domingo, 24 de maio de 2020

Nonsense


Republiquei A Praia, crônica escrita há dois anos, em que contava de um dia de praia no auge do verão. Pretendia - com a evocação daquele dia - torná-lo palpável.  Pensei que o sol e o mar, e o calor que persiste neste maio seco - fundamentais para um belo dia de praia - fossem suficientes para trazer aquele dia para perto, ainda que na imaginação.

A narrativa ficou tão fora de contexto que não funcionou. Ficou forçada e fugidia, apesar de ter sido real e verdadeira.
É um enganar - se crer que a força do nosso querer faça acontecer o que desejamos que aconteça.
Não faz.

Tento escrever e reclamo que maltrato o teclado e não consigo verter nada que faça sentido. Instigada pela pergunta com que uma amiga reagiu a minha queixa "por quê sentido? " recomeço o texto e decido deixar a vida sonhada em suspenso, até que tudo se acomode.

Foco nas praticidades. Minha conta de água beirou os 400 reais nos mês de abril e ligo pro 0800 da concessionária, que me orienta a entrar com um pedido de revisão de fatura pelo site.
Argumento que tenho dificuldades com estas tecnologias e o atendente informa que, então, terei de ir pessoalmente.

Vou e sou atendida rapidamente. Uma pessoa por vez, todas com máscaras. A moça, atrás da parede de acrílico, registra a queixa e faz com que eu escreva uma carta, "de próprio punho" explicando tudo o que eu tinha dito e me orienta que, se o hidrômetro do meu apê está embaçado, embaçadíssimo, devo trocá - lo, levá - lo até lá para ser examinado e aguardar a decisão do setor responsável. Me assegura que a fatura permanece suspensa até que o processo termine.

Feita a troca do referido hidrômetro, depois de muitas idas e vindas, retornei  à concessionária.
Mesmo cuidado, atendimento rápido. A atendente é outra. Explico tudo de novo e ela pergunta:
A senhora solicitou uma análise para verificar se seria caso de troca? Só pode trocar depois do aval do técnico da empresa.
Informo, já meio aflita, que a moça que me atendeu disse para trocar e levar, tirar fotos do número do novo instrumento e do consumo registrado. Mostro a cópia da carta "de próprio punho" e ela localiza o processo no sistema. Pega o hidrômetro e pede que eu aguarde 5 minutinhos. Volta e me devolve. Pergunto: O que faço com ele? Devo guardá-lo? Ela responde: É seu, senhora, faça o que quiser com ele.
Só penso. Não respondo.
Ela reitera que o processo continua em suspenso. Agradeço.

Saio - e levito - em busca de uma Pasárgada possível.




quarta-feira, 6 de maio de 2020

A LIVE!

A primeira live é como o primeiro tudo!  Quando passa a gente se pergunta, então é isso?
E fica a frustração da performance  e/ou da resposta brilhante, sempre tardia, sempre depois.
Quando a Inverso me ligou dizendo que eu tinha sido selecionada, entre outras escritoras, para participar de uma live  com a intenção de  promover títulos que remetessem ao universo materno - nesses dias que antecedem o Dia das Mães - aceitei de pronto.

Sem ideia de como a coisa funciona, o primeiro que fiz foi arranjar tinta para pintar o cabelo!
Nada de desleixo, do relaxo que o isolamento facilita.
Isso resolvido, tratei de aprender.

Pedi socorro  aos filhos, amigos e amigas e, todos diziam a mesma coisa - ah, é fácil!
O mais difícil você já fez, que foi escrever - e eu pensava que o mais difícil era ouvir que era fácil. Meus escritos são um condensado de vida inteira, decantados, marinados e que se materializam sem a urgência do já, do pra ontem, sem a premência que a live exige.
Escrevo com o uso da vida, com o manejo do viver.
De  lives, de insta, de briefing, não tenho traquejo nenhum.

Não sou competitiva, mas não fujo da raia. Meus embates são comigo mesma. E encarei a coisa do mesmo jeito que encaro a vida. Fazer o que deve ser feito. Quase sempre dói. Sempre alivia.
A pressão maltrata, mas empurra.
Entre sobressaltos, suores, taquicardias, chegou o dia!

Tudo pronto, conexão efetuada, caindo, caída, recuperada, sumindo, a saída foi continuar sem imagem, só com voz. E foi assim com a primeira entrevistada e a segunda.
Eu era a terceira.

Nessas alturas, eu lamentava não ter pegado um guardanapo de papel para retorcer, dobrar, amassar e rasgar em pedacinhos. Quem me conhece bem, sabe do que estou falando. Até entrada de cinema já perdi porque - filme bom, fila grande, ao chegar a minha vez de apresentar o ingresso ele estava todo torturado, todo picado.
Eis que me chamam e eu apareço! Que bom que não estou picando papel. Ufa!

Meu tema era o da mãe madura, com filhos adultos, tocando a própria vida. Ela e eles.

Gosto do conceito da mãe desnecessária. Sou uma mãe desnecessária.
Entendo que, entre erros e acertos, acertamos mais do que erramos.
Ficamos na tangente - observando -  prontas a ajudar, nunca a intervir.
Oh! Aprendizado difícil!

Acredito que somos desnecessárias, porém imprescindíveis. Creio que somos bem vindas, amadas, queridas. Penso que somos boas companhias e que os filhos desejam o nosso bem estar e - na faixa contrária da via dupla de que a vida é feita - nos observam com o mesmo olhar atento com que os observamos e que não medirão esforços em nos atender e nos cuidar.
E tenho a convicção - adquirida em décadas de prática - de que é tempo de não ser disponível.
Nem aos filhos, nem a ninguém.

Feliz Dia das Mães para todas as mães do mundo e que cada uma de nós se sinta próxima dos filhos, mesmo que não esteja perto.