segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Questões Existenciais e Suas Soluções Mágicas.

"A mente que se abre a uma nova
ideia, jamais voltará ao seu tamanho original"
                                               Albert Einstein

Além do domingo oficial - o outro, que determinei que fosse - é nas terças-feiras e dobra as minhas chances do que esperamos dele - do domingo - a cada sete dias. Fiz isso porque andava desiludida com o retorno do oficial e também porque, no acumulado dos anos, aprendemos a ser previdentes. Somado ao casaquinho e o guarda chuva,  não sou pega desprevenida; e a terça-feira, sem a obrigação de nos prover de felicidade, sempre dá mais do que se espera dela. É aí que aprendo mais uma. Desobrigo o domingo e ele tem me surpreendido. Uma chance de 100 % de ganho por semana é um investimento fabuloso! Invisto em mim e cabe a mim gerenciar os meus ativos. O índice de ganhos é altíssimo! Meus planos são individuais, mas não solitários, e sempre de curto prazo. Sem esperar nenhum desdobramento as adesões acontecem, espontâneas.

Numa terça feira dessas, neste setembro quente - ideal pra boteco e chopp - nos instalamos em mesa ao ar livre ao lado de um grupo grande, com o papo já engrenado. Impossível não ouvir o assunto. Discutiam sobre sorte e azar, fatalidade e destino, escolhas e suas consequências e cada um argumentava na defesa do seu ponto de vista. Sem perceber e por isso mesmo sem disfarçar, partimos do ponto em que estavam e começamos a concordar e a discordar com um e com outro numa apropriação indevida de assunto alheio. Até que eles perceberam, pararam de falar de repente e olharam para nós. O grupo todo! O constrangimento durou só uns segundos, porque um deles falou: Ótimo! Vamos ouvir opiniões diferentes, outros pontos de vista e foi abrindo a roda, puxando cadeira, nos convidando a participar da discussão. Pegamos o fio da conversa no ato e foi muito divertido resolver essas grandes questões existenciais como só acontece em mesa de bar. Gosto de filosofia de boteco porque tudo se resolve, tudo se ajeita, desde que ninguém se dê  muita importância, muita seriedade. Vale pela diversão que é, e vale muito. Certezas absolutas são prerrogativas dos jovens. Já tivemos as nossas.

Quando acordei, aquele sonho me pareceu tão possível, tão viável, que custei a aceitar que tenha sido isso - um sonho bom. E me lembrei da igrejinha onde casei, numa outra vida, tão distante, mas que já fez parte da minha. Acima do altar, em letras góticas, pretas, está escrito:
"Paz Na Terra Aos Homens De Boa Vontade" (Lucas 2:14)

Nesses tempos de posições polarizadas, é disso que precisamos. Boa Vontade uns com os outros.

Não custa nada e por isso não tem preço.

                                   




  

sábado, 16 de setembro de 2017

Como a Minha Avó Virou um Furacão

"Não ignoro as ameaças que o futuro encerra,  
  como também não ignoro que é o meu passado
  que define a minha abertura para o futuro.
  O meu passado é a referência que me projeta 
  e que eu devo ultrapassar."
  Simone de Beauvoir - Carambolas Azuis


Minha avó era alta, magra e austera. Quando meu avô desistiu de tudo, ela se viu viúva com seis filhos, o mais velho por volta dos 10 anos. Mal entrara nos trinta numa época em que - à mulher - cabia obedecer pai ou marido, e na falta deles, o homem que fosse o parente mais próximo. Criou os filhos com a ajuda da família e - eles casados -  passava temporadas ora com um, ora com outro. Morava mais tempo conosco e lembro dela às voltas com lãs e linhas, a tecer colchas e toalhas de crochê numa demanda que me parecia eterna. Costurava bem. Também plantava ervilhas - lembro de mim, abrindo as favas e as comendo cruas, ali, na horta. Nesses tempos de comida saudável não consigo imaginar nada mais orgânico do que aquilo. E plantava aipim e milho e flor. Precisei de muitos anos para entender o privilégio que era comer a sua moranga com açúcar mascavo que servia com costeletas de porco.

Aprendeu a falar a ler e a escrever em alemão - português em paralelo - até que, nos tempos intolerantes da segunda guerra, nunca mais falou alemão, não ensinou aos filhos, os netos não aprenderam e perdemos todos. Adolescente, estudei por uns tempos, fiz aulas particulares, mas não levei a sério, achei difícil, mas ela me confiou os cadernos que preservara de sua meninice, escritos à nanquim, com letras góticas desenhadas com beleza e arte, e a minha pouca idade não permitiu que eu entendesse a dimensão do gesto e a importância que tinham aqueles escritos.

Mas foi com ela - minha avó que não desperdiçava nada, nem risos, nem lágrimas - que construí a primeira relação de cumplicidade. Numa das vezes em que voltou, veio com uma novidade. Aprendera a fumar com um tio meu, o que criou uma encrenca enorme lá em casa. Minha mãe não suportava o cheiro e ela decidiu fumar escondido, numa rebeldia tardia.Vigiadas que éramos - ela por causa do cigarro e eu por causa de tudo um pouco ou por um pouco de tudo - nos unimos para enfrentar o inimigo comum. Eu comprava o cigarro e, antes de entrar em casa, jogava o maço para dentro do quarto dela, de maneira que ela não saia para comprá-los, mas fumava. Não se conheciam os malefícios do tabaco, ou não eram divulgados. Resisti à pressão da minha mãe que queria saber quem a abastecia, e me fez muito bem aquela transgressão que me conectava à minha avó. Foi ali que aprendi sobre confiança e lealdade. Cumplicidades são construções delicadas e preciosas que acontecem poucas vezes na vida.

Contida e discreta, minha avó jamais lembraria um furacão.
Mas seu nome era Irma.