sábado, 22 de julho de 2023

Eis - me Aqui

O maio que já é um pontinho no retrovisor me trouxe aos setenta anos. Até agora costumava fazer um balanço da jornada. Porém, acredito que setenta exige uma avaliação seletiva e sucinta. Para chegar até aqui vencemos exaustivas corridas de obstáculos. Com sessenta anos virei a chave da minha vida e mudei o modo de me enxergar no mundo. Apesar da máxima de que só o que é permanente é a mudança, mudar é um processo lento e doloroso. Exige desapegos arraigados como ervas daninhas e muita coragem. De modo que o meu balancete se resume a esta década, recém vencida. Agora cada aniversário é uma etapa a menos. Ainda espero visualizar um bom punhado de maios pelo espelho. O quanto baste para não dar vexame.

Informo a minha idade com orgulho. Só não gosto quando me dizem que estou conservada. Pode ser que, às vezes, eu seja azeda, mas não sou pepino. Venho de uma família de seis pessoas onde quatro delas se foram muito cedo. Ficamos, meu irmão mais velho e eu, para confirmar a exceção que confirma a regra. Daí o meu respeito pela velhice.

Penso que envelhecer é um privilégio mas não acho, de jeito nenhum, que estou na melhor idade. Envelhecer dói. Acordar com alguma dor é prova de vida. Temos que administrar as encrencas que a idade traz com galhardia e cabeça erguida. É uma questão de escolher o efeito colateral menor. E fazer exercício e nos alimentar bem - aqui a coisa fica meio confusa - então, quando vou ao médico e ele me pergunta se me alimento bem já solto o pacote todo: Ah sim, doutor, como frutas, verduras, legumes, proteínas e não esqueço de beber água... Um me perguntou se eu bebia álcool, fiquei escandalizada. Imagina! Nunca bebi álcool na vida. Com aquele não deu liga. Não voltei mais. Tem a médica que pergunta se estou tomando leite. Respondo que tenho me esforçado bastante.

E tem as amigas! E tem as amigas! O amor mais fácil. A todas e a cada uma:

Quando a rotina e o preto e branco dos dias pesarem me chama que eu vou, na certeza de colorir os meus, na pretensão de colorir os seus.

E tem a família que ampara e, às vezes, incomoda, acolhe e socorre sempre, nos preocupa e nos enche de alegria e orgulho. É o nosso norte, sul, leste e oeste. É comprometimento e amor com todo o seu significado e dimensão. À ela, meu amor incondicional. Viver é bom.



 




segunda-feira, 27 de março de 2023

O Encontro dos Rio-Sulenses

Sábado aconteceu o Terceiro Encontro de Rio-Sulenses no Litoral, em um Beach Park, em Cabeçudas. A pandemia alongou o espaço entre o segundo e este. É o meu primeiro. Fui contaminada pelo entusiasmo da minha amiga Elci Dolores Fronza e confesso que estava temerosa. Saí de Rio do Sul há quase cinquenta anos e, enquanto as famílias viveram lá, voltávamos sempre que era possível. Com o tempo, as distâncias e, principalmente as perdas, fizeram com que a alegria de voltar se tornasse cada vez mais esparsa.

Chegamos quando a maior parte das pessoas já estava se apresentando umas às outras. Optei por me apresentar como filha. Acredito que citar os que se foram é a melhor forma de reverenciá-los. Existem, a cada vez em que falamos neles. Meu pai foi corretor de seguros e pela vida toda foi um apaixonado pelo Concórdia e minha mãe uma tricoteira criativa e talentosa. Eram pessoas conhecidas e queridas na cidade. Os mais velhos me reconheceram através desta referência e os mais novos lembravam de mim quando eu citava os meus irmãos. E contavam histórias sobre eles, sempre com saudade e emoção. Tenho uma amiga que diz que "não somos filhas de chocadeira," sabemos de onde viemos, o que nos permite achar o caminho de volta pra casa, o lugar de pertencimento.

O primeiro reconhecimento foi com  grupo na mesa ao lado. Começava o alvoroço! Em algumas situações a procura era recíproca e instantânea, o que gerava alegria e felicidade. Em outras, agíamos com a mesma cautela da pessoa que sabia que nos conhecia, e ambas precisávamos de mais informação para nos colocar num mesmo lugar do passado. Feita a liga, o contentamento  era imediato, o que me fez lembrar que o passado é um lugar, não um tempo.

Penso que em reuniões deste tipo é necessário um preparo emocional que nos capacite a enfrentar um carrossel de emoções e não ceder à melancolia por um tempo supostamente perdido. Trazemos em nós o vivido, está aqui, é parte do que somos. E falamos nos amigos que já partiram, com saudade e também alegria. A saudade funciona assim, seleciona só o que foi importante, provocou riso e nos deu repertório. 

A organização estava impecável, não houve carência de nada e nem excesso de coisa alguma. As bandas - sim - foram duas bandas maravilhosas que, incansáveis, elevaram o nível da festa. Era lugar aberto, num dia ensolarado e eu me diverti como há muito tempo não acontecia.

Estão de parabéns os envolvidos que tornaram o evento possível em um clima de amizade e simpatia. Em primeiro lugar cumprimento os organizadores, claro, mas também todos os participantes que foram com a intenção de confraternizar. E assim fizemos.

Foi uma Festa de Arromba!

   



                                              




quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Fevereiro.

Aparece num dia qualquer de janeiro, depois do balanço do ano anterior. De repente, está. Não me surpreende porque sei que é assim que ela funciona. Dou-lhe a minha mais completa atenção e a mais profunda compaixão. Relevo seus equívocos e enalteço os acertos. Esses nossos encontros são recentes, coisa de cinco, seis anos. Começaram quando passamos muito além do meio do caminho. Expomos o próprio inventário com cautela, respeitando as fragilidades uma da outra. Sentimos que é onde nossas paralelas convergem e se realimentam. A cada encontro nos perdoamos melhor.

Com o passar do tempo a energia dispendida é maior e as forças, recém recuperadas, se esgotam mais rapidamente. Ela acabou de me deixar, nesses últimos dias de fevereiro, senhora de mim, pronta para seguir. 

Este, porém, será um ano excepcional, fora da curva, prenhe de vida.

A neta, de dezoito anos, recebeu o primeiro salário do primeiro estágio e, num desses momentos nos quais a vida nos põe completas, convidou duas amigas, o namorado, e o filho da esposa do pai para jantar. Esclareceu que bancaria tudo. Informou que seriam sfihas, sem limitar quantidades, porém, sem chances de sair do cardápio. Esqueceu, por absoluta inexperiência em bancar custos, que os restaurantes, por mais baratos que sejam, tiram o lucro no custo das bebidas. Fez-se o impasse!

Decidiram comprar um refrigerante gigante no supermercado do outro lado da rua. A garrafa foi escondida embaixo da mesa e consumida no gargalo por todas as bocas. Acreditaram que  ninguém  percebeu. E riram muito, e contaram e repetiram  e se divertiram a cada vez em que narraram a história. O menino, de dez anos, foi o que mais curtiu, e ela, a irmã postiça, virou a heroína da vida dele. Quaisquer ciúmes  recíprocos que existiram se dissolveram naquele episódio.

Ontem nasceu o irmão de ambos. Dela, por parte de pai e dele, de mãe.

É meu segundo neto, com dezoito anos de diferença. Estamos, as famílias, envolvidos nesse momento de júbilo em que a vida, a que sabe das coisas, nos presenteia com o milagre, a alegria e todo o porvir que uma criança encerra em si. Pessoas que o destino juntou e que, ao dividirem alegria, multiplicam esperança.

Recém tinha me despedido do meu lado avesso, o que citei acima, mas sinto que esses encontros que mantenho comigo uma vez por ano precisam acontecer mais amiúde, serenamente, porque o caminho é largo quando os ciclos do viver se cumprem no tempo certo. 

Bem-vindo, menino bonito. Saúde e sorte. Que a vida seja generosa com você e o trate com delicadeza.

Salve, Jorge!