domingo, 26 de abril de 2020

Quanto Sentimento!

"Pra lembrar que quando a vida
  esmurra a porta
  A gente solta o trinco e lhe oferece
  um chá
  Pede calma e bota a alma pra pensar"
             Zélia Duncan/ Feliz Caminhar
                 


Aproveitei o gancho, dia desses, numa publicação da Mônica - radiosa companheira de ofício -  que comentava, feliz, "que aquele era dia de fazer sagu" e aproveitei para republicar um texto antigo, onde contei da dificuldade que tenho em acertar o o ponto do dito cujo. Sou boa, sem falsa modéstia, nessas coisas de doce de ponto. Mas o sagu me frustra sempre. Desisti.

Travada pelas circunstâncias - pelo pandemônio da epidemia - e esta não é, infelizmente, uma figura de retórica, desisti de postar as minhas percepções do isolamento.
Após três textos sobre o assunto, ao reler o quarto que escrevi - e não postei, por repetitivo - senti a aridez dos desertos, mas o sagu da Mônica me soprou caminhos para um oásis tangível, me pousou no chão seguro do corriqueiro, do conhecido, do que nos norteia.

No momento, a humanidade enfrenta o medo e cada um lida com a frustração do interrompido, do que teve que cancelar e desistir. Do afastamento uns dos outros, e também do confinamento de uns com os outros. A minha, óbvia, é a constatação de que o primeiro livro lançado em idade madura, que me deu uma alegria imensa e genuína, que começava a andar sozinho e que abria um caminho bonito, está suspenso num limbo ao qual não tenho acesso, à espera, à espera, à espera.
Ele e eu.

Minha amiga Maristela, amorosa e preocupada, me estimula e manda links e insiste e desenha caminhos e me indica pessoas para que eu faça lives para promover meu  "Terceiro Ato". 
Em um deles, me alerta que só posso falar durante quarenta minutos. E penso sobre o que teria a dizer por quarenta minutos se, quando recebo vídeo chamadas e, - antes dos quatro - me invade um desassossego que me força a terminar a conversa, mesmo que seja com a minha filha amada que mora em Lisboa e que não vejo desde o ano passado?

Então, a Mônica aparece com o conforto familiar do sagu e - naquele momento - coloca tudo no lugar e parece que tudo vai acabar bem.

Comecei este texto há dois dias. Pretendia ultimá-lo e publicá-lo ontem. Porém, os fatos se atropelaram de tal maneira, com tanta violência, assombro e susto que, mais uma uma vez me vi travada.
Junta-se o medo da doença com o assombro da crise política. Particularmente me sinto como se estivesse num barco à deriva, sem âncora e sem cais à vista.
E não consegui escrever nenhuma linha.

Decidi, neste sábado de isolamento, me recolher para me preservar.  Ouvir música, ler um pouco, reabastecer a geladeira, - o que faço uma vez por semana - e que me toma um tempo danado quando volto pra casa para lavar, limpar e desinfetar minhas roupas e as compras.

E entendi que sou eu que dou sentido à vida que é minha. E o texto voltou a fluir.
Boa semana a todos!




quarta-feira, 8 de abril de 2020

Vigésimo Primeiro Dia



O isolamento continua - é imperioso - e o desafio aumenta.
A quarentena se espicha. A realidade se impõe. O dia de ir e vir sem cuidados se afasta.

Perseverar é a única opção e, passadas três semanas, preciso de mais força para manter foco e fé.
Têm dias em que a saudade me assalta, generalizada, sem nome nem lugar. Nesses dias é como se eu sentisse falta de mim. Tão cerceada, me faltam partes minhas. E sinto falta dos meus filhos e da minha neta. E das minhas amigas.

Em outros, sinto saudades específicas, como a saudade do pão que a minha mãe fazia e que punha a crescer numa panela inoxidável larga e alta. De tempos em tempos, intuição forjada na prática, ela conferia o crescimento e, com a mão aberta, empurrava a massa pra baixo. A superfície ficava tatuada com os dedos dela. Tornava a cobrir a panela com o mesmo pano, que chamava de "pano do pão."
A massa, comprimida, reagia, e crescia mais e maior.
Assado, inundava a cozinha com o cheiro maravilhoso do pão fresco.
A casca quente, besuntada de manteiga nutria o corpo e aquecia a alma.

Têm noites em que acordo transpirando, coração em descompasso e - nunca pensei que um dia diria isso - sinto saudades dos suores da menopausa porque aqueles tinham causas naturais, conhecidas e contornáveis.
Os de agora, surgem do medo que de dia não tenho e que à noite me invade, sem dar aviso e sem cerimônia.

E reajo, alerta, porque é o que preciso fazer.
Depois, se tiver sorte, rearranjo prioridades.
Emoções, em  situações de exceção são, ao mesmo tempo, inevitáveis e ardilosas. Há que se manter o prumo e a esperança.
Nas estranhezas é indispensável ser objetiva. E  não ceder à emoção e ao medo, naturais e inevitáveis.
Dá para afirmar, sem o risco de cometer exagero que o mundo inteiro tem medo, nesses dias de um assunto só e suas inúmeras consequências.

Estamos na semana  da Páscoa.
Não importa em qual altar cada um se ajoelhe, não importa qual o lugar do sagrado em cada indivíduo. Não importa, ao outro, o que nos consola. E vice versa. No fundo e no fim, todos queremos continuar a acreditar que nosso destino pertence ao imponderável, ao que cada um entende por Deus, e que poderemos, logo ali adiante, retomar a vida interrompida e voltar a crescer, como a massa do pão que, socada na forma, cresce e transborda.
Conforta acreditar que a vida flua e que a morte não tenha data marcada.
Feliz Páscoa para todos em todo o mundo.













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quarta-feira, 1 de abril de 2020

O Isolamento e Nós.



Décimo quinto dia de isolamento e releio o texto da semana passada para balanço. Comparo o próprio estado emocional daquele dia com o de hoje. De maneira geral, minha estratégia tem funcionado. Porém, aumentou a necessidade de me apoiar em algumas falas que ouço e em escritos que falam comigo.

Como a entrevista de uma psicóloga que trabalha com idosos que, questionada sobre o desafio da solidão para este grupo, respondeu, "os idosos têm mais espaços de solidão." Também disse que a Internet nos tem sido importantíssima - eu concordo - e acrescentou que, como é uma ferramenta que não fez parte da maior parte da nossa vida, também temos, na prática, na lida do dia a dia, uma experiência rica de solitude. Ficamos confortáveis sozinhos. Isso é solitude.
Entendo e sinto assim, e esta verdade tem sido muito útil, neste momento.

Está sendo de muita ajuda, também, a entrevista com o escritor sergipano Francisco J. C. Dantas, sobre seu ultimo livro "Uma jornada como tantas" concedida ao jornalista Luiz Rebinski e publicada no Jornal Relevo, da Editora Letras & Livros de Curitiba -  edição de março. Leituras interessantes fazem um grande bem.
Professor de literatura, teve o primeiro livro publicado aos 50 anos, em 1991. A conversa inteira é um deleite, daqueles de voltar e ler de novo. Considerado um escritor regionalista porque pratica uma escrita com termos e expressões da tradição oral, ele solta pensamentos de vivência profunda, ensina sem  pretender, alarga o olhar, de graça, é só sentir e querer.

Certo que ontem passei duas horas dando um trato na máquina de lavar roupa. Limpei o cestinho que filtra impurezas com minúcia desmedida. Foram uns vinte palitos de dente para que a gradinha ficasse como nova.

E, hoje pela manhã, atendendo o chamado da equipe da Secretaria da Saúde que percorre todas as ruas da cidade convocando os idosos para tomar a vacina da gripe, eu tenha agradecido, comovida, num sentimento misto de cidadania e acolhimento.

E, em seguida, liguei para a minha amiga que também mora aqui para contar toda contente, que eu também já tinha recebido a vacina. Na rua dela foi ontem.

E, nós duas choramos ao telefone e depois rimos muito porque percebemos que "até parecemos duas velhinhas bobas e felizes porque tomaram vacina". E rimos mais ainda porque não só parecia, era o que estávamos fazendo.
As sandices que confesso funcionam para manter o equilíbrio emocional para que o corpo não adoeça.
Um pouco de doidice é indispensável para mensurar a normalidade.