quarta-feira, 8 de abril de 2020
Vigésimo Primeiro Dia
O isolamento continua - é imperioso - e o desafio aumenta.
A quarentena se espicha. A realidade se impõe. O dia de ir e vir sem cuidados se afasta.
Perseverar é a única opção e, passadas três semanas, preciso de mais força para manter foco e fé.
Têm dias em que a saudade me assalta, generalizada, sem nome nem lugar. Nesses dias é como se eu sentisse falta de mim. Tão cerceada, me faltam partes minhas. E sinto falta dos meus filhos e da minha neta. E das minhas amigas.
Em outros, sinto saudades específicas, como a saudade do pão que a minha mãe fazia e que punha a crescer numa panela inoxidável larga e alta. De tempos em tempos, intuição forjada na prática, ela conferia o crescimento e, com a mão aberta, empurrava a massa pra baixo. A superfície ficava tatuada com os dedos dela. Tornava a cobrir a panela com o mesmo pano, que chamava de "pano do pão."
A massa, comprimida, reagia, e crescia mais e maior.
Assado, inundava a cozinha com o cheiro maravilhoso do pão fresco.
A casca quente, besuntada de manteiga nutria o corpo e aquecia a alma.
Têm noites em que acordo transpirando, coração em descompasso e - nunca pensei que um dia diria isso - sinto saudades dos suores da menopausa porque aqueles tinham causas naturais, conhecidas e contornáveis.
Os de agora, surgem do medo que de dia não tenho e que à noite me invade, sem dar aviso e sem cerimônia.
E reajo, alerta, porque é o que preciso fazer.
Depois, se tiver sorte, rearranjo prioridades.
Emoções, em situações de exceção são, ao mesmo tempo, inevitáveis e ardilosas. Há que se manter o prumo e a esperança.
Nas estranhezas é indispensável ser objetiva. E não ceder à emoção e ao medo, naturais e inevitáveis.
Dá para afirmar, sem o risco de cometer exagero que o mundo inteiro tem medo, nesses dias de um assunto só e suas inúmeras consequências.
Estamos na semana da Páscoa.
Não importa em qual altar cada um se ajoelhe, não importa qual o lugar do sagrado em cada indivíduo. Não importa, ao outro, o que nos consola. E vice versa. No fundo e no fim, todos queremos continuar a acreditar que nosso destino pertence ao imponderável, ao que cada um entende por Deus, e que poderemos, logo ali adiante, retomar a vida interrompida e voltar a crescer, como a massa do pão que, socada na forma, cresce e transborda.
Conforta acreditar que a vida flua e que a morte não tenha data marcada.
Feliz Páscoa para todos em todo o mundo.
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Inesquecível aquele pão.
ResponderExcluirE muitas outras coisas mais.