quarta-feira, 17 de junho de 2020

Sapatos Novos!


Encontro o vizinho com um pacotão de caixas de sapatos vazias prestes a jogá-las no depósito do lixo reciclável. Peço que as dê para mim e ele, surpreso, responde que sim, sim, são suas. Explico que pretendo guardar meus calçados sem serventia, nesses tempos de isolamento e pandemia.

Numa evidente atitude oposta, enquanto ele investe nos passos que espera dar, eu, ao pedir-lhe as caixas, faço o contrário. Pretendo guardá-los, os meus sapatos aptos a dar muitos passos, para resgatá-los "quando tudo isso passar."
Minha atitude é mais de precaução do que de confiança. Tem a ver com o ditado antigo e - a cada ano que passa, menos sentido faz  - " de que quem guarda tem".

Subo com as caixas vazias e me comovo ao entender que acredita, o vizinho mais vivido do que eu, que comprar calçados nesse tempos de reclusão é razoável e, além disso, necessário.
Talvez planeja estreia - los, os sapatos novos, em lugares aonde ele nunca pisou.
Vizinho antigo e gentil, sempre contido, me dá uma lição de esperança.

Acomodo meus sapatos que não têm ido a lugar nenhum nas caixas e as coloco num lugar de difícil acesso. Não vou precisar deles mesmo, penso.
Desço da escada.

E percebo a inutilidade de reter sapatos em uma espera sem previsão de acabar. Pensando bem, não os uso há anos. Torno a subir, retiro das caixas e os acrescento à pilha de coisas para doar. Serão úteis e darão os passos que justificam sua existência, em pés que não podem, como  os meus, ficar em casa.
Desafogo o armário que me me recompensa com mais espaço.

Porém, também sei que, na vida, só existe uma certeza, então, abro uma fresta para o imponderável e reservo um par, de saltos, porque - talvez, quem sabe, depois - me façam falta para dançar.
Renovo a esperança e atualizo a percepção de mim.

Desço com as caixas vazias e as coloco no latão de lixo reciclável.



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