E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo
É essa a única missão no Mundo,
Essa - existir claramente
E saber faze-lo sem pensar nisso."
Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa)
A porta do banheiro da nossa casa era amarela. Meu pai repetia como um mantra, antes de irmos dormir " passou pela porta amarela?"
Ao abrir a janela do banheiro dávamos de cara com a cisterna instalada junto à parede. Ele mandou construí-la para recolher água da chuva. Entendia que a água era um bem precioso e que devíamos aprender a poupá-la. Eu tinha uns 12 anos quando ela ficou pronta e não achava estranho o fato de termos uma cisterna onde um cascudo - peixe de água doce - tinha a função de manter o reservatório limpo de limo e de insetos. A água coletada era usada para molhar flores e grama, lavar calçadas, umedecer as roupas que alvejavam ao sol.
Era cheia de engenharias, a nossa cisterna. A toneira era rosqueada para permitir o engate da mangueira e, quando chovia muito, a calha instalada no alto do tanque expelia, na calçada, o excesso de água captada pelas calhas do telhado. Ainda lembro do murmurio da água, nas noites de chuva branda que eu ouvia como fosse uma canção de ninar. Deve ser por isso que o barulho da água mansa me faz dormir até hoje.
No prateleira do banheiro ficou guardado, durante anos, um litro de vidro alto e fino, com tampa inoxidável e cheia de retorcidos que me deixava fascinada. Continha um excelente azeite português, presente da minha avó, mãe de meu pai, portuguesa chegada à azeites e bacalhaus e que nunca soube que ele, embora gostasse de peixe, não suportava do azeite e do bacalhau nem o cheiro. Isso não o impedia de, ao chegarmos na casa dela, nas visitas das férias de julho, repetir o bacalhau feito em sua homenagem. Dizia que que a mãe da gente não deve saber que não gostamos de algo que ela nos prepara...
Aquele litro de azeite, nunca consumido, desapareceu depois de muito tempo e lembrei dele porque sempre achei normalíssimo ter um litro de azeite no banheiro e uma cisterna com peixe na casa em que morei até adulta.
Assim como "O Inferno São Os Outros" da fala de Sartre, "Os Esquisitos Nunca Somos Nós"
Os costumes e os hábitos que trazemos de casa e que estão amalgamados n`alma nos inserem e identificam. Penso que seja esta a função da família. Somos da mesma tribo.
Fora a adolescência - parênteses em que tudo o que queremos é ser igual - todo o antes, da infância e o longo (com sorte) depois, da idade adulta - o que buscamos é o nosso lugar no mundo que não é, e não deve ser, o lugar e nem o sentir de mais ninguém.
Se toparmos, na jornada, com alguém com quem fizermos uma liga rara de entendimento e troca que dispense palavras, então será como acertar na loteria todos os dias.
Desejo a todos um Natal de percepções particulares e que delas brotem generosidade, entendimento e respeito a tudo o que não lhes for familiar e de identificação instantânea.
Abrir olhar e coração para o diferente é muito enriquecedor porque aprendemos outros jeitos de viver e de estar no mundo. O resultado é que aprendemos mais de nós.
Muita razão e emoção à flor da pele.
ResponderExcluirObrigada. A lida equilibrada entre a razão e a emoção, quando aprendida, permite que a vida flua leve. Somos todos aprendizes!
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