

E vamos, com o rescaldo que nos mantém de pé para outro momento da vida, e no novo endereço saímos à procura de um lugarzinho simpático e aconchegante para comer um belo bife ao ponto, por gentileza! E pedimos uma cerveja bem gelada porque, afinal, ninguém é de ferro. Saúde!




quinta-feira, 5 de maio de 2016

Pilates e Borbulhas

Foram dois telefonemas logo de manhã, quase em seguida, e ambos diziam o que não estava sendo ouvido. De um, por angustiado, e do outro por estar em outra. Começara bem o dia. Um exercício de escolha do que sentir. Urgia não se atrasar para a aula de Pilates que começaria em meia hora. A porta, sempre encostada, estava fechada e, ao tocar a campainha, ouviu a voz da professora a reclamar a "senha" para poder entrar. Senha? Que senha? E ela, abrindo a porta, "Feliz Aniversário, querida! na mão um espumante prestes  a explodir e as outras alunas, sorriso largo, taça nas mãos,
prontas para o brinde! Foi a primeira vez na vida que fez uma aula, pelo menos de Pilates, com a cabeça tão leve como a alma. 

Esses brindes borbulhantes de champanhes e espumantes, de repente, começaram a ser tornar mais frequentes na sua vida. É chegado o tempo de celebrar e de agradecer. São cumulativas as experiências do aprender, e no esteio do que crê, ancorada no que tem, ela segue a navegar no que precisa. E prescindem de dinheiro as alegrias da alma.

O dia promete. Aguardemos!




segunda-feira, 2 de maio de 2016

Amizade Não Tem Preço

Estando com saúde e autonomia já temos o mínimo necessário para uma velhice sem muitos sobressaltos. Certo que uma dorzinha aqui outra ali faz parte da nossa rotina, mas elas foram vindo e foram ficando, indo e sempre voltando, até se transformarem em companheiras de jornada . Eu mesma tenho uma relação de confiança absoluta com as minhas. Posso confiar! não vão deixar me na mão. Dá para barganhar com elas, estabelecer combinados, "olha, se você der uma trégua hoje, prometo que vamos ao médico semana que vem"...

Precisamos manter o interesse na vida e o entusiasmo nas coisas do bem viver. É um exercício diário que exige disciplina e esforço consciente da  nossa parte. Dá trabalho e dá resultado! Manter o foco é indispensável e o foco, nesta fase do agora, é nosso! Para mim, o grande presente que a vida tem me dado, são novos amigos queridos, tão próximos do meu sentir e do meu querer que parece que sempre estiveram ali. E resgatei amigos de muitos anos que não via há um tempo longo demais e que sempre somaram na minha vida. E tem sido bom estar com eles novamente. Inventamos programas para celebrar a alegria de estar junto. E a gente come, e a gente bebe e a gente ri.

Uma amiga me disse, certa vez, que temos que ter várias turmas quando vamos envelhecendo.
Amigas para trocar sem cobrar. Para ouvir ou falar. Jogar conversa fora. Desafinar desesperadamente na aula de canto. Beber chopp e vinho e filosofar em mesas de boteco. Amigas são tesouros, bens valiosos que recebemos de presente e que nos acrescentam significado e significância.



domingo, 24 de abril de 2016

Bênçãos da Maturidade

Rótulos e verdades conclusivas me causam um certo mal estar, um incômodo que não se explica, certa carência que, paradoxalmente, me rouba o rumo e me tira o chão. É o imponderável que nos clareia os caminhos. Essa história de "terceira idade" ou, pior ainda, "melhor idade" é muito rasa e muito chata. Uma, por ser burocrática e a outra pela tolice. Maturidade me parece mais distinto, mais coerente e mais verdadeiro.  Nos cabe, na idade em que estamos e das vivências que tivemos, reunir o que nos deu significados e significâncias. O desafio é excluir a bagagem que está ali só para aumentar o peso.

Acumulamos demais, nos prendemos à vínculos que só existiam em nosso querer. Acreditamos em comprometimentos que estavam somente em nossa imaginação e, paralisados, ficamos à espera de algo que não era.

Chegar à maturidade com saúde, autonomia e discernimento é um bônus, um privilégio que nem todos temos e que nos permite seguir. Não é fácil, mas é muito.





sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre hamburger e alegria

Sexta-feira quase feriado, me vi sozinha em casa e fiquei feliz! O dia inteiro à minha disposição e podendo ser gasto como melhor me aprouvesse, me causou uma euforia e alegria que coube em mim porque eu condensei bastante. 

Primeiro escolhi fazer nada que é a melhor opção em situações extraordinárias como essa. Depois fui ao parque caminhar um pouco e voltei pra casa com fome e com sede. Mas a alegria, ali, intacta. 
A sede resolvi de imediato abrindo a geladeira. Cerveja gelada é muito bom! E a fome?
Tinha, no freezer, hamburgers que compro no açougue, deliciosos, e que não conto aonde para não fazer merchandizing e não perder o foco. E batatas fritas! Então, na contramão de tudo o que ouço e de tudo o que tenho feito, não achei um absurdo fritar hamburger e batatas só pra mim! E como estava bom! 

A alegria, ali, porque vida bem gasta preserva o que é bom. Ainda me restam algumas horas para usar bem este dia. Talvez pinte os cabelos ou vá ao cinema. Adoro cinema!

Contas feitas e recalculadas, de fato, só temos o que contemos.Tudo o mais faz parte das circunstâncias dos vários períodos da nossa vida. Não nos pertence, muda o tempo todo.









domingo, 17 de abril de 2016

De sem banhos a banhos sem fim!

Crianças, de um modo geral, detestam entrar no banho mas detestam mais ainda sair dele.  Começa ali pelos 10, 11 anos e vai até os 13, 14 quando, principalmente as meninas, chegam a ficar no chuveiro até o ponto em que a gente, desesperada, quase coloca a porta abaixo porque, meu Deus, deve ter caído e batido a cabeça e morrido para sempre, amém! E quando finalmente elas abrem a porta e surgem de dentro de um denso vapor, olhos revirados e pele escaldada, irritadíssimas," que escândalo, você não respeita a minha privacidade "e por aí vai...me vem à memória como eu era naquela idade e naqueles tempos, tão idos, que parecem fazer parte de uma outra vida, descolada de mim.

A brincadeira era na rua e, desde que obedecêssemos a ordem pré determinada de entrar em casa assim que escurecesse, a coisa fluía... era lavar as mãos para jantar (jantávamos todos os dias juntos) mas ninguém podia se servir antes do pai, e o meu exercia uma autoridade mais de olho, de conversa, mas ela estava ali invisível e presente, e a gente respeitava.  Depois tinha que escovar os dentes e lavar os pés, precisando ou não, Passáramos a tarde brincando de polícia e ladrão de pés descalços na poeira da rua de chão batido e nossos pés eram uma lástima. Lembro que a criançada sempre queria ser do time dos ladrões porque tinha muito mais graça. Dava para se esconder no campinho de samambaias e os polícias ficavam bastante tempo procurando. Quase como nos dias de hoje, se bem que a coisa anda meio confusa ultimamente.

Penso que normas elementares de higiene pessoal, de educação, de respeito aos mais velhos  e de cuidado com brinquedos e pertences pessoais devam ser impostas às crianças, com autoridade e sem questionamentos. Precisamos repeti-las à exaustão até que façam parte da vida e do dia a dia.
Pode parecer bobagem, mas não é, e não é pouco. E crianças são todas iguais, as de ontem e as de hoje, mesmo que não pareça.





    

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Coragens Invisíveis

Têm os que se soltam, se espalham, Os que deixam, que saem, os que partem. Às vezes até se expandem e melhoram e ficam mais felizes. Precisam de um pouco de coragem e de muito desapego.
São admiráveis porque quebram paradigmas e seguem em busca de si. São reconhecidos e elogiados em frases feitas de uso  corriqueiro tipo "mais triste de que fracassar é se arrepender por nunca ter tentado" ou coisa do tipo.

Mas quero falar é dos que ficam. Por que o que vemos é que para cada um que vai tem o outro, o que fica. E esse não aparece, é invisível, ninguém sabe dele. Mas precisa de muita coragem e muita força para ficar. Para o que der e vier. Sem banda e sem holofote.




quinta-feira, 7 de abril de 2016

Sobre Leituras

Circula, nas nas redes sociais, uma foto do Arnaldo Antunes nos alertando para não acreditar em tudo que lemos. Sempre um bom lembrete hoje e em qualquer tempo, ainda mais sob a chancela de um artista talentoso e culto como é o Arnaldo Antunes. Concordo com o alerta,  pois prudência e caldo de galinha, já diziam nossas avós, nunca fizeram mal à ninguém.

Mas isso significa que devemos ler de tudo e muito. Ler os clássicos da literatura e as tirinhas da Mafalda. Ela é a minha feminista favorita. Ler filosofia e ler com atenção as revistinhas da Turma da Mônica. O Cascão, apesar de não ser chegado a banhos, tem uma alma limpa e amiga. Sem esquecer, é claro, do Calvin que, com seu Haroldo desbrava o mundo curioso e confiante.

Bom dia!

terça-feira, 5 de abril de 2016

Chegar aos 60

Chegar aos sessenta muda nosso status. Oficialmente somos idosos. De um dia para o outro temos direito de pagar meia entrada no cinema e no teatro, de ficar em filas especiais no banco e no supermercado e de estacionar em vagas exclusivas nos shoppings e nas vias públicas de estacionamento regulamentado.

São iniciativas que facilitam a nossa vida, mas, na minha opinião, o melhor de tudo é que nos insere num grupo e nos identifica como turma. Nasce o sentimento confortável de pertencimento que nos acolhe entre os nossos pares. Estamos todos no mesmo barco.