quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Desapego e Maturidade

"O Melhor o tempo esconde
   Longe muito longe
   Mas bem dentro aqui"

            Trilhos Urbanos
             Caetano Veloso




Das palavras  que viram moda e são usadas sem muito critério penso que desapego 
é uma das mais empregadas em ocasiões em que não cabe usá-la. Quando "damos embora " o que não nos serve mais estamos sendo práticos e organizados. Nossa casa funciona melhor e ainda ajudamos outras pessoas que farão bom uso do que nos atravancava os armários. Dá trabalho e nos faz bem, mas não muda a nossa maneira de sentir e nem o jeito como levamos a vida. Não creio que isso seja desapego.

Nos desapegamos quando, nos caminhos que são nossos, começamos a duvidar de certezas que trazemos incorporadas desde sempre e que nos nortearam em outras fases da vida. Começa com uma inquietude, com mal estares que resistimos em admitir porque sentimos que sinalizam para finitudes que tememos enfrentar. Abala e altera convicções. Nos tira o chão. Desapegar é um ato de força e coragem que só conseguimos realizar quando a dor de permanecer é maior do que a dor de deixar ir.
O desapego transforma e rearranja o rumo da caminhada.

Penso que é a Maturidade que nos possibilita as condições favoráveis ao exercício dos desapegos. Acho tolos eufemismos do tipo "Melhor Idade" como referência à faixa etária na qual me incluo. Assim como não me agrada  "Terceira Idade" e afins... Estamos envelhecendo bem, nós, os nascidos nos entornos dos anos de 1950 e somos ativos e atuantes no nosso tempo de agora. Se formos maleáveis e curiosos, criamos condições de manter uma vida boa.

Me dou conta de que, do costume que tenho de pensar palavras que expressem melhor o que sinto e, de posse delas, vertê-las de mim para que eu mesma faça sentido, comecei um novo oficio - este - de escrever, que liberta e acrescenta. Sempre é tempo para novos começos...

Na poesia linda que é a letra de Trilhos Urbanos, Caetano Veloso canta a sua " Santo Amaro natal" e nos alerta que a nossa essência trazemos conosco. Mesmo que o tempo e a lida da vida nos faça esquecer do que guardamos de melhor, chega o dia em que, libertos do que não mais nos cabe - ela -  nossa essência - brota, e nos preenchemos do que de fato somos.












quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Por Quê Nos Explicamos Tanto?

"Eu vim com pão, azeite e aço;
Me deram vinho, apreço, abraço:
O sal eu faço."
                        (Millôr Fernandes in HAI-KAIS)

Livrinho de bolso que ganhei de presente do meu  filho, os HAI-KAIS, do Millôr, têm lugar cativo na minha cabeceira. Está à mão, junto com outros que ganhei de gente que me conhece e me quer bem. Gosto de relê-los - aleatória - nas madrugadas de insônias eventuais. Tenho recortes de jornais, de crônicas e ensaios, abastecida que sou por amigos que a vida colocou no meu caminho conforme a absoluta máxima de que Deus, o Generoso, escancara amplas janelas onde a vida fechou portas estreitas. Leio um pouco e depois durmo outra vez, cada vez mais convicta de que quem gosta de um bom livro sempre estará na mais fina companhia.
São diversificados os prazeres da maturidade.

A mais elementar regra de economia, já dizia meu pai, nos ensina  que o mercado é regulado pela  lei inflexível da "oferta e procura". Se adaptarmos este conceito a nós, os maduros, veremos que a oferta de que dispomos - o tempo - é menor do que a procura do que ainda queremos. O que podemos fazer, numa análise objetiva dos recursos, já escassos, de que dispomos? Creio que um bom começo é perceber o que nos interessa e nos alegra e, como não podemos perder o foco, para não desperdiçar nosso "ativo precioso", precisamos agir imediatamente na defesa dos nossos interesses. Como começar?
São urgentes os prazeres da maturidade.

Penso que a primeira atitude seja a de parar de nos explicar e de nos justificar num esforço inútil de convencer quem quer que seja de que somos corretos e leais. De que somos confiáveis e de que temos um robusto retrospecto de exemplo, de coerência e de decência. Não temos" boas intenções". Somos pessoas boas. Não precisamos provar nada pra ninguém, mas devemos nos tratar com gentileza.
Se for necessário explicar o que fizemos ou deixamos de fazer estamos nos desperdiçando.
Bons amigos e bons amores não precisam de explicações. São relações de confiança recíproca.
São confortáveis. Dão paz. Trazem alegria.
São equilibrados os prazeres da maturidade.














segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O Que Queremos? O Que Buscamos?

Desejamos uns aos outros, nas  festas e celebrações, "sinceros votos de felicidades, saúde, amor e paz".  Muda um pouco aqui e ali, mas é isso, e no mundo todo. Dos quatro, o único que é fácil de entender é o da saúde. Ao desejar saúde para alguém, a nossa intenção é a de que a doença fique longe de quem queremos bem. Daí em diante a coisa complica. Felicidades - como se fosse coisa pouca - já vem no plural e é de todos os tipos. E  amor? E paz? Demais, assim, para vir tudo de uma vez só.

Penso que a paz é a condição indispensável para termos, na medida do nosso possível, acesso aos outros três cobiçados estados de corpo e espírito. Estar em paz é resultado de um enorme trabalho de auto conhecimento e de liberdade interna aos quais chegamos quando internalizamos o que nos identifica e onde nos reconhecemos. A paz acontece quando nos autorizamos a ser o que somos e quando o que nos afeta e abala não nos desconstrói. Aprendemos a reconhecer o que nos faz bem e a descartar o que nos entristece e prejudica. Enfrentamos percalços e problemas, claro, mas não perdemos o chão e restabelecemos o rumo com mais facilidade. Como todas as coisas, a construção da paz é contínua, nunca está pronta.

Todos queremos acolhimento e reconhecimento e penso que é disso que falamos quando mencionamos o amor. Sentimento validado somente com comprometimento e reciprocidade, o amor tem incontáveis versões e expressões, mas nunca prescinde dos ingredientes acima para existir e se firmar. E, como a paz, necessita de atenção e ajustes para que se fortaleça e resista. Observando melhor, manter a saúde também exige cuidados e hábitos constantes para que não nos falte.

Falo com o olhar que trago da vida que já vivi. Creio, firmemente, no aprendizado constante que extraímos do viver.  Ninguém disse que é fácil, porque não é mesmo. Mas nos proporciona momentos bons de alegria e comunhão. Como os que trocamos com os variados amores que temos, com a paz que nos acompanha e com a saúde que mantemos.

Acho que  tudo junto é o que chamamos de  Felicidade!