sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Rebeldia e Coragem

"O medo nos mantém abaixo
das nossa possibilidades."
                  Desamparo /Inês Pedrosa

Caminhando pela orla encontrei uma amiga de uma amiga minha, o que por si só nos credencia para sermos amigas também. Ambas estávamos sozinhas e dois minutos depois, instaladas num barzinho com "chopp em dobro"o papo rolava solto. Ela contou que viera no meio da semana para uma reunião extraordinária do condomínio pois precisavam eleger um síndico, porque o senhor que vinha na função infelizmente não poderia continuar.

Da pauta constavam, também, os consertos e manutenção que o prédio necessita.  Reunião iniciada e a coisa toda deslizou como em um trilho azeitado. Tudo já havia sido discutido  "já que vamos mexer o melhor é fazer tudo o que precisa, afinal temos de preservar o nosso patrimônio". Ela tentou argumentar que seria bom dividir as obras, parte este ano e parte no ano que vem. "A senhora não concorda que temos de zelar pelo que nos pertence?" Típica pergunta de resposta única pensou em argumentar que a questão não era essa, etc...mas desistiu. Fugia de "perguntas pegadinhas" porque não levam a nada e irritam pela má fé.

Urgente uma chamada de capital - chegou-se rapidamente aos valores do rateio - incorporados na próxima taxa do condomínio com base nos orçamentos apresentados.
Passou-se para a eleição do síndico e como não surgiu nenhum candidato a opção foi contratar um profissional. Apresentaram os  três orçamentos de praxe. Dois síndicos e uma síndica. Os valores cobrados variavam bastante e num primeiro momento aventou-se que o Conselho entrevistasse os três e decidisse pelo que melhor atenderia a demanda. Nesta altura da reunião minha amiga já estava em urticárias de ansiedade e queria sumir dali e ir pra praia e tomar uma cerveja gelada porque, por Deus, ela merecia! Sentiu que só estava ali para legitimar decisões das quais não tomara parte e para as quais não fora consultada.

Conversa vai conversa vem, um dos moradores - novo no condomínio - pediu a a palavra e, depois de entoar loas " às inquestionáveis qualidades e imensas capacidades das mulheres" - no assunto em questão achava que um homem seria a melhor escolha. Afinal, observou, será um ano de obras, de peões circulando pelo prédio, e uma mulher teria de lidar com possíveis desrespeitos e talvez até com assédios de natureza sexual.
A esposa, que entrara muda e sairia calada, permanecia de braço dado com o marido e manteve um sorriso congelado de Monalisa, do começo ao fim.  

E ela, a minha amiga, que viera especialmente para esta reunião e que achava que a sua opinião seria considerada, rebelou-se -  indignada - e disse que a mulher síndica queria trabalhar e que certamente saberia se defender sozinha. E que era de um machismo inaceitável não contratá-la por ser mulher. Sua argumentação caiu no vazio. Ninguém nem sequer a ouviu. Decidiu-se entrevistar um só candidato, engenheiro aposentado, que somaria às capacitações administrativas, o conhecimento (necessário?) de engenharia para o melhor desempenho dos trabalhos. Era o candidato que cobrava mais caro.

O síndico, perto dos noventa, já invisível porque deixara de ser útil, permaneceu calado com uma expressão divertida e minha amiga, numa epifania, percebeu três coisas - importantíssimas!

Primeira: O síndico ficou invisível por vontade própria! Na contramão da queixa comum dos que envelhecemos ele, mais velho ainda, usava em seu benefício a invisibilidade inevitável que a idade carrega.
Segunda: Ela reconheceu em si a rebeldia adormecida de onde tirou coragens para as decisões difíceis que a vida lhe impôs.
Terceira:  Se tivermos olhos para ver o que não é dito, uma simples reunião de condomínio pode ser uma aula sobre o comportamento humano.

Foram para casa, lado a lado. Ele assoviando um bolero antigo e ela feliz da vida porque  nunca tinha participado de uma reunião de condomínio tão proveitosa, poucas vezes aprendera tanto em tão pouco tempo.

Minha amiga - eu disse -  excelentes motivos para comemorar!
E ao garçom: mais dois chopps e uma porção de bolinhos de bacalhau, por gentileza.
Dia para guardar na memória.









6 comentários:

  1. Cada vez melhor na criatividade. Criando histórias para relatar fatos reais.

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    1. Digamos que a recíproca é verdadeira. Fatos reais sendo matéria da história.

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  2. Excelente!
    Sempre surpreendendo com suas novas descobertas.
    Mais um shopp, por favor!

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  3. Inacreditável. Ela devia ter perguntado porque estava lá, já que mulher não pensa, só serve pra concordar. Poderia ter aproveitado a praia.

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