segunda-feira, 3 de abril de 2017

Sete no Mexe-Mexe

"Não perdi a memória.
Só não lembro onde botei."
                 Millôr Fernandes

O evento vai se chamar Mexe-Mexe 500!  A data não está marcada, mas é certo que será no princípio de dezembro quando todas já cumpriram os aniversários e a soma das idades chegar a 500 anos. Começaram jogando canastra, mas quando uma faltava impedia o jogo da parceira. Eram tempos de muitas demandas e os imprevistos eram frequentes. Uma correria! aquele  "leva e trás" da criançada para a escola, trabalho, compromissos e a semana voava e a vida escoava. Aparentadas entre si, as sete resolveram se dar uma tarde para colocar o papo em dia enquanto jogavam carteado e dividiam o lanche. Passaram para o Mexe-Mexe  por ser jogo de cada um por si e a ausência de uma não impediria o jogo da outra. Não lembram exatamente quando começaram. Uma alega que foi assim que voltou da primeira viagem que fez ao exterior, com o marido, sem as crianças e sem ansiedades. Outra diz que foi quando passou no concurso e começou a lecionar na faculdade, a terceira afirma que não, foi quando a mãe dela faleceu, tem certeza absoluta! Provavelmente todas estejam certas porque mulher é assim: pontua a vida pelas relevâncias do que viveu, situa-se pelo que lhe marcou a alma e gravou na memória e, para se localizar no tempo, recorre às lembranças que vem compondo a bagagem. Acho que é por isso que temos a fama de não esquecer de datas o que gera piadinhas de maridos e namorados. As pessoas - não só as mulheres - esperam do outro as mesmas reações que têm diante da experiência compartilhada. Mas não é assim que funciona. Cada um reage de maneira única e pessoal. Acho que é daí que vem as dificuldades nos relacionamentos. Mas isso não é assunto para agora.

Comecei a escrever com a intenção de contar de cada uma delas, mas os textos, como a vida, nem sempre admitem controle. Queria falar da mais velha, que beira os 90 e que repete, divertida, que escolheram jogar Mexe-Mexe para não esquecer de outras "Mexidas", nada inocentes, que deram na vida. Outra contesta, de pronto, "fale por você que eu ainda não estou em fase de lembrar". Tem aquela que, ao receber as outras, sempre faz quitutes demais e tem quem os faz de menos. Tem até quem nunca faz e tem quem sempre faz a mesma coisa. Duas se divorciaram e as duas que enviuvaram repetem, passada a dor do luto, "que são as únicas que sabem onde os maridos estão". As três que continuam casadas seguem implicando com os maridos e eles continuam implicando com elas. Mas se apoiam e se ajudam e se querem como deve ser. Elas também implicam entre si e criticam umas às outras. E se ajudam e se cuidam e se divertem quando é para se divertir e choram juntas quando é tempo de chorar. Possuem o bem precioso da amizade madura e sabem que podem contar umas com as outras em qualquer situação.

Foi por tudo isso e porque aprenderam que celebrar é um privilégio, que decidiram que era hora de fazer uma festa com a família toda e com os amigos de sempre para comemorar o aniversário dessa reunião que dura há tantas décadas. Mas como não conseguiram chegar ao consenso de quando começaram a jogar, concordaram em esperar que a soma dos anos delas chegasse a 500. Depois conto como foi a festa!


    





2 comentários: