domingo, 19 de novembro de 2017

Palavras!

"A resposta você encontrará no que
  as palavras não disseram"
              Fernanda C. Racaneli

Monoglota constrangida - não me faltaram condições para aprender outros idiomas - digo, em minha defesa, que era abrir o livro e o pensamento fugia, voava longe, eu não conseguia me concentrar.  Tenho um deficit de atenção seletivo, se isto é possível, porque se o assunto me interessa não me disperso. Não é fácil ser assim. Mas, ser o que se é sempre é difícil. Minha filha me disse outro dia "sabe mãe, deveria ser possível tirar uma semana de férias de si mesmo, uma vez ao ano." Como tenho a felicidade de ter duas, fico em dúvida se devo, para ser fiel aos fatos, citar qual delas disse isto. É a mais velha, no caso. A mais nova é responsável pelo diagnóstico do déficit de atenção se bem que o seletivo, é por minha conta...

Gosto de pensar palavras na nossa língua linda e cantante - pródiga em vogais - que suavizam sons e aparam as arestas das consoantes, tão comuns em outras falas. É preciso usa-las para que continuem vivas e como tudo o que é vivo elas também mudam, caem em desuso, desaparecem. Verdade que andam maltratadas ultimamente, no uso abusivo do gerúndio, no bastante, que substitui o muito, escamoteado, o coitado. No noticiário, o repórter, na beira da rodovia, em véspera de feriadão diz " A via tal está bastante cheia de veículos" ... e a nova e boba mania de  dizer que "fulano não corre risco de morte". Podemos correr risco de vida. De morte não existe risco.

As minhas preferidas são as proparoxítonas porque são sonoras e sofisticadas, tais como libélula, calêndula, lâmpada - Ética! - bela palavra que tem sido constantemente ofendida. E as que terminam em ão, usadas para nomear as abstrações como compaixão, ilusão, perdão. Se fôssemos nos pensar como palavras, a maioria de nós seria paroxítona, pela corriqueiro e pela abundância.

Atualmente ando interessada nas monossílabas. Gosto de som, dom, de tom e do Tom, do com, que agrega, do sem, quando exclui dissabores e do cem que multiplica riqueza. Mas é o não a mais interessante das palavrinhas pequenas, por duas razões: quando quer dizer sim - e aparece em três negativas seguidas - como em Não Nem Nada! expressão de enfática concordância, comum na região onde nasci, o que me faz lembrar de um dentista famoso na cidade. Sempre de terno de linho branco, bom sujeito, amante da boemia, bom de copo e de papo, usava tanto a expressão que ela se tornou sua marca, o apelido ficou maior que o nome. Nem sei qual como se chamava o Não Nem Nada. Morreu numa quarta-feira de cinzas, numa deferência toda especial dela, a ceifadora de almas, que esperou que ele brincasse o carnaval.
A segunda razão é que o uso do Não é considerado rude, principalmente pelas meninas - de ontem e de hoje - que devem ser cordatas e obedientes.  
Muita gente faz coisas que detesta, a vida inteira,  porque não consegue dizer não. É um aprendizado difícil, este de falar  não na ocasião certa, mas com o tempo a gente aprende. Quando digo um não necessário para algo ou alguém, digo sim pra mim.
Dizer não é um ato de coragem



  










quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O Tempo Certo

"Cantando eu vivo em movimento
  E sem ser mais o mesmo
  Ainda sou quem era,"
  Maria Gadú/ No Pé do Vento

Criado em 2011, pela Paideia escola de música, o Grupo Vocal Tempo Certo surgiu da necessidade de atender alunos adultos à procura de aulas de canto.
Nos primeiros anos chamava-se Curitibôcas 2, numa referência ao Grupo Vocal Curitibôcas, excelente grupo da escola - conhecido e reconhecido - com mais de 20 anos de estrada. A ideia inicial era que funcionasse como um celeiro de talentos, e os que se destacassem seriam alçados ao Curitibôcas. 

Desde o início sob a regência de André Dittrich, o vocal foi crescendo em número de participantes e como Grupo. Com o tempo foi adquirindo identidade própria e a necessidade de ter um nome que o identificasse.
No fim de 2016, depois de muitas idas e vindas, foi rebatizado com o nome de Grupo Vocal Tempo Certo, numa alusão ao "tempo da música" e ao fato de que sempre é  "tempo certo" de começar    - não importa o quê - desde que nos faça bem. O coral é misto mas, no momento, conta só com vozes femininas. A única exigência é querer cantar.

Entrei no Tempo Certo em  2012 com o objetivo de romper amarras, de sair da minha zona de conforto, eu que não sabia cantar nem no chuveiro.
No começo de 2017, o professor nos comunicou que a direção da escola - e ele também - acreditava que o grupo estava apto para uma apresentação solo, no final do ano. Tínhamos nos apresentado nas festas de encerramento da escola, e junto com o Curitibôcas em algumas ocasiões cantando não mais do que duas músicas, e em um ou outro evento, como convidados. Lembro que, no primeiro convite, fomos cantar num Festival de Corais, no Clube Curitibano. Tão nervosas estávamos que, ao final da canção, ficamos paradas no palco e o professor disse" agradeçam!" entendemos "agora desçam" e saímos em desabalada carreira palco abaixo. Episódio que ainda nos rende boas risadas.

Repertório montado com canções que conhecíamos e outras novas, começamos os ensaios em março e fomos até a primeira semana de novembro num esforço mais do regente do que nosso, porque era preciso que ele repetisse a mesma lição incontáveis vezes, sem perder paciência e fé.
Nos dois últimos meses ensaiamos com afinco e foco, fora do horário normal de aula. O desafio que nos tirava novamente da zona de conforto, nos fez compreender que é superando as dificuldades que vencemos os medos.
Postura adequada no palco," nem tão dura nem tão dançante", segurar corretamente o microfone - tem trocentas maneiras  erradas e só três certas: pertíssimo da boca, dois e até quatro dedos de distância, de acordo, é claro, com o timbre e volume de voz que a canção exige.

O Show foi no dia 11 de novembro e o "respeitável público" aplaudiu com alegria e entusiasmo.
Acredita que pediram bis?







domingo, 12 de novembro de 2017

Isto Também é Feminismo

"Tudo deveria se tornar o mais
   simples possível, mas não
   simplificado."
Albert Einstein

O Canal Arte 1 exibiu, a partir de maio, uma série de documentários chamada Invenções da Alma - arte popular brasileira/ com o subtítulo É o Brasil no Arte 1. Executados com a mesma alma do assunto, todos foram emocionantes. Um deles chamado Artesanato Solidário - Central Artesol - mostrava as mulheres artesãs que trabalham com  barro em Campo Alegre, município de Turmalina, no vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais. Os entrevistadores numa louvável atitude de ficar em segundo plano não mostravam nem rosto e nem voz.
E elas contaram que mexer com barro é atividade antiga que as avós ensinaram às mães e estas às filhas, sobrinhas, noras, afilhadas, numa tradição essencialmente feminina. Contaram que, inicialmente faziam pratos, copos,  panelas e tigelas ou o que mais fosse necessário para facilitar-lhes a  lida num lugar onde faltava tudo. Contaram que as mais velhas traziam o barro de longe, na cabeça, em lombo de burro e que, como tudo deve ser, começaram a fazer peças diferentes, vasos, bichos, aqueles, do seu derredor, e foram se aperfeiçoando e criando e,  livres, cada uma uma fazia o que fosse mais de acordo com o próprio talento e surgiram as bonecas, aquelas de meio corpo debruçadas na janela e outras inteiras e noivinhas pequenas para enfeitar o bolo do casamento e uma infinidade de coisas lindas .