O maio que já é um pontinho no retrovisor me trouxe aos setenta anos. Até agora costumava fazer um balanço da jornada. Porém, acredito que setenta exige uma avaliação seletiva e sucinta. Para chegar até aqui vencemos exaustivas corridas de obstáculos. Com sessenta anos virei a chave da minha vida e mudei o modo de me enxergar no mundo. Apesar da máxima de que só o que é permanente é a mudança, mudar é um processo lento e doloroso. Exige desapegos arraigados como ervas daninhas e muita coragem. De modo que o meu balancete se resume a esta década, recém vencida. Agora cada aniversário é uma etapa a menos. Ainda espero visualizar um bom punhado de maios pelo espelho. O quanto baste para não dar vexame.
Informo a minha idade com orgulho. Só não gosto quando me dizem que estou conservada. Pode ser que, às vezes, eu seja azeda, mas não sou pepino. Venho de uma família de seis pessoas onde quatro delas se foram muito cedo. Ficamos, meu irmão mais velho e eu, para confirmar a exceção que confirma a regra. Daí o meu respeito pela velhice.
Penso que envelhecer é um privilégio mas não acho, de jeito nenhum, que estou na melhor idade. Envelhecer dói. Acordar com alguma dor é prova de vida. Temos que administrar as encrencas que a idade traz com galhardia e cabeça erguida. É uma questão de escolher o efeito colateral menor. E fazer exercício e nos alimentar bem - aqui a coisa fica meio confusa - então, quando vou ao médico e ele me pergunta se me alimento bem já solto o pacote todo: Ah sim, doutor, como frutas, verduras, legumes, proteínas e não esqueço de beber água... Um me perguntou se eu bebia álcool, fiquei escandalizada. Imagina! Nunca bebi álcool na vida. Com aquele não deu liga. Não voltei mais. Tem a médica que pergunta se estou tomando leite. Respondo que tenho me esforçado bastante.
E tem as amigas! E tem as amigas! O amor mais fácil. A todas e a cada uma:
Quando a rotina e o preto e branco dos dias pesarem me chama que eu vou, na certeza de colorir os meus, na pretensão de colorir os seus.
E tem a família que ampara e, às vezes, incomoda, acolhe e socorre sempre, nos preocupa e nos enche de alegria e orgulho. É o nosso norte, sul, leste e oeste. É comprometimento e amor com todo o seu significado e dimensão. À ela, meu amor incondicional. Viver é bom.