as palavras não disseram"
Fernanda C. Racaneli
Monoglota constrangida - não me faltaram condições para aprender outros idiomas - digo, em minha defesa, que era abrir o livro e o pensamento fugia, voava longe, eu não conseguia me concentrar. Tenho um deficit de atenção seletivo, se isto é possível, porque se o assunto me interessa não me disperso. Não é fácil ser assim. Mas, ser o que se é sempre é difícil. Minha filha me disse outro dia "sabe mãe, deveria ser possível tirar uma semana de férias de si mesmo, uma vez ao ano." Como tenho a felicidade de ter duas, fico em dúvida se devo, para ser fiel aos fatos, citar qual delas disse isto. É a mais velha, no caso. A mais nova é responsável pelo diagnóstico do déficit de atenção se bem que o seletivo, é por minha conta...
Gosto de pensar palavras na nossa língua linda e cantante - pródiga em vogais - que suavizam sons e aparam as arestas das consoantes, tão comuns em outras falas. É preciso usa-las para que continuem vivas e como tudo o que é vivo elas também mudam, caem em desuso, desaparecem. Verdade que andam maltratadas ultimamente, no uso abusivo do gerúndio, no bastante, que substitui o muito, escamoteado, o coitado. No noticiário, o repórter, na beira da rodovia, em véspera de feriadão diz " A via tal está bastante cheia de veículos" ... e a nova e boba mania de dizer que "fulano não corre risco de morte". Podemos correr risco de vida. De morte não existe risco.
As minhas preferidas são as proparoxítonas porque são sonoras e sofisticadas, tais como libélula, calêndula, lâmpada - Ética! - bela palavra que tem sido constantemente ofendida. E as que terminam em ão, usadas para nomear as abstrações como compaixão, ilusão, perdão. Se fôssemos nos pensar como palavras, a maioria de nós seria paroxítona, pela corriqueiro e pela abundância.
Atualmente ando interessada nas monossílabas. Gosto de som, dom, de tom e do Tom, do com, que agrega, do sem, quando exclui dissabores e do cem que multiplica riqueza. Mas é o não a mais interessante das palavrinhas pequenas, por duas razões: quando quer dizer sim - e aparece em três negativas seguidas - como em Não Nem Nada! expressão de enfática concordância, comum na região onde nasci, o que me faz lembrar de um dentista famoso na cidade. Sempre de terno de linho branco, bom sujeito, amante da boemia, bom de copo e de papo, usava tanto a expressão que ela se tornou sua marca, o apelido ficou maior que o nome. Nem sei qual como se chamava o Não Nem Nada. Morreu numa quarta-feira de cinzas, numa deferência toda especial dela, a ceifadora de almas, que esperou que ele brincasse o carnaval.
A segunda razão é que o uso do Não é considerado rude, principalmente pelas meninas - de ontem e de hoje - que devem ser cordatas e obedientes.
Muita gente faz coisas que detesta, a vida inteira, porque não consegue dizer não. É um aprendizado difícil, este de falar não na ocasião certa, mas com o tempo a gente aprende. Quando digo um não necessário para algo ou alguém, digo sim pra mim.
Dizer não é um ato de coragem
É sempre muito prazeroso ler o que você escreve.
ResponderExcluirObrigada, fico feliz.
ResponderExcluirPalavras, palavras ... .
ResponderExcluirUm trabalho laborioso que você vem dando conta.
Já dizia o poeta, são as palavras que suportam o mundo, não os ombros.
Se bem que muitas delas não prescindem de fortalezas.
ResponderExcluirAdorei o ''Monoglota constrangida''!
ResponderExcluirN.I.
Fico constrangida mesmo, mas não o suficiente pra estudar...
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