sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Feliz Ano Novo!

"Homens não sabem como dizer adeus,
  mulheres não sabem quando."
                                 

É de Rita Lee a afirmação acima e a tomo de empréstimo para tema do último texto do ano.
As finitudes acontecem todo dia toda hora e quase sempre são ordinárias, são necessárias, são corriqueiras, mas como sofremos para aceitá-las! São elas que movimentam a vida e sem elas não existiriam os recomeços.

Os finais felizes das novelas acontecem no último capítulo e não é por acaso. Quando todos os desacertos e desencontros são resolvidos a novela termina. Sem conflito não tem novela, nem romance, nem existência.

Os cartões da Natal de antigamente, aqueles bonitos que enviávamos e recebíamos pelo correio e expúnhamos numa salva de prata,  junto ao pinheirinho enfeitado - quanto  mais cartões recebidos maior o nosso prestígio - costumavam trazer os votos ...um renovar-se de esperanças ... e lembro de mim - quando aprendi a ler - a desejar  um renovar-se de esperanças às pessoas do meu convívio.  Elas achavam graça, me faziam uma graça e eu, sentindo que fazia sucesso, repetia a dose à exaustão. Demorei para entender o porquê do meu prestígio, mas hoje, convencida de que esperançar é imprescindível como respirar e amar retomo aqueles votos e desejo a todas as gentes um Feliz Ano Novo e um renovar-se de esperanças do fundo do meu coração. 

Desejo a todos e a mim também, recomeços, retomadas e reinícios.
Desejo a todos, todas as saúdes e que cada um as gaste como achar melhor, sem economia.
Feliz Ano Novo!







terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Vamos Falar de Dezembro?

"Nem tão plana, nem tão plena."
  Cátia Moraes/Mulherio das Letras - Rio de Janeiro
                   

Dezembro não começa, se apossa. Inocula-se, devagarinho, no início de novembro com o aparecimento das primeiras vitrines de enfeites natalinos, e continua - janeiro a dentro - quando a ressaca chega junto com a fatura do cartão de crédito. Depois, premido por confetes e serpentinas dá lugar a fevereiro. Deve vir daí a expressão "o ano só começa em março". Dezembro não termina, se exaure. É tão intenso que o sinto plural - dezembros. É fim e começo.Tudo se movimenta!  É tempo de restaurantes - bares e afins - lotados. Mês de agenda cheia de confraternizações, encerramentos e fechamentos. Todo mundo corre, se atrasa, não tem tempo... parecemos o coelho da Alice a passar correndo enquanto grita, aflito: Ai, os meus bigodes! Alô, adeus, alô, adeus! É tarde, é tarde, é tarde, é tarde até que arde!

Surgem, em dezembro, dois times, os "Amo Natal" e os "Odeio Natal." Quem faz parte do primeiro enfeita a casa toda. Cozinha, quarto, banheiro, caminha do Pet  - ele inclusive - nada escapa.
O outro time se irrita com tudo - do trânsito à alegria de quem gosta da festa. E tem a maioria, que pendura guirlanda na porta, participa de grupos de amigo secreto e escolhe, com cuidado, os presentes para agradar a quem a agrada. Passado o natal, os times hibernam para voltar, revigorados, no próximo ano. Como gosto não se discute, é uma rivalidade sem sequelas.

É um tempo generalizado de nervosismo e impaciência. Tudo urge, tudo é pra agora. Há de se dar conta de tudo, para que tudo saia perfeito, seja lá o que isso signifique.

Tenho a impressão de que - se aquietássemos um pouco - ouviríamos Ele - o Dono da Festa - a nos soprar ao pé do ouvido "falta um pouco mais de calma, falta um pouco mais de alma."















domingo, 19 de novembro de 2017

Palavras!

"A resposta você encontrará no que
  as palavras não disseram"
              Fernanda C. Racaneli

Monoglota constrangida - não me faltaram condições para aprender outros idiomas - digo, em minha defesa, que era abrir o livro e o pensamento fugia, voava longe, eu não conseguia me concentrar.  Tenho um deficit de atenção seletivo, se isto é possível, porque se o assunto me interessa não me disperso. Não é fácil ser assim. Mas, ser o que se é sempre é difícil. Minha filha me disse outro dia "sabe mãe, deveria ser possível tirar uma semana de férias de si mesmo, uma vez ao ano." Como tenho a felicidade de ter duas, fico em dúvida se devo, para ser fiel aos fatos, citar qual delas disse isto. É a mais velha, no caso. A mais nova é responsável pelo diagnóstico do déficit de atenção se bem que o seletivo, é por minha conta...

Gosto de pensar palavras na nossa língua linda e cantante - pródiga em vogais - que suavizam sons e aparam as arestas das consoantes, tão comuns em outras falas. É preciso usa-las para que continuem vivas e como tudo o que é vivo elas também mudam, caem em desuso, desaparecem. Verdade que andam maltratadas ultimamente, no uso abusivo do gerúndio, no bastante, que substitui o muito, escamoteado, o coitado. No noticiário, o repórter, na beira da rodovia, em véspera de feriadão diz " A via tal está bastante cheia de veículos" ... e a nova e boba mania de  dizer que "fulano não corre risco de morte". Podemos correr risco de vida. De morte não existe risco.

As minhas preferidas são as proparoxítonas porque são sonoras e sofisticadas, tais como libélula, calêndula, lâmpada - Ética! - bela palavra que tem sido constantemente ofendida. E as que terminam em ão, usadas para nomear as abstrações como compaixão, ilusão, perdão. Se fôssemos nos pensar como palavras, a maioria de nós seria paroxítona, pela corriqueiro e pela abundância.

Atualmente ando interessada nas monossílabas. Gosto de som, dom, de tom e do Tom, do com, que agrega, do sem, quando exclui dissabores e do cem que multiplica riqueza. Mas é o não a mais interessante das palavrinhas pequenas, por duas razões: quando quer dizer sim - e aparece em três negativas seguidas - como em Não Nem Nada! expressão de enfática concordância, comum na região onde nasci, o que me faz lembrar de um dentista famoso na cidade. Sempre de terno de linho branco, bom sujeito, amante da boemia, bom de copo e de papo, usava tanto a expressão que ela se tornou sua marca, o apelido ficou maior que o nome. Nem sei qual como se chamava o Não Nem Nada. Morreu numa quarta-feira de cinzas, numa deferência toda especial dela, a ceifadora de almas, que esperou que ele brincasse o carnaval.
A segunda razão é que o uso do Não é considerado rude, principalmente pelas meninas - de ontem e de hoje - que devem ser cordatas e obedientes.  
Muita gente faz coisas que detesta, a vida inteira,  porque não consegue dizer não. É um aprendizado difícil, este de falar  não na ocasião certa, mas com o tempo a gente aprende. Quando digo um não necessário para algo ou alguém, digo sim pra mim.
Dizer não é um ato de coragem



  










quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O Tempo Certo

"Cantando eu vivo em movimento
  E sem ser mais o mesmo
  Ainda sou quem era,"
  Maria Gadú/ No Pé do Vento

Criado em 2011, pela Paideia escola de música, o Grupo Vocal Tempo Certo surgiu da necessidade de atender alunos adultos à procura de aulas de canto.
Nos primeiros anos chamava-se Curitibôcas 2, numa referência ao Grupo Vocal Curitibôcas, excelente grupo da escola - conhecido e reconhecido - com mais de 20 anos de estrada. A ideia inicial era que funcionasse como um celeiro de talentos, e os que se destacassem seriam alçados ao Curitibôcas. 

Desde o início sob a regência de André Dittrich, o vocal foi crescendo em número de participantes e como Grupo. Com o tempo foi adquirindo identidade própria e a necessidade de ter um nome que o identificasse.
No fim de 2016, depois de muitas idas e vindas, foi rebatizado com o nome de Grupo Vocal Tempo Certo, numa alusão ao "tempo da música" e ao fato de que sempre é  "tempo certo" de começar    - não importa o quê - desde que nos faça bem. O coral é misto mas, no momento, conta só com vozes femininas. A única exigência é querer cantar.

Entrei no Tempo Certo em  2012 com o objetivo de romper amarras, de sair da minha zona de conforto, eu que não sabia cantar nem no chuveiro.
No começo de 2017, o professor nos comunicou que a direção da escola - e ele também - acreditava que o grupo estava apto para uma apresentação solo, no final do ano. Tínhamos nos apresentado nas festas de encerramento da escola, e junto com o Curitibôcas em algumas ocasiões cantando não mais do que duas músicas, e em um ou outro evento, como convidados. Lembro que, no primeiro convite, fomos cantar num Festival de Corais, no Clube Curitibano. Tão nervosas estávamos que, ao final da canção, ficamos paradas no palco e o professor disse" agradeçam!" entendemos "agora desçam" e saímos em desabalada carreira palco abaixo. Episódio que ainda nos rende boas risadas.

Repertório montado com canções que conhecíamos e outras novas, começamos os ensaios em março e fomos até a primeira semana de novembro num esforço mais do regente do que nosso, porque era preciso que ele repetisse a mesma lição incontáveis vezes, sem perder paciência e fé.
Nos dois últimos meses ensaiamos com afinco e foco, fora do horário normal de aula. O desafio que nos tirava novamente da zona de conforto, nos fez compreender que é superando as dificuldades que vencemos os medos.
Postura adequada no palco," nem tão dura nem tão dançante", segurar corretamente o microfone - tem trocentas maneiras  erradas e só três certas: pertíssimo da boca, dois e até quatro dedos de distância, de acordo, é claro, com o timbre e volume de voz que a canção exige.

O Show foi no dia 11 de novembro e o "respeitável público" aplaudiu com alegria e entusiasmo.
Acredita que pediram bis?







domingo, 12 de novembro de 2017

Isto Também é Feminismo

"Tudo deveria se tornar o mais
   simples possível, mas não
   simplificado."
Albert Einstein

O Canal Arte 1 exibiu, a partir de maio, uma série de documentários chamada Invenções da Alma - arte popular brasileira/ com o subtítulo É o Brasil no Arte 1. Executados com a mesma alma do assunto, todos foram emocionantes. Um deles chamado Artesanato Solidário - Central Artesol - mostrava as mulheres artesãs que trabalham com  barro em Campo Alegre, município de Turmalina, no vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais. Os entrevistadores numa louvável atitude de ficar em segundo plano não mostravam nem rosto e nem voz.
E elas contaram que mexer com barro é atividade antiga que as avós ensinaram às mães e estas às filhas, sobrinhas, noras, afilhadas, numa tradição essencialmente feminina. Contaram que, inicialmente faziam pratos, copos,  panelas e tigelas ou o que mais fosse necessário para facilitar-lhes a  lida num lugar onde faltava tudo. Contaram que as mais velhas traziam o barro de longe, na cabeça, em lombo de burro e que, como tudo deve ser, começaram a fazer peças diferentes, vasos, bichos, aqueles, do seu derredor, e foram se aperfeiçoando e criando e,  livres, cada uma uma fazia o que fosse mais de acordo com o próprio talento e surgiram as bonecas, aquelas de meio corpo debruçadas na janela e outras inteiras e noivinhas pequenas para enfeitar o bolo do casamento e uma infinidade de coisas lindas .



domingo, 15 de outubro de 2017

Visita ao Cemitério

"Um dia todos iremos morrer, Snoopy!  (Charlie)"
"Verdade, mas em todos os outros dias não. (Snoopy)"

Na entrada da cidade já se avista o cemitério. Situado no alto do morro que minha mãe chamava de Morro do Hadlich, toda vez que - dramática - bradava: "Só vou descansar quando estiver no Morro do Hadlich!" Tento ser o mais fiel possível aos fatos e peço para a minha amiga e assessora das urbanidades de Rio do Sul, a arquiteta e professora Maristela Macedo Poleza,  que me dê uma luz sobre o assunto. Ela me informa que o morro do cemitério é conhecido como Morro dos Ledra e, ela esclarece - foi rebatizado com o sugestivo nome de Ladeira da Eternidade. Faz sentido e é bonito, pensei, porque quem descansa no alto já está mais perto do céu. Provavelmente, os Hadlich foram anteriores aos Ledra. Cercada de morros, a cidade cresceu na confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste que, juntos, se transformam no rio Itajaí-Açu.
Estacionei logo na entrada, na parte plana e calçada em frente ao prédio da administração onde ficam os livros com os registros dos que estão sepultados ali.

Munida de uma braçada de dálias - alaranjadas, dobradas, vermelhas, rosadas - comecei a subida quando um funcionário do cemitério me advertiu: Dona, não pode colocar flores com água por causa da dengue. Só flor de plástico ou de pano, a senhora compra no Vavá, sabe onde é? A senhora é daqui? perguntou, esticando o olho para a placa do carro. Larguei as flores, conformada. Vale a intenção, pensei. Dos rituais que criamos para dar significâncias à existência, nenhum é mais legítimo na intenção do que o ato de levar flores aos mortos. Vou até o túmulo dos meus, sem flor, então. Retomei a subida certa de que localizaria o lugar. Sentia o sol a me queimar o rosto e o olhar dos três a me queimar as costas. Sabia que ficava perto da rua principal, acima da cruz, do lado esquerdo.
Andei, procurei, subi, desci, fui para a direita, voltei pra esquerda. Desisti.

Ao descer vi que os funcionários continuavam de olho pregado em mim. Dia calmo, nenhum enterro, os coveiros estavam à toa. Achou? perguntou o mais falante. Não, não sei, mudou muito.
Ah, a senhora sabe o dia do enterro do último parente? Sei, disse. É fácil, a gente procura no livro, entra aqui. Pelo menos, dentro do escritório tinha uma sombra benfazeja. Informei a data e eis que o sujeito grita: A senhora é parente do fulano? e do ciclano? Sim, sou irmã deles. Ah, meu Deus do Céu, eu conheci a tua família! (intimidade instalada de imediato, acabara a curiosidade que a placa  de Curitiba despertara) eu te levo lá, sei onde fica.
Nossa Senhora! Eita família que se acabou! Morreu tudo! Não, eu estou viva, e tenho um irmão vivo também.
Subimos, ele falando sem parar,  insistindo na desgraceira das mortes dos meus, até que chegamos e o moço, num repente de respeito disse, vou te deixar sozinha, pra rezares um pouco, tá? assenti com a cabeça e agradeci. Ele se afastou uns três ou quatro passos, voltou-se e perguntou -Vem cá, não vais me perguntar como eu conheço todo mundo? teu pai, tua mãe, teus irmãos?
Acho que você vai me contar de qualquer jeito, respondi. E ele, abrindo um sorriso largo - eu era jardineiro na casa de vocês, boba! tua mãe me contratou quando o fulano (jardineiro famoso na cidade) começou a se "achar" e cobrar muito caro. Também fui jardineiro do teu tio. Nossa Senhora! E aquele teu primo, hein?





 




quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Males Que Vêm Pra Bem

Homem Para Casar

A manicure, olhos vermelhos, fazia seu trabalho de cabeça baixa, sem olhar para o lado. A mulher, freguesa antiga, estranhou tanto silêncio e perguntou: O que houve? Você parece tão triste. E a moça desabou. Casamento marcado, vestido de noiva já na segunda prova, todo mundo convidado e o noivo desistiu de tudo. Do casório e dela. Alegou ser muito jovem,  que ela era  "moça pra casar", e não se sentia preparado para a responsabilidade de assumir família. A última coisa que queria era magoá-la "você não merece", desejo todas as felicidades na sua vida, etceteras e tais... e sumiu.
Minha vida acabou! disse a moça, entre lágrimas e borrões nas unhas da freguesa.

Acabou coisa nenhuma, menina bonita! Hoje você não enxerga, está humilhada, mas saiba que foi bom. Ele desistiu quase na porta da igreja, concordo. Vai dar trabalho e já deu prejuízo, mas passa. Do machismo, o mais pernicioso é o que vem disfarçado de um enganoso elogio. Moça pra casar, depois recatada e do lar, a mulher é colocada num nicho para que se acomode e não incomode. De moças para não casar, conheço as freiras, celibatárias, por exigência da religião e total anuência delas.
Jovem como é, essa desilusão é o impulso que precisa para não cair na armadilha dos rótulos. Dê atenção ao homem que vê em você uma mulher, sem apostos.
Uma mulher para tudo. Para confiar, confidenciar, para amar, enfim.
Ao encontrar um moço assim, invista nele. Pode ser que vocês decidam se casar. Ou não.




Bom Uso da Fé 


A diarista ligou, aflita, justificando a falta porque estava no hospital, internando o pai da filha. Ele me chamou, está com muita febre, tremendo todo e foi direto para a UTI. A senhora acha que ele vai morrer?  Está medicado, disse a patroa, vamos ver como a coisa evolui.
Apareceu na semana seguinte, abatida e com um papel na mão, que entregou em silêncio. Era o resultado - negativo - de um exame de HIV que havia feito. Ele estava com o vírus, disse. Ficou internado três dias e não resistiu. Faz anos que a gente se separou, mas fiquei com medo, fiz o exame. Eu pedi tanto a Deus para que ele mudasse, voltasse pra mim, cuidasse da filha. Fiz promessa, fiz novena. Certo que tinha vários filhos, de mães diferentes, mas ele dizia que gostava tanto de mim...
Agora, veja a senhora como Deus é bom! Por mais que eu pedisse, Ele não me atendia. Me reservou outro destino. Me queria com saúde, para que eu cuidasse bem da menina.
Com certeza, concordou a patroa. Deus sempre sabe o que faz.


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Questões Existenciais e Suas Soluções Mágicas.

"A mente que se abre a uma nova
ideia, jamais voltará ao seu tamanho original"
                                               Albert Einstein

Além do domingo oficial - o outro, que determinei que fosse - é nas terças-feiras e dobra as minhas chances do que esperamos dele - do domingo - a cada sete dias. Fiz isso porque andava desiludida com o retorno do oficial e também porque, no acumulado dos anos, aprendemos a ser previdentes. Somado ao casaquinho e o guarda chuva,  não sou pega desprevenida; e a terça-feira, sem a obrigação de nos prover de felicidade, sempre dá mais do que se espera dela. É aí que aprendo mais uma. Desobrigo o domingo e ele tem me surpreendido. Uma chance de 100 % de ganho por semana é um investimento fabuloso! Invisto em mim e cabe a mim gerenciar os meus ativos. O índice de ganhos é altíssimo! Meus planos são individuais, mas não solitários, e sempre de curto prazo. Sem esperar nenhum desdobramento as adesões acontecem, espontâneas.

Numa terça feira dessas, neste setembro quente - ideal pra boteco e chopp - nos instalamos em mesa ao ar livre ao lado de um grupo grande, com o papo já engrenado. Impossível não ouvir o assunto. Discutiam sobre sorte e azar, fatalidade e destino, escolhas e suas consequências e cada um argumentava na defesa do seu ponto de vista. Sem perceber e por isso mesmo sem disfarçar, partimos do ponto em que estavam e começamos a concordar e a discordar com um e com outro numa apropriação indevida de assunto alheio. Até que eles perceberam, pararam de falar de repente e olharam para nós. O grupo todo! O constrangimento durou só uns segundos, porque um deles falou: Ótimo! Vamos ouvir opiniões diferentes, outros pontos de vista e foi abrindo a roda, puxando cadeira, nos convidando a participar da discussão. Pegamos o fio da conversa no ato e foi muito divertido resolver essas grandes questões existenciais como só acontece em mesa de bar. Gosto de filosofia de boteco porque tudo se resolve, tudo se ajeita, desde que ninguém se dê  muita importância, muita seriedade. Vale pela diversão que é, e vale muito. Certezas absolutas são prerrogativas dos jovens. Já tivemos as nossas.

Quando acordei, aquele sonho me pareceu tão possível, tão viável, que custei a aceitar que tenha sido isso - um sonho bom. E me lembrei da igrejinha onde casei, numa outra vida, tão distante, mas que já fez parte da minha. Acima do altar, em letras góticas, pretas, está escrito:
"Paz Na Terra Aos Homens De Boa Vontade" (Lucas 2:14)

Nesses tempos de posições polarizadas, é disso que precisamos. Boa Vontade uns com os outros.

Não custa nada e por isso não tem preço.

                                   




  

sábado, 16 de setembro de 2017

Como a Minha Avó Virou um Furacão

"Não ignoro as ameaças que o futuro encerra,  
  como também não ignoro que é o meu passado
  que define a minha abertura para o futuro.
  O meu passado é a referência que me projeta 
  e que eu devo ultrapassar."
  Simone de Beauvoir - Carambolas Azuis


Minha avó era alta, magra e austera. Quando meu avô desistiu de tudo, ela se viu viúva com seis filhos, o mais velho por volta dos 10 anos. Mal entrara nos trinta numa época em que - à mulher - cabia obedecer pai ou marido, e na falta deles, o homem que fosse o parente mais próximo. Criou os filhos com a ajuda da família e - eles casados -  passava temporadas ora com um, ora com outro. Morava mais tempo conosco e lembro dela às voltas com lãs e linhas, a tecer colchas e toalhas de crochê numa demanda que me parecia eterna. Costurava bem. Também plantava ervilhas - lembro de mim, abrindo as favas e as comendo cruas, ali, na horta. Nesses tempos de comida saudável não consigo imaginar nada mais orgânico do que aquilo. E plantava aipim e milho e flor. Precisei de muitos anos para entender o privilégio que era comer a sua moranga com açúcar mascavo que servia com costeletas de porco.

Aprendeu a falar a ler e a escrever em alemão - português em paralelo - até que, nos tempos intolerantes da segunda guerra, nunca mais falou alemão, não ensinou aos filhos, os netos não aprenderam e perdemos todos. Adolescente, estudei por uns tempos, fiz aulas particulares, mas não levei a sério, achei difícil, mas ela me confiou os cadernos que preservara de sua meninice, escritos à nanquim, com letras góticas desenhadas com beleza e arte, e a minha pouca idade não permitiu que eu entendesse a dimensão do gesto e a importância que tinham aqueles escritos.

Mas foi com ela - minha avó que não desperdiçava nada, nem risos, nem lágrimas - que construí a primeira relação de cumplicidade. Numa das vezes em que voltou, veio com uma novidade. Aprendera a fumar com um tio meu, o que criou uma encrenca enorme lá em casa. Minha mãe não suportava o cheiro e ela decidiu fumar escondido, numa rebeldia tardia.Vigiadas que éramos - ela por causa do cigarro e eu por causa de tudo um pouco ou por um pouco de tudo - nos unimos para enfrentar o inimigo comum. Eu comprava o cigarro e, antes de entrar em casa, jogava o maço para dentro do quarto dela, de maneira que ela não saia para comprá-los, mas fumava. Não se conheciam os malefícios do tabaco, ou não eram divulgados. Resisti à pressão da minha mãe que queria saber quem a abastecia, e me fez muito bem aquela transgressão que me conectava à minha avó. Foi ali que aprendi sobre confiança e lealdade. Cumplicidades são construções delicadas e preciosas que acontecem poucas vezes na vida.

Contida e discreta, minha avó jamais lembraria um furacão.
Mas seu nome era Irma.



terça-feira, 29 de agosto de 2017

Vamos falar de Sagu



"A Paixão Passa. O Amor Lava e Cozinha"
                                           Domínio Público

Ganhei dois vinhos. Num, a recomendação "P/sagu" 
E agora? pensei - das coisas que não aprendi, uma delas é preparar sagu.
Tentei muitas receitas. Segui o passo a passo de cada uma. O resultado era o Sagu Solidário, versão Unidos Venceremos. Coisa para comer de garfo e faca. Com o tempo, evolui para o Sagu Carnavalesco, O Que Vinha Em Blocos... até que desisti. Desse desaprendizado aprendi que quando não dá - não adianta! Tem hora que é melhor  reconhecer que a coisa não vai. Como pode ser tão difícil  acertar o ponto dessa sobremesa corriqueira que reina, absoluta, em churrascarias de beira de estrada e é onipresente em todos os restaurantes por quilo? Comum em todo o sul, o sagu brasileiro é extraído da fécula da mandioca - ou aipim ou macaxeira - depende de onde você mora.
Falo isso porque existe outro - extraído de algumas espécies de palmeiras - curiosamente chamadas de saguzeiros  e é consumido em larga escala, lá pras bandas do Extremo Oriente.
O nosso sagu, acertada a receita, fica com as bolinhas brilhantes e transparentes, tingidas de roxo pelo vinho e que se unem por afinidade e se separam por individualidade. Cada uma é inteira como tudo deveria ser. Não sei fazer sagu, mas é até possível filosofar com ele - daqui - da mesa da minha cozinha.

Das lembranças fortuitas que trazemos, lembro de uma ocasião em que eu, indecisa em frente de uma vitrine de confeitaria, vi se aproximar um menino de uns seis ou sete anos que, liberado para escolher pediu, taxativo, à moça atrás do balcão: Vou ficar com o saguzinho! A atendente explicou que aquilo era uma calda de frutas vermelhas, o que deixou o menino, antes tão seguro, completamente confuso e decepcionado. Que sabia ele de frutas vermelhas nesse nosso Brasil de bananas e melancias?
Demorou para se convencer de que não tinha sagu na confeitaria e com o olhar conformado, disse, "então vai um brigadeiro". Faz tempo isso, ainda não havia brigadeiros gourmet, o que teria sido uma covardia com o menino. Deve ser adulto agora e espero que continue sabendo o que quer.

Persistia a questão de como usar o vinho, que era muito superior a qualquer um que se usa para fazer sagu. Optei por sobrecoxas de galinha caipira que, na falta de conhaque, flambei com cachaça Boazinha e cozinhei devagar no vinho  Ficou bom. Servi com polenta mole, cozida no fogo baixo em panela grossa.
O prato fez bonito na companhia  do vinho - o outro - que, por sua vez, se comportou muito bem!
Só para esclarecer, a sobremesa  não foi sagu.

                             






segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Resposta à Carta

Quando a gente anda sempre
em frente, não pode ir muito longe...
                          Saint Exupèry


Não lembrava dela, da amiga que me enviou uma carta pelo correio escrita em papel fino. Nada sabia da vida que levou, das escolhas que fez, de como está agora.
Contou de si. Falou que casou cedo, teve filhos nova, largou emprego, mudou de casa. Foi e voltou. Acompanhou marido, criou os filhos, socorreu netos, perdeu e ganhou.
Na vida corrida esqueci da carta, não respondi.

Me escreveu outra, falou dos sonhos que partilhamos, do que queríamos da vida, me fez lembrar dos planos, dos vinte anos...me desafiou e insistiu. Foi entrando devagarinho, essa amiga que mexe comigo. Me perguntou de amores, de trocas, de dores. Quis saber como me saí, nessas coisas de sentir. Me irritou, briguei com ela, mandei-a ir. Ela voltou, impertinente, e declarou: Daqui não saio. Daqui ninguém me tira! Me recolhi, não dei-lhe ouvidos. Qual é a dela? me perguntei. O que acha que pode? Como me invade, tumultua minh'alma, me faz cobranças?  E ela ficou, me incomodou e decretou: Me ouça, é a sua chance! Resgate-se e siga adiante! Falou de nós - chata, insistente.

Cedi, enfim! Me invada agora, então lhe disse: Do que precisa para deixar-me em paz, obstinada?
E ela, então: Nada preciso, você que assuma o que a consome, lhe dê o nome.

E respondi, de pronto, assim, num jorro só:
Perdi confiança, perdi caminhos, o chão faltou.
Amigo vão é o que eu tinha, sem ilusão.
Amor ausente, amor descrente, tudo acabou!

Ficou feliz, a minha amiga, ao fim de tudo.
Argumentou "é isso aí o que é preciso"
Realidade, sem ilusão, sem esperança.
Amor não era, nem amizade, e nem confiança.

E me fez bem esse rompante, o desabafo.
Tinha razão a amiga chata, perseverante.
Fechar história, dar-lhe um final, desembaraça.
É o que permite, viabiliza, seguir adiante.








domingo, 13 de agosto de 2017

O Incunábulo

"Onde quer que você esteja,
  esse é o ponto de partida."
Kabir Kabir- Índia 1440/1518

Empoleirada na cadeira alta da lanchonete do posto de gasolina - o carro na fila da ducha grátis -
mordisco um salgado e zapeio no celular. Entra uma mensagem da amiga que, da Alemanha, comenta da emoção que sente ao ler um livro - que já li - abastecidas de boas leituras que somos, ambas, por uma amiga comum. Tão feliz está com o precioso livro que zela para não amassar-lhe as páginas e comenta comigo "É um incunábulo"!  Quando entra outra mensagem me desafiando a descobrir o significado de tão esdrúxulo vocábulo, eu já havia me socorrido do Sr. Google que me esclareceu: Substantivo masculino. 1. momento inicial, começo, origem, berço.
Adjetivo substantivo masculino. 2. diz-se de/ou livro impresso que data dos primeiros tempos da imprensa (até o ano de 1500)
Sendo do primeiro significado que falamos aqui, pergunto a ela: E não é de incunábulos em incunábulos que são feitos os nossos dias? Viver, enfim, não é um constante começar?

Dos guardanapos ordinários do posto de gasolina onde registro esses sentires, reflito que já não o são como antigamente...especialmente esses, de 15x15 cm, impermeáveis de um lado que, se não cumprem sua função primeira, se revelam adequadíssimos para receber os meus rabiscos pois, não sendo porosos e nem macios, resistem à fúria com que a caneta corre sobre eles.
Sempre achei fascinante escrever em guardanapos de bares e botecos - em impulsos incontroláveis - e é a terceira ou quarta vez que faço isso.Tenho gostado.

Em paralelo, mantenho uma conversa com a filha que está longe e ela pergunta:
Já almoçou, mãe?
E eu: estou comendo um salgado no posto de gasolina.
Ela, que adora "coxinha"(sem trocadilho) é uma coxinha, pelo menos?
Respondo: é um salgado integral de alho poró e frango, mas a cerveja redimiu o ultraje.
Salgado gurmê de posto, diz ela. Então, é coisa  phina.

Me chamam. O carro está pronto. Ganhei o dia. E a vida segue....



terça-feira, 8 de agosto de 2017

Agosto

"Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos
   são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento."
                                          Miryan Lucy de Resende

De agosto, lembro dos ventos, naqueles dias em que as brincadeiras tinham época certa. Agosto era mês de pandorgas. Para mim durou dos onze, quando ainda temos um pé na infância, até os treze ou catorze anos. A meninada, já toda crescida, usava a brincadeira como pretexto para se encontrar.
Eram os começos das primeiras paqueras, das paixonites agudas que duravam uma semana. Precisávamos de um motivo muito bem explicado para sair de casa e jogar conversa fora com os meninos, dois, três anos mais velhos.

Não lembro o nome do papel que usávamos. Era brilhante e fino e colava bem. Fervíamos araruta e água, o que resultava numa cola transparente que grudava tudo. Era mais garantida que a goma arábica, a mesma que ainda tem nos correios, naqueles potes de vidro com um pincel preso na tampa. A estrutura que fixava o papel tinha que ser de madeira fina e flexível e o ideal era o bambu. Tínhamos, na minha casa rolôs de bambu. Essas persianas ficavam atrás das cortinas de tecido para protegê-las do pó e escurecer o ambiente. Não era coisa de ficar à mostra, numa região onde a madeira abundante era a maior riqueza. São assim as coisas fartas, por mais especias que sejam não valem muito, até que escasseiem. Hoje esses rolôs são caros e continuam lindos.

Para mim era uma vantagem e tanto! Consegui respeito entre a meninada porque as pandorgas que eu fazia subiam bem, retas, impávidas, por conta da excelente estrutura de bambu que as deixava leves e robustas. Uma arte! Eu afrouxava o barbante fino e forte que unia as varetas das persianas da sala e as puxava com cuidado para não quebrá-las, ao mesmo tempo que torcia, desesperadamente, para que a minha mãe não descobrisse. Com a lógica própria da idade, achava que se eu tirasse aqui e ali, em cima e mais embaixo, um dia de uma, outro de outra, ficaria mais difícil da minha mãe perceber. O fato é que estraguei todas até que ela descobriu...mas isso é outra história...

Um dos meninos mais velhos, habilidoso na marcenaria, me deu de presente uma carretilha grande, de manivela firme e madeira avermelhada - lixada e linda - que abasteci de linha número 10 e que expandiu meus limites de céu. Foi um dos melhores presentes que ganhei na vida, não só pela evidente praticidade da engenhoca, mas pela distinção de ter sido escolhida para usar uma ferramenta que só os meninos possuíam. Foi maravilhoso me sentir uma igual.
Minha pandorga subia até eu perdê-la de vista e então eu a recolhia e ela começava a aparecer como um pontinho preto que eu reconhecia e ela vinha vindo, elegante, balançando a rabiola de argolas engatadas umas nas outras numa corrente colorida.

Escrevendo o texto que os ventos deste agosto me trouxe à lembrança, me dou conta de que nunca esqueci essa história, não tanto pela habilidade que tinha de confeccionar e empinar pandorgas e nem pela destruição das persianas da minha casa. O que me invade é a memória do que senti ao receber o presente que me colocava em pé de igualdade com os meninos empinadores de pipa.







sábado, 29 de julho de 2017

A Viagem Que Não Fiz

 "Não queiras gostar de mim
    Sem que eu te peça
    Nem me dês nada que ao fim
    Eu não mereça..."
                         Artur Ribeiro   

Entendi que decidiram ir atrás de vinho e bacalhau e todos os et cetera e tal - que tem lá - em Portugal. Não sei ao certo, porque as coisas que nos chegam vem com o olhar de quem nos conta. Enfim, queriam que eu escrevesse sobre a viagem que elas fizeram. Ora, se eu não fui, como posso descrever como foi?  Sim, sim, mas a gente conta tudo direitinho e você organiza a narrativa. E começaram a falar, todas juntas, uma começava a contar um caso e a outra continuava ou interrompia, do jeito que só mulher sabe fazer e entender... E a cada lembrança, a cada história narrada, riam e se divertiam com o deleite das boas vivências. Contaram que cantaram fado - no palco - junto com a fadista e que, voltando a pé para o hotel, depois de um jantar animadíssimo, foram surpreendidas por uma chuva repentina e chegaram com cabelos e roupas pingando e se acabando de rir; que comeram bacalhau por uma vida inteira e que, de vinho, não se fartaram...
Munida das informações, dispensei-as. Espero corresponder às expectativas...

A primeira coisa que fiz foi ouvir uns fados para entrar no clima - os mais conhecidos - na voz de Amália Rodrigues e Francisco José e escolhi o De Quem Eu Gosto  - para me inspirar - porque todo mundo conhece, muita gente gravou e tem uma letra maravilhosa. O compositor é Artur Ribeiro, nascido na cidade do Porto em 1924, com mais de mil obras entre canções e letras.
De modos que cá estou embebida de fado e acompanhada do Porto ou embebida de Porto e acompanhada do fado - tanto faz - no esforço de verter uma história que não é minha. É a primeira vez que conto uma viagem que não fiz e estou curtindo bastante; tá certo que me acompanha a nostalgia do canto e tenho a ajuda do vinho que me trouxeram - sabem das coisas -  essas meninas.

Foi bonita e divertida a viagem que fizeram essas sete mulheres maduras de idades variadas. Têm a habilidade de viver que a experiência confere e legitima. Cometeram erros e revisaram certezas. Recomeçaram muitas vezes. Levantaram outras tantas. Têm a percepção serena de que a finitude é inevitável e que devem a si mesmas as alegrias que dão sentido à existência. Sabem como levar a vida de um jeito bom. E levam!
Viagens boas são as que estamos em boa companhia a começar pela própria.

























                  

domingo, 23 de julho de 2017

...e me arrisco num soneto.

 Escrever e publicar é um desnudar-se que exige coragem.
 Escrever versos e publicá-los é uma ousadia e um risco.
                                                                                 C.W.

       
             O Que Consigo

É no descompasso do meu próprio passo
Que perco o rumo, saio do traço.
É no desacerto do que sinto certo
Que me desconecto, que me desacerto.

É no impulso que me carrega
É no devaneio da minha entrega
Que me atrapalho, que me embaralho
E me contenho, mas dá trabalho.

E fico atenta, não me distraio
Me dá trabalho, mas não me traio.
Então eu sonho e me iludo
Num luxo meu, só meu, contudo.

E me deixo ir por tempo curto
por que é preciso, são meus anseios.
E me recomponho, contenho o surto.












quinta-feira, 20 de julho de 2017

Dia do Amigo

"Ter muitos amigos é não ter nenhum"
                                             Aristóteles 

                              
O Dia do Amigo e Dia Internacional da Amizade foi criado pelo argentino Enrique Ernesto Febbraro. Com a chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969, Febbraro enviou cerca de quatro mil cartas para diversos países e idiomas com o intenção de instituir o Dia do Amigo. Acreditava que a união em torno de um objetivo comum poderia promover o bem de todos. Aos poucos a data foi sendo adotada em outros países e hoje, em quase todo o mundo, o dia 20 de julho é o Dia do Amigo. Foi criado por decreto, na Argentina, em 1979 ( Decreto  235/79 /Fonte: Wikipédia) 

No Brasil comemoramos o Dia do Amigo em 20/07 e em 18/04. Não consegui descobri o motivo. Se alguém souber me informe, por gentileza. Em 04/02 é o Dia do Amigo do Facebook. Coisa de brasileiro... Mas não é uma jabuticaba... 

Idealista, a intenção do argentino tem o mérito de acreditar nos bons sentimentos humanos de solidariedade e boa vontade. Mirou num ponto e acertou em outro. Acredito que o maior mérito da criação do Dia do Amigo seja o resgate do adjetivo "velho".  Para muita gente, ser chamado de velho é pior do que um palavrão. A palavra velho se transformou no adjetivo que qualifica - ou desqualifica - coisas, objetos, lixos... trapo velho, chinelo velho, carro velho e por aí vai...
Quando se refere a pessoas, usa-se eufemismos, os mais criativos, para substituir a palavra velho.
Das gentes, diz-se que estamos na "Melhor Idade, na  Feliz Idade" ( não sei o que é pior)  que temos o espírito jovem - tolice entre as tolices -  e há, entre nós - os que acreditam e se esforçam e se misturam com os jovens de fato, como se a proximidade com eles fosse suficiente para voltar no tempo e recuperar a juventude passada, não creio que tenha sido perdida.

Mas o amigo não! Nada tem mais valor, mais significância do que um velho amigo. Aquele, de longa data, de infância, de juventude. É, ao mesmo tempo, um velho amigo e um amigo velho. Aqui, o adjetivo é tão valorizado que se desdobra em dois. Velhos amigos são pessoas velhas. São preciosos, por isso são raros. O significado de velho, na amizade, é de tal importância que nos referimos a eles assim:

"Tenho um velho amigo que, quando nos reencontramos, é tão boa e tão fresca a nossa amizade que parece que voltamos- lá - no tempo de ontem, como se não tivesse passado nem um dia..."
"Tenho um novo amigo que, quando nos encontramos, é tão boa e tão fresca a nossa amizade que parece que nos conhecemos de vida inteira." 

Eu tenho o privilégio de ter amigos assim e é para eles que escrevo este texto, com gratidão e afeto.
Feliz Dia do Amigo!



                           



sábado, 8 de julho de 2017

O Que Espero De Mim?

"Tinha de lá chegar primeiro,
só depois havia de deixar-me ir."
                " a máquina de fazer espanhóis"
                  Valter Hugo Mãe

Do Bom Humor:
Quando nossas andanças coincidem - eu sozinha - elas em dupla, nos cumprimentamos com simpatia. Somos amigas de parque. Impossível não nota-las, porque caminham e conversam e falam sem parar, munidas de galhos caídos que usam como cajado.  Andam com postura ereta, cajado à frente do pé direito e pé esquerdo alinhado com ele. É assim que se faz, ouço uma explicar à outra...e, logo em seguida, as vejo cortando o ar, brandindo os cajados como " Quixotes"ensandecidas atacando secretos moinhos de vento. Depois os colocam no porta malas do carro e vão embora. Dia desses, as encontrei à procura de cajados novos, e me explicaram que o carro tinha ido para a revisão e voltara limpo e sem os galhos. A dona do carro me explicou que ligou e perguntou porque deram fim ao cajado dela. Foi uma confusão! Explica daqui e procura dali, informaram que só jogaram fora uns galhos tortos e secos que estavam no porta malas." Pois é, pois é, era isso mesmo". E se divertem imaginando que viraram assunto do pessoal da agência. Sabe-se lá quantas coisas estranhas as pessoas esquecem nos carros! E riem, felizes," devem comentar de uma doida que carrega pau seco no carro." Aquele dia rendeu risos e reiterei a certeza de que bom humor é de graça e é insuperável na defesa da saúde. Baixa a ansiedade e controla o estresse.

Das Expectativas:
No meu grupo de canto coral, o Tempo Certo, eu gostaria de cantar como a Mônica Salmaso, o que me daria prestígio e reconhecimento imediatos, mas me tiraria dali. Eu não caberia mais ali, ficaria grande demais. Pesando prós e contras do que me interessa e importa, sem dúvida eu sairia perdendo. Então, pés fincados no chão e olho enfiado em mim, entendi que a minha expectativa seria a de cantar melhor do que eu. O que tem sido dificílimo, não porque eu cante bem, mas porque, tirando a facilidade que tenho em decorar as letras das músicas, tudo o mais me é difícil - afinação, uso do diafragma, respiração correta e no momento certo, postura no palco e por aí vai. Minhas amigas dizem que tenho melhorado bastante. Sem desconsiderar a opinião delas, me sentiria mais segura com a chancela do nosso querido regente. Aguardo.

Das Legitimidades:
Quando me lastreio como faço agora - por necessidade e correção de rota - me socorro de mim - e, ciente dos meus recursos, faço um caldo de cozimento brando, reduzo, decanto e decido o próximo passo. É tempo de seguir devagar, sem enfrentamentos. A velhice - não tenho pudores em usar a palavra certa - é tempo de relações legítimas, de clareza, de escolhas que nos façam bem, de profundo amor próprio.
É tempo de lealdade e confiança!


  




segunda-feira, 19 de junho de 2017

Não Para Abrir Vidros de Palmito

"Fica, oh brisa fica pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar."
                          Eu e a Brisa
                          Johnny Alf


Jesus sabia de vinho, de peixe, de pão e de compaixão. Sabia tanto que os multiplicava de acordo com a demanda. Maria sabia do filho e entendia de amor e de dor. E tem São Longuinho, a quem apelo sempre que perco óculos, chaves, celular... e me ponho a procurar diligentemente, pois as coisas de pedir ajuda funcionam muito bem quando fazemos a nossa parte e, ao encontrar o que perdi, lhe pago os três pulinhos acertados. Dever pra Santo não é uma boa ideia porque, logo ali, precisaremos de seus préstimos. A Maria, peço proteção para mim e para os meus, porque de bençãos as mães entendem. De promessas, fico com os pulinhos contratados com o Santo que encontra coisas perdidas. Ciosa com as dívidas, só contrato as que posso pagar. A Jesus não peço nada, porque ele já deu tudo. Dia desses fiz um peixe fresco, que comi com um pão escuro e bebi um vinho bom. Alinhei ideia e coração e sumiram tumulto e descompasso. Me senti bem.

Quando a vida muda o rumo e não manda aviso, a gente se embaralha um pouco, mas sabe que deve prestar atenção, até descobrir aonde será o nosso lugar no rearranjo novo. No mais das vezes só precisa trocar de pensamento, por isso eu acho que quem envelhece é mais adaptável do que os mais novos, pois isso, de mudar sentimento e pensamento, é coisa pra quem aprendeu um pouco da vida.
Porém, na mudança, a gente se leva toda. Nada de deixar, pelo caminho, nenhum pedaço de si. Como o espírito, e aqui discordo de novo com o lugar comum de que " velho bacana tem espírito jovem". Nada disso! Meu espírito e eu nascemos no mesmo dia e estamos a fazer aniversário por por mais de 60 anos, sempre juntos. Claro que, quando nos mudamos, ele leva as manias que adquiriu. Coisa de querer um espaço para se instalar com o conforto que ele sabe que o meu corpo necessita e que eu, mulher de poucas dores, não tenho muitas exigências. Mas é imprescindível que bata sol, entre luz e caibam meus livros, minhas panelas e meus amores.

De uns tempos para cá, os vidros de palmito vêm com um lacre na tampa que, removido com facilidade, permite a entrada do ar e a tampa abre sem esforço. O palmito entra na salada e acompanha do peixe à picanha. Os vinhos, com os novos saca rolhas, também dispensam força física e contém, em si, o que prometem.
Tudo o mais é bônus.
Precisamos, uns dos outros - para as imprecisões e as partilhas -  foi Jesus que falou!
Para consertar  coisas, a gente chama um técnico.
 

















quarta-feira, 7 de junho de 2017

Depois da Aula

" Nada do que foi será
   De novo do jeito que já foi um dia
   Tudo passa 
   Tudo sempre passará"
             Lulu Santos

Estamos, salvo as honrosas exceções de sempre, massacrando Tom Jobim para uma agendada apresentação da Escola, no segundo semestre. O professor, abnegado como são os convictos, se empenha e ensaia e insiste.
Intimamos família e amigos para assistir, numa destemida prova de coragem. Meus filhos, avisados, já disseram que, infelizmente, não poderão comparecer, pois têm compromisso neste dia. Vocês nem sabem qual é a data, aleguei. Reafirmaram o compromisso. Desconfio que seja um caso de vergonha alheia...
Contenho os voleios das mãos, depois do professor me alertar, "não faça a regência, por favor!" Como nunca uso roupas sem bolsos, depois daquele aviso, deixo as mãos contidas, neles...mas de pouco adianta, sacolejo e remelexo e penso que o professor tenha se arrependido do que disse...

Depois da aula, merecidamente, vamos relaxar que ninguém é de ferro. A escolha do lugar é feita de acordo com o clima, assim como o que vamos beber. Nas noites de agora, mais frias, a escolha vai para sopas e vinhos e os assuntos são todos... e sempre saímos com os problemas resolvidos. Se não os nossos, os das outras, porque, como dizia meu pai, "fácil é resolver o problema alheio"


Num desses dias, assistimos a uma apresentação de Fado, de uma portuguesa bonita que cantava lindamente, "De quem eu gosto, nem às paredes confesso"... e nós, sem vergonha e sem noção, com o vinho a nos dar coragem, fazíamos coro à interpretação da moça. Divertidíssimo!
Como já fazia um tempo razoável daquele dia, decidimos voltar lá. A informação que tínhamos era que a moça voltara para Portugal e que o lugar não estava mais apresentando shows.
No entanto, logo ao chegar, a mais sagaz de nós observou "a moça que nos recebeu não é a   fadista? " É mesmo! Ela, porém, não demonstrou que nos reconhecera. Talvez tenha se preservado para não correr o risco de nos ouvir cantar e não nos interessava, nem um pouco, que ela nos reconhecesse. O encanto daquele canto ficou naquela noite, daquele dia. Uma lembrança boa para nós. Para ela, foi parte do trabalho.
Quando a vida acontece assim, fluida e leve como deve, é muito bom. É outro momento, outra percepção.
Um sentimento novo.

                           

sábado, 27 de maio de 2017

Palavras em Desuso

"Com que grandeza
  Ele se elevou
  Às maiores baixezas!"
        Millôr Fernandes

Circula, nas redes sociais, um vídeo onde a poeta, professora e gente de bem, a mineira Adélia Prado, pede, ao auditório lotado reunido para ouvi-la "um minuto de silêncio, um encontro com a nossa coisa mais profunda e nesse minuto de silêncio a gente pedir pelo Brasil" e convida o auditório a rezar um Pai Nosso cantado, junto com ela." É a primeira vez que faço isso," diz, com verdade absoluta. É emocionante.

Evito usar a expressão "no meu tempo" porque, além de um auto descarte que não precisamos cometer, esse, de nos colocar deliberadamente à margem da estrada antes da hora, tem quem o faça por nós, com absoluta competência. Nada contra envelhecer, considerando-se a alternativa. É que hoje lembrei de uma palavra lá, das antigas, que não ouço há muito tempo e que se usava bastante. Lambança!  que lembra lambuza. Podemos dizer que quem faz lambança se lambuza.

No Brasil de nossos dias a lambança generalizada deixa o país todo lambuzado. A corrupção e a roubalheira são tão grandes e diversificadas, que sugiro aos políticos de bem, numa reação às listas de investigados que não param de aumentar, que se reúnam e elaborem, uma lista dos políticos que não aparecem em lista nenhuma! Serviria de sinalizador, para que nós, eleitores, tivéssemos em quem votar nas próximas eleições. Além de alento para os que acreditam que há muito politico comprometido com o bem comum. Eu sou uma destas pessoas. Acredito que existam políticos ilibados (outra palavra que quase não se usa). A divulgação do nome deles seria um serviço que prestariam ao País, de graça, custo zero. É só divulgar nas redes sociais. É um começo.

As lambanças, quando descobertas, expõem  o lambanceiro à execração pública! Ele deveria sentir uma coisa, também em desuso, que se chama Vergonha. Tudo bem, não teve vergonha de se envolver na roubalheira, era o esquema, não tinha como escapar, enfim... mas o que vemos é que o sujeito não sente vergonha, nenhum constrangimento mesmo com o nome exposto, mesmo detido, condenado, preso!
Penso  nas mães e nos pais desses políticos, orgulhosos com a carreira do filho, que, não raro, moram em cidadezinhas pequenas deste Brasil tão grande e que agora sentem, eles, a vergonha que os filhos deveriam sentir, e talvez se perguntem," onde foi que eu errei?"

Recuso-me a acreditar que somos corruptos por natureza e que" político é tudo ladrão," não aceito o conformismo dos que dizem, "sempre foi assim, vem desde Cabral"....Qual?...
Acredito que o Brasil passa por um profundo processo de mudança, e que o caminho para melhorar é através da Política Comprometida com o Bem do Brasil e dos Brasileiros. Acredito que a nossa jovem democracia precisa urgentemente de cuidado e zelo, muito trabalho e empenho de todas as pessoas de boa vontade.
Não levanto bandeiras e nem defendo ideologias. Sei de mim,  não sou corrupta, não roubo, não participo de conluios e nem sei como se faz para subornar alguém.
Passo por ingênua, (será?) mas tenho absoluta convicção de que o Brasil precisa, urgentemente, que as pessoas de bem se manifestem e se posicionem. Nesse momento, não existe nenhuma ideologia política no País. É um salve-se quem puder!
Precisamos de paz, foco e trabalho!








                      

sábado, 20 de maio de 2017

Por Que É Maio e Quando Três é Multidão


É hoje a cerimônia de formatura da minha filha - Mariana - no curso de Doutorado em História da Arte em Dallas, nos EUA. Foi um longo caminho o que ela percorreu. Estudiosa e disciplinada, desde sempre foi atrás de aprender. Lembro do dia em que, menina de 9 ou 10 anos, aluna de pintura do Prof. Luiz Carlos de Andrade Lima, ele me disse : " Não sei o que essa menina vai ser, no futuro, mas sei que será alguma coisa ligada à arquitetura, à arte, aos museus." Lamento que ele não esteja mais aqui para saber que a previsão se cumpriu, inteirinha.

De mim, sei que gostaria muito de estar lá, presente, para celebrar com ela. Nós, as mães, acreditamos que formaturas, casamentos, nascimentos de netos, esses acontecimentos marcantes na vida dos filhos são ocasiões em que estaremos presentes e ponto. Mas nem sempre é assim. Nas voltas que a vida dá, tem horas em que oceanos e fuso horário nos separam, mas coração e pensamento, que não precisam de avião nem passaporte, voam e chegam junto e ficamos felizes como se estivéssemos lá.
É o que importa.

Quando Três É Multidão 

O estabelecido é que o grupo comemore uma vez na semana. Esse é o Estatuto.
Nossa constituição é escrita sem letras e o papel é inexistente. E como funciona! A dinâmica muda de acordo com a composição do dia. A base é o prazer de estar junto. E como é rica de intuição e de sextos sentidos uma pessoa que aprende com o que sente, com o que troca, com o que descarta....
Só não tem sessão, é claro, se acontecer de ficar uma só, mas isso nunca aconteceu.
Quando garantimos nosso próprio divertimento, fortalecemos o coração e a imunidade. Ficamos aptos para enfrentar dificuldades e perceber alegrias. Esse tipo de alegria que sinto hoje, misturada com um orgulho bom pela formatura da minha filha, mesmo que eu não tenha ido.
Peço emprestados à Alice, os votos que ela postou, e os repito aqui:
"Guria!! Sobe naquele palco e arrasa na caminhada com sua roupa de doutora!"



















sábado, 13 de maio de 2017

Continue Sendo!

"Qual seria a sua idade se você não 
  soubesse quantos anos você tem? "
                                      Confúcio

O uso inadequado e abusivo do gerúndio, do que reclamamos tanto e com razão, como
a " senhora vai estar participando", ou " nós vamos estar lhe comunicando" e outras expressões similares, deu à  Forma Nominal  do verbo uma fama injusta e imerecida. A característica principal do gerúndio é que ele indica uma ação contínua, que está, esteve ou estará em andamento. É a ação acontecendo! Digo isso porque quero defende-lo, por injustiçado.

Li uma entrevista com o ator Marco Nanini,  em que ele fala sobre envelhecimento e suas sequelas com a naturalidade dos que aprenderam com a vida, ... "nada me assusta porque são coisas esperadas."  Tão certo como não saber o que o futuro nos reserva, é saber que, com o tempo, a nossa manutenção, digamos assim, fica mais frequente e abrangente. Ir ao médico é uma atitude necessária, porém destemida. O primeiro que consultamos, após checar os nossos exames e nos medicar, nos encaminha para outro, que, por sua vez, nos encaminha para um terceiro. Faz parte. O consenso é que precisamos caminhar muito, beber pouco, comer menos, fumar nada. Por isso, sugiro que comecemos a mudar a maneira como trocamos cumprimentos. Ao felicitar pessoas que queremos bem, fica bom dizer: Desejo que você continue sendo! Nos acostumamos a desejar que a pessoa continue sendo tão amiga ou divertida ou prestativa. etc.... É muito! Continuar sendo não é pouco. Do contrário, é tudo. É a grande questão! Sendo o que é, sendo o que acredita. Devemos desejar sorte também, para todo o resto.  A gente vai indo, cuidando aqui, mantendo ali... e vai levando...

De Mães e de Filhos

Minha sogra dizia - de filhos - "desde que, nunca mais". São eles que nos fazem  mães e sempre será deles o nosso amor sem medida. São objetos do nosso orgulho, dos nossos pedidos de proteção e bençãos. Desejamos que tenham todos os sucessos e que a vida os trate com justiça e gentileza. Foi neles que pousamos - maravilhadas - o primeiro olhar de mãe e serão seus olhos que buscaremos com o derradeiro olhar.

As mães vem sendo santificadas e enaltecidas há muito tempo e de várias formas. Confesso que não gostaria de "padecer no paraíso" e também não acho bacana a versão "supermãe", a que dá conta de tudo. Uma nos coloca num sofrimento inescapável. A outra exige mais do que temos condições de dar.
Levemos a vida, mães e filhos, nos querendo bem, respeitando espaços e escolhas, nos socorrendo quando for preciso, sendo independentes e confiantes.

 Desejo que, neste domingo, Mães e Filhos comemorem com alegria,  porque um só existe por causa do outro. Aos que passarem o dia juntos, que o façam por mútuo querer, sem pressão e sem cobrança. Os que estão separados, que seja somente pela  distância física.










  

   





quarta-feira, 3 de maio de 2017

São Roupas Passadas....

"Escrever é ter a companhia
 do outro de nós que escreve."
                    Vergílio Ferreira

Ele se apresentou como "Apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior"... e se estabeleceu e contribuiu enormemente para o brilho e a importância da nossa música popular. Nos deixou, em 30 de abril, e já faz falta. Foi imprescindível nas playlist  da juventude dos anos 60/70 - quando gravávamos fitas cassetes que rebobinávamos com o auxílio de uma caneta Bic  e sabíamos todas as letras de cor.  Ainda sabemos. Belchior  percebeu, muito jovem, que o "passado é uma roupa que não nos serve mais"... que Elis Regina cantava lindamente.

Recebi o pedido gentil para "fazer parte de suas amizades" de uma leitora de Ribeirão Preto - Fátima - com a alegação de que "gosto muito do que você escreve", e trocamos informações onde ela diz que chegou aos meus escritos através da irmã  - Aparecida - e que "que fico feliz com tudo o que você posta". E como a felicidade é sempre generosa, fiquei feliz também. Nos conhecemos, dona Aparecida e eu, em um bazar de roupas usadas organizado pelas famílias dos cantores infanto-juvenis do Papo Coral  na Paidéia Escola de Música, cujo objetivo foi o de angariar fundos para viabilizar a aceitação do convite recebido da Câmara de Trento - na Itália - para que o Coral participe de um intercâmbio cultural no mês de junho. O neto dela e a minha neta fazem parte do Grupo.

Nestes tempos de sustentabilidade necessária, bazares de roupas usadas são um sucesso e proliferam em todo lugar. A ideia é boa e uma boa ideia é sempre um bom começo. Abrimos espaço em armários atulhados, nos livramos de coisas que não nos servem e que servirão para outra pessoa. Remanejamos e reciclamos. Arejamos casa e armário. É um movimento de vai e vem, porque também encontramos alguma pechincha que é a nossa cara. 

Acredito que, quando Belchior  compara os sentimentos que trazemos a uma roupa que não nos serve mais, ele nos convida a olhar para dentro para identificar o que nos atrapalha. Tem sentimentos que ficaram puídos e gastos e não suportam mais remendo. Tem aquele que nunca serviu direito, e sempre foi um desconforto usá-lo. Tem até um que usamos por empréstimo e passa da hora de devolver.
Fica o que é bom e trazemos conosco. Somos acumuladores, mas só de viver.














domingo, 23 de abril de 2017

A Festa da Beta

Entrou no salão de festas de bolsinha dourada à tiracolo, sandália dourada de saltinho e um sorriso aberto iluminando tudo. Chegou explicando o porquê da bolsinha atravessada no peito: "guardo as chaves, o celular e os controles para acionar os aparelhos de ar condicionado, é prático, mantenho os braços livres para acolher abraços." Acho que bolsinhas sejam do agrado de Elisabeth porque me lembrei de outra - tão nobre quanto - que as combina com chapéus e que servem de especulação para jornalistas do mundo inteiro  "o que contém a bolsinha da rainha?" De minha parte penso que, nesta, também cabe o celular, e arrisco supor que abrigue um batom para retocar a maquiagem, e  talvez um lencinho para secar uma ou outra lágrima necessária. Acredito que mulheres, todas diferentes, têm em comum mais coisas do que mostramos à primeira vista.

Estavam lá, os da família e eu - que sou apresentada como a filha postiça - numa deferência e consideração que me comove e que agradeço. Dos quatro que formavam os dois casais de amigos de todas as horas, ela é a única que continua firme e forte e é admirável o entusiasmo com que organizou a própria festa para celebrar os 80 anos. Lembro, adolescente, indo passar o verão inteiro com eles no sobrado grande, de madeira, pintado de cor de rosa, quando a Rua 2000 - em Camboriú - era longe de tudo e a gente ia até o mar, pisando o chão clarinho, sem calçamento, sem  meio fio e sem calçada. A casa tinha nome próprio, chamava-se Raimunda, era ampla e confortável, e havia sido construída sem nenhuma preocupação com a estética. Era feia de cara!  Nada de cerca ou muro, era só sair e depois de cinco minutos nos regalávamos com sol e mar!

Depois do almoço gostoso e farto, ficamos por ali, papeando e bebericando e lembrando histórias divertidas dos ausentes o que, numa festa de oitenta anos, é assunto inevitável. Acho que eternidade é um pouco isso, ser lembrado pelas histórias que partilhamos e que os amigos contam e aumentam um ponto e sentem saudades e dizem ah! lembram daquela?
Pelo meio da tarde foram chegando mais amigos para comer o bolo e cantar o Parabéns e foi um tal de "nossa, nunca reconheceria você se o encontrasse na rua " o que é, ao mesmo tempo, nostalgia e privilégio. Revi pessoas que não via há mais de quarenta anos e troçamos uns dos outros concluindo que estávamos todos ótimos!

Parabéns e vida longa à dona Beta com votos de que se cumpra o que ela própria se desejou ao apagar as velas, aquelas que teimam em reacender na melhor metáfora do que é viver. Entre uma soprada e outra manifestou a vontade de chegar aos noventa e, precavida, adiantou: quando chegar lá, reviso a meta!


           



quarta-feira, 12 de abril de 2017

De Rosas e Rolhas

"A saudade é uma tatuagem na alma:
só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós."
                                                     Mia Couto


Das mil rosas roubadas que Cazuza usou para se desculpar das "mentiras e mancadas" no ato exagerado que nomeia a música, meu pensamento sempre vai para a ocasião em que meu pai estacionou na garagem de casa, à hora do almoço, e retirou um volume enorme do porta malas, e sorridente, me perguntou "adivinha o que é isto?" Pela facilidade com que ele ergueu o pacotão dava para saber que a coisa era leve. Nem deu tempo para pensar em nada porque ele declarou, exultante: comprei mil rolhas!  Foi um tempo em que ele andava às voltas com a construção de uma adega, com os nichos revestidos de isopor e paredes e piso de cimento - rústica - erguida fora da casa e que funcionou muito bem. Tinha um termômetro que oscilava entre 13 e 14 graus numa região de verões escaldantes e invernos muito frios. Difícil foi convencer minha mãe da necessidade de tanta rolha. É que  - ele explicava - o padre da  "Tifa das Cobras" me telefonou hoje dizendo que o vinho deles promete, porque choveu quando devia e não choveu quando não precisava, de modos que a uva ficou supimpa e isso e mais aquilo, e eu reservei o excedente. Coisa pouca, comprei só 500 garrafas. A esta altura  a coisa pegou fogo! Ela ficou furiosa, porque o negócio complicava cada vez mais. Minha mãe gostava de padres, na missa, rezando e repartindo o pão e meu pai gostava de padres, fora da missa, dividindo o vinho.

Não lembro como a discussão terminou, mas eles ficaram uns dias sem se falar, pelo menos na nossa frente. Depois de um tempo ele montou uma linha de engarrafamento na mesa grande da churrasqueira, para, depois de engarrafada e arrolhada, mergulhar cada garrafa na cera derretida para
vedá-la, e só então colocar na adega para maturar. Fui convocada para ajudar e até achei divertido. Só não gostei das mil abelhas que vieram revindicar a cera que lhes pertencia, e lembro de que com elas a negociação foi um pouco mais difícil do que com a minha mãe.

Bebemos muito daquele vinho, em domingos ensolarados de churrasco e riso. À mim cabia o privilégio de, "para dar sorte",  atirar e quebrar, de costas, o cálice vazio nas brasas da churrasqueira. Minha mãe ia e vinha, com os doces de figo, ambrosia, de cubos brilhantes de abóbora, excelentes, como nunca fiz igual.

Hoje acredito que "a sorte" se dava ali, naquele momento e naquele dia. E que também tiveram "sorte" as pessoas que resgataram as garrafas que boiaram, nas águas daquele rio que encheu tanto que levou os vinhos e levou meu pai.








segunda-feira, 3 de abril de 2017

Sete no Mexe-Mexe

"Não perdi a memória.
Só não lembro onde botei."
                 Millôr Fernandes

O evento vai se chamar Mexe-Mexe 500!  A data não está marcada, mas é certo que será no princípio de dezembro quando todas já cumpriram os aniversários e a soma das idades chegar a 500 anos. Começaram jogando canastra, mas quando uma faltava impedia o jogo da parceira. Eram tempos de muitas demandas e os imprevistos eram frequentes. Uma correria! aquele  "leva e trás" da criançada para a escola, trabalho, compromissos e a semana voava e a vida escoava. Aparentadas entre si, as sete resolveram se dar uma tarde para colocar o papo em dia enquanto jogavam carteado e dividiam o lanche. Passaram para o Mexe-Mexe  por ser jogo de cada um por si e a ausência de uma não impediria o jogo da outra. Não lembram exatamente quando começaram. Uma alega que foi assim que voltou da primeira viagem que fez ao exterior, com o marido, sem as crianças e sem ansiedades. Outra diz que foi quando passou no concurso e começou a lecionar na faculdade, a terceira afirma que não, foi quando a mãe dela faleceu, tem certeza absoluta! Provavelmente todas estejam certas porque mulher é assim: pontua a vida pelas relevâncias do que viveu, situa-se pelo que lhe marcou a alma e gravou na memória e, para se localizar no tempo, recorre às lembranças que vem compondo a bagagem. Acho que é por isso que temos a fama de não esquecer de datas o que gera piadinhas de maridos e namorados. As pessoas - não só as mulheres - esperam do outro as mesmas reações que têm diante da experiência compartilhada. Mas não é assim que funciona. Cada um reage de maneira única e pessoal. Acho que é daí que vem as dificuldades nos relacionamentos. Mas isso não é assunto para agora.

Comecei a escrever com a intenção de contar de cada uma delas, mas os textos, como a vida, nem sempre admitem controle. Queria falar da mais velha, que beira os 90 e que repete, divertida, que escolheram jogar Mexe-Mexe para não esquecer de outras "Mexidas", nada inocentes, que deram na vida. Outra contesta, de pronto, "fale por você que eu ainda não estou em fase de lembrar". Tem aquela que, ao receber as outras, sempre faz quitutes demais e tem quem os faz de menos. Tem até quem nunca faz e tem quem sempre faz a mesma coisa. Duas se divorciaram e as duas que enviuvaram repetem, passada a dor do luto, "que são as únicas que sabem onde os maridos estão". As três que continuam casadas seguem implicando com os maridos e eles continuam implicando com elas. Mas se apoiam e se ajudam e se querem como deve ser. Elas também implicam entre si e criticam umas às outras. E se ajudam e se cuidam e se divertem quando é para se divertir e choram juntas quando é tempo de chorar. Possuem o bem precioso da amizade madura e sabem que podem contar umas com as outras em qualquer situação.

Foi por tudo isso e porque aprenderam que celebrar é um privilégio, que decidiram que era hora de fazer uma festa com a família toda e com os amigos de sempre para comemorar o aniversário dessa reunião que dura há tantas décadas. Mas como não conseguiram chegar ao consenso de quando começaram a jogar, concordaram em esperar que a soma dos anos delas chegasse a 500. Depois conto como foi a festa!


    





domingo, 19 de março de 2017

Um Domingo Diferente

"As coisas me ampliaram para menos"
                               Manoel de Barros


Aceitei, com alegria, o convite para tomar o café da manhã no hotel onde trabalha um moço que vi crescer e que lembrou de mim para comemorar esta fase da vida em que as coisas começam a dar certo para ele. Apresentou-me a todos e me mostrou tudo. Conheci a cozinha e a despensa e a sala de convenções. Me pôs à par dos projetos dos proprietários para diversificar a oferta e aumentar, claro, a demanda. Conheci alguns apartamentos, já reformados, maiores do que a maioria dos Studios que as construtoras oferecem com espaço inversamente proporcional aos preços. Informou-me de que muitas pessoas residem no hotel o que me interessou imediatamente! Os apartamentos têm dois dormitórios, banheiro de bom tamanho, cozinha com frigobar, pia, bancada e micro-ondas, mesa para dois e aberta para a sala com sofá, TV e sacada, Ah sacadas! com vistas para a rua, e para rasgos de céus de luas cheias, de sóis e de nuvens que se movimentam e de vidas que circulam sem parar.
Decidi que, quando envelhecer (há controvérsias sobre este conceito) minha neta, por exemplo, me informa com a maior candura que eu não sou velha porque ainda não tenho cheiro de velha. Me arriscando muito perguntei a ela "que cheiro é esse" e ela, daqueles talcos antigos, vó, e de velhinhos que usam muitas vezes a mesma roupa sem lavar direito. Bom, pensei, não uso talco e, partir de agora redobro a atenção  que dou às minhas roupas. Por precaução, combinei com ela que me informe se perceber que entrei na categoria. Fico sossegada, porque nada é mais sincero do que o dizer de uma adolescente. Sincero e cruel, mas eu aguento!

Dia desses atendi o telefone e uma voz masculina maravilhosa me ofereceu, assim, sem nem dizer bom dia, um Plano Funeral que me deixaria tranquila por toda a eternidade. Confesso que ouvi o que o homem dizia fascinada com o timbre de voz que ele tem. Das sensualidades, sempre penso que a das vozes é sub apreciada. Homens com vozes assim devem usá-las para cantar em Coros que sempre têm demanda de tenores e barítonos, ser radialistas, apresentadores de TV e afins ou ganhar a vida dizendo coisas certas em horas incertas ao pé do ouvido de quem interessar possa. Mas nunca, jamais, anunciar planos de funerais. É um desperdício sem tamanho e uso indevido de um talento.

Das convicções que tenho, uma é a de que o meu funeral não é problema meu. Nada me convence do contrário. De modos que, se eu conseguir seguir meus planos e envelhecer com autonomia e independência, vou morar em um hotel destes que aceitam mensalistas. De dúvida, só tenho uma, não sei se na Rua da Flores - em Curitiba - ou na Alameda Lorena - em São Paulo.
Mas isso não é coisa para decidir agora.

                             

quarta-feira, 8 de março de 2017

Mulher

"Se a gente cresce com os golpes 
duros da vida, também podemos 
crescer com os toques suaves na alma."
                                      Cora Coralina 

A primeira mulher - na primeira história - foi criada a partir de uma costela do primeiro homem, feito à semelhança de Deus. Surgimos como um apêndice do homem, sem qualquer vestígio de individualidade e sem nenhuma condição de raciocínio. No entanto, nos foi atribuído o primeiro pecado quando o induzimos a comer do fruto proibido desobedecendo ao Senhor. Todos sabemos como a coisa acaba.  Ele é omitido da responsabilidade pelo que fez. Foi tentado, coitado!
Não me ocorre nada mais machista do que isso. A Bíblia foi escrita por homens.

Hoje, muitos séculos depois, em debates sobre comportamento em que se afirma - como um dogma -"homem é assim, mulher é assado"- eu sempre tenho a mesma dúvida:

Sentimentos têm gênero?
Somos gente e os sentimentos são neutros e de "domínio público". Sentimos amor, somos confiáveis, cultivamos amizades, nos comprometemos uns com os outros independentemente de sermos homem ou mulher.
Podemos trair, enganar, sentir raiva, inveja, o que for, sendo homem ou mulher.
O que seria útil fazer - e o Dia da Mulher - pode servir de ponto de partida é nos inteirarmos de nós. A mulher precisa se enxergar dentro de uma ótica feminina. Quantas vezes nos deparamos com histórias de mulheres que terminaram relacionamentos por justificadíssimos motivos, por exemplo: agressões físicas, traições reincidentes, indiferenças constantes, e ouvimos - de outra mulher  -comentários como:" Ruim com ele, pior sem ele. Sempre foi assim."
Se sempre foi assim, está mais do que na hora de mudar. Esta quebra de paradigma é uma conscientização de dentro para fora que a mulher deve ao ser feminino.
Ela não percebe que enxerga sob a mesma ótica machista que alguns homens se permitem ter para agir desta maneira. Pensando assim, ela chancela e justifica um comportamento que a prejudica. Mesma situação da mulher vítima de abuso sexual quando o que se discute é a roupa que ela vestia. Esta é mais uma das faces perversas do machismo e não é visível. A maioria dos homens não é assim e nem comportamentos abusivos são prerrogativas masculinas. O que é inaceitável é que mulheres sejam machistas sem perceber.  

Nos primórdios, a força física do homem foi fundamental para a sobrevivência da espécie.
Eles faziam o trabalho pesado e elas pariam para que a humanidade continuasse existindo. Ambos foram indispensáveis para que chegássemos até aqui. Cooperação eficiente. Não tivesse sido assim eu não teria escrito este texto e você não estaria lendo (espero).
Falo de parceria. De respeito. De igualdade de gênero. Em paz e com voz.