quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Motel dos Amantes

Recebi uma proposta inusitada e interessante. Uma pessoa das minhas relações, aliás, bem próxima, viveu uma experiência tão constrangedora quanto engraçada. Antes de começar a narrativa que dispensa exageros, pediu-me que a mantivesse anônima, o que faz todo o sentido, como veremos a seguir.  Massageou-me o ego acrescentando que eu saberia contar a história com verve e graça. Apreciei o elogio, mas aumentou a minha responsabilidade.                                                                        Sem maiores delongas, vamos aos fatos: 

Voltavam, duas amigas, de um fim de semana prolongado em que agarraram todas as oportunidades de diversão segura. Colheram mirtilos em cestinhas de vime num lugar chamado, apropriadamente, de "Vale dos Mirtilos".  Almoçaram em um restaurante escondido em uma mata ao som de cachoeiras, convidadas por  um casal de amigos comuns que inauguravam o seu completo e confortável motor home.                                                                                                                                                            Beberam vinho, passearam mais, retornavam felizes.

No meio da viagem, justamente no trecho em que não tinha nada na beira da estrada, nem um mísero posto de gasolina para uma parada de emergência, ela começou a sentir lancinantes dores de barriga. Esperou o quanto pôde, até que gemou para a amiga "preciso que você pare assim que aparecer qualquer muquifo para eu ir ao banheiro".

Não demorou e, após uma curva da estrada, surgiu um placa anunciando um shopping cujo desvio de acesso distava três km. Ah, animou-se a motorista, é pertinho, já a gente chega. Tem um túnel que dá acesso ao shopping, eu conheço, e acrescentou "olha, lá está".  E apontou para um cilindro branco que despontava ao longe. É lá, faz parte do edifício.Você aguenta, perguntou? Ela assentiu com a cabeça. Um pio, ali, seria arriscado. 

Atravessaram o túnel e o prédio crescia a cada metro rodado. Ela estranhou a subidinha de terra batida, mas nem comentou. Era um motel de beira de estrada, com dois pombinhos de biquinhos unidos num beijinho e um coração vermelho. Na fachada. "Motel dos Amantes" escrito no mesmo vermelho do coração. Ai, gemeu, é um motel.

A amiga, calma, explicou que descendo a ruazinha chegariam à entrada do shopping. Desceram e caíram na contramão da BR 101. Carretas e caminhões davam sinais de luz ao mesmo tempo em que buzinavam, freneticamente. Sorte que, do motel à BR tinha uns 50 m de acostamento até a estrada. Certo que na contramão, mas não caíram direto no meio do trânsito pesado da rodovia.

Voltaram de ré até o acesso ao motel. Vamos entrar no motel, não quero nem saber, que pensem o que quiserem. Tô nem aí.

A amiga, sem premências a lhe alterar o raciocínio lógico, ponderou: os trâmites para entrar no motel vão demorar mais do que descer o declive entre a ruazinha e o milharal. Não é melhor? Tenho papel higiênico no porta luvas. Ela assentiu com a cabeça e pegou o papel. 

Escorregou pelo morrinho curto, mas íngreme, e se viu num plano, coberto de palha, milharal à esquerda. Antes que a visão da amiga saísse da sua vista ainda perguntou, será que tem vaca? ou cobra? 

Vencida a primeira etapa, impôs-se a segunda. Levantar, sem ajuda das mãos e segurando os jeans. Catou o resto de dignidade, a transformou em impulso e se ergueu, firme. A garrafinha de água e o álcool gel encerraram a questão. A amiga se admirou com a rapidez com que ela tinha resolvido o assunto.   

A urgência, minha amiga, não admite titubeios. Sufoco assim, só quando nasceu meu filho há mais de 40 anos. Mas, esta é outra  - e nobre - história.

Transcrevi, ipsis litteris, a narrativa da pessoa que me deu o tema deste conto. Pediu-me para agradecer, uma vez mais, à previdente companheira de viagem cujo prosaico rolo de papel higiênico permitiu que a aventura tivesse um final feliz. Espero que ela goste do que lerá. Tentei ser o mais fiel possível aos fatos. No entanto - como é  de domínio público - talvez eu tenha acrescentado um ponto.





                                                                                       

 



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