A menina observa, atenta, o trabalho do homem que veio para cortar a asa das galinhas que tentam voar para fora do terreno onde fica o galinheiro. Ele segura a galinha firmemente sobre o cepo de cortar lenha e, com uma machadinha, dá um único golpe na asa esquerda da ave. Em seguida, solta aquela no galinheiro e, hábil, pega outra e repete o procedimento até que não sobre nenhuma sem a asa cortada. Espalhafatosas e barulhentas como são as galinhas, elas tentam um voo desesperado e desequilibrado por duas, três vezes e se esborracham no chão. De repente, desistem e passam, calmamente, a catar minhocas como se nada tivesse acontecido. A menina aprende que, para voar, é necessário ter equilíbrio.
Da menina também cortaram as asas, as duas, com a " melhor das intenções" - esse pecado disfarçado de bom moço e tão abrangente que só se apresenta no plural - para que ela não corresse riscos de se machucar e ficar bem, presa e segura ao chão onde pisa. Elas, as boas intenções, costumam agir em conluio com as vaidades, em quem esbarram nos estreitos labirintos que entopem o inferno. A menina aprende que, para voar, é necessário ter asas.
Como as galinhas, a menina tenta dois ou três voos com o cotos que ficaram mas não consegue sair do chão. E são atentos os cortadores de asas, de galinhas ou de meninas. A cada ameaça de voo solo, elas são devidamente aparadas.
Com o tempo, as galinhas vão pra panela e a menina vai fazendo o que se espera dela, até que um dia percebe que aquilo tudo já não tem valia, perdeu o significado, transformara-se em um estorvo. E a mulher aprende que precisa de asas para seguir.
Resgata em si aquelas que sempre foram suas, sacode-as, tira delas o pó, testa-lhes a capacidade. Fontes seguras me informaram que ela está aprendendo, tem feito voos firmes e dizem até que tem voado cada vez mais alto.
E eu fico muito feliz por ela.
Comovente, toca fundo... e fica por um bom tempo atravessado na garganta.
ResponderExcluirSim, a duras penas, mas cada vez mais firme e mais alto.
Que bom! A ideia é essa. Se não não arranhar um pouco, não cumpriu o objetivo.
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