segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Vacina

  

Três amigas foram passar um dia de sol na casa de praia de uma delas. Precisamos tomar sol para absorver a vitamina D, disseram. Estamos restringidas, presas em casa, somos o elo frágil da corrente. Além disso temos que cuidar do emocional, solidão demais faz mal. 

Reclinadas nas cadeiras fincaram os pés na areia. A que controlava o relógio para que não torrassem ao sol repetia, "a diferença entre o remédio e o veneno é a dose."
Passado o tempo da exposição terapêutica se esbaldaram na jacuzzi instalada ao lado de um sombreiro cujas folhas desenhavam um rendado de luz e sombra ao redor.
Espumante e camarão grelhado à disposição, faziam um balanço das próprias vidas e concordavam que os acertos foram maiores do que os erros. Depois do primeiro brinde sabemos que abre-se um portal. As coisas boas da vida se atropelam numa fila imaginária na ânsia de ser brindadas. Generosas, atenderam a fila inteira, com direito a inserções de última hora e de primeira importância.

Repetiam surrados chavões - verdadeiros  - "é a gente é quem cuida da gente", "os filhos têm a vida deles", "bom mesmo são as amigas, porque os caminhos são diferentes, mas as histórias convergem" e o versátil e abrangente "só muda o endereço."

Fim de tarde, na volta para casa, felizes, bronzeadas, eis que toca o celular de uma e, no viva voz, o filho informa que está com COVID.  Passamos o último feriado juntos, tomamos caipirinha do mesmo copo, apavorou-se a mãe. Tá tudo bem, mãe, calma!

Imediatamente as três estavam de máscara. Naquela altura pouco adiantaria, mas pouco é mais que nada. Vamos esfriar a cabeça. Amanhã cedo vou fazer o teste e aviso vocês. Reviram o dia cuidadosamente, argumentaram que estiveram ao ar livre, que não misturaram copos e desenvolveram condescendentes manobras mentais para ludibriar a razão.

Susto ainda pela metade e fazendo mil conjecturas, garantindo que respeitaram o distanciamento, as janelas do carro abertas para renovar o ar quando uma pede, aflita, fechem as janelas, por favor é o meu telefone que toca agora. O barulho do trânsito pesado da rodovia a impedia de ouvir. 

Era a filha informando que estava chegando com as crianças. Ela nem teve tempo de responder e a moça emendou, nos falamos mais tarde, mãe. Vou ficar uns dias com você. Depois eu decido o que vou fazer. Meu casamento acabou. 

Ficaram o resto do trajeto emudecidas. Passar da felicidade solar ao ao medo abissal sorveu-lhes a energia recém adquirida.

Quando ela ligou apavorada porque o exame deu positivo, a terceira, que saíra incólume daquele dia, ao ouvir a notícia deixou o telefone cair das mãos. Calma, calma, estou confundindo os sentidos. Perde-se o olfato, não o tato. Respira, respira!

As outras duas não manifestaram nenhum sintoma. Mãe e filho se recuperaram da COVID.  A filha se entendeu com o marido. 
Encontrei-as no drive thru na fila da vacina. Felizes, imunizadas, combinaram de passar um dia na praia. Urge recuperar as energias. 




 




 

 


6 comentários:

  1. Que expressivo seu SUSTO!
    Nesta " pandemia" é o que mais vivemos...assustadas.Amigas verdadeiras,mães incansáveis ,levando a vida vomo dá...

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    1. E não é de alegria e susto, dor e esperança de que a vida é feita? E de fé.

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    2. E não é de alegria e susto, dor e esperança de que a vida é feita? E de fé.

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  2. O que seria de nós se não tivéssemos um pouco de fé, nesta altura da vida nos apegamos pra driblar os problemas que nos cabe. Bom texto,como sempre Clevitia.

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